terça-feira, 13 de abril de 2010

O ESTUDO DE DEUS

Em janeiro de 1855 o ministro da capela da rua New Park começou seu sermão matinal do seguinte modo:
"Já foi dito por alguém que 'o estudo adequado da humanidade é o próprio homem'. Não me oponho à idéia, mas creio foi igualmente verdadeiro que o estudo correto do eleito de Deus é Deus; o estudo apropriado ao cristão é a Divindade. A mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais poderosa filosofia que possa prender a atenção de um filho de Deus, é o nome, a natureza, a pessoa, a obra, as ações e a existência do grande Deus, a quem chama Pai.
"Nada é melhor para o desenvolvimento da mente do que a contemplação da Divindade. Trata-se de um assunto tão vasto, que todos os nossos pensamentos se perdem na sua imensidão; tão profundo que nosso orgulho desaparece em sua infinitude. Podemos compreender e aprender muitos outros temas; derivando deles uma certa satisfação pessoal e pensando enquanto seguimos nosso carrinho:
"'Olhe, sou um sábio'. Mas, quando chegamos a esta ciência superior e descobrimos que nosso fio de prumo não consegue sondar sua profundidade e os nossos olhos de águia não podem ver sua altura, nos afastamos pensando que o homem vaidoso pode ser sábio, mas não passa de um potro selvagem; exclamando então solenemente: "Nasci ontem e nada sei". Nenhum tema contemplativo tende a humilhar mais a mente do que os pensamentos sobre Deus.
"Ao mesmo tempo porém que este assunto humilha a mente, ele também a expande.
"Aquele que pensa com freqüência em Deus, terá a mente mais aberta do que alguém que apenas caminha penosamente por este estreito globo... O melhor estudo para expandir a alma é a ciência de Cristo, e Este crucificado, e o conhecimento da Divindade na gloriosa Trindade. Nada alargará mais o intelecto, nada expandirá mais a alma do homem do que a investigação dedicada, ansiosa e contínua do grande tema da Divindade.
"Ao mesmo tempo que humilha e expande, este assunto é eminentemente consolador. Na contemplação de Cristo existe um bálsamo para cada ferida; na meditação sobre o Pai, há consolo para todas as tristezas, e na influência do Espírito Santo alívio para todas as mágoas.
"Você quer esquecer sua tristeza? Quer livrar-se de seus cuidados? Então, vá, atire-se fio mais profundo mar da Divindade de Deus; perca-se na sua imensidão, e sairá dele completamente refrescado e revigorado. Não conheço coisa que possa confortar mais a alma, acalmar as ondas da tristeza e da mágoa, pacificar os ventos da provação do que uma meditação piedosa a respeito da Divindade. É para esse assunto que chamo a atenção de todos esta manhã. .."
Estas palavras, ditas há mais de um século por C. H. Spurgeon (que nessa época, inacreditavelmente tinha apenas 20 anos) eram verdadeiras então, do mesmo modo como o são agora. Elas foram um prefácio adequado para ama série de estudos sobre a natureza e o caráter de Deus.

II
"Mas, espere um instante", alguém objetará, "diga-me uma coisa, será realmente necessário estudar isso? Nos tempos de Spurgeon; sabemos que as pessoas achavam interessante a teologia, mas eu a considero aborrecida. Por que alguém precisa hoje em dia perder tempo com esse tipo de estudo que você está propondo? Com certeza, pelo menos o leigo pode passar sem isso. Afinal de contas estamos quase no ano 2000 e não em 1855!"
Uma boa pergunta! Mas acho que há uma resposta convincente para ela. Essa questão é levantada por alguém que diariamente supõe que o estudo da natureza e do caráter de Deus não seria prático nem relevante para a vida. Pelo contrário, é o projeto mais prático de que alguém poderia ocupar-se. Conhecer a Deus é crucialmente importante para nossa vida. Do mesmo modo como seria cruel levar um indígena da Amazônia de avião até São Paulo e deixá-lo, sem qualquer explicação, sem que entendesse nada da língua portuguesa ou da vida civilizada, em plena Praça da Sé, para que ele cuidasse da própria subsistência; assim também seríamos cruéis conosco mesmo se tentássemos viver neste mundo sem saber nada a respeito do Deus, que é dono e Senhor do Universo. Para aqueles que não conhecem a Deus o mundo se torna um lugar estranho, louco, penoso, e viver nele algo de decepcionante e desagradável. Despreze o estudo de Deus e você estará sentenciando a si mesmo a passar a vida aos tropeções, como um cego, como se não tivesse qualquer senso de direção e não entendeste aquilo que o rodeia. Deste modo poderá desperdiçar a sua vida e perder sua alma.
Ao reconhecer então, que o estudo de Deus tem valor, preparemo-nos para começar. Mas, por onde. iniciá-lo? Obviamente temos de partir de onde estamos. Isto, entretanto, significa partir em meio a urra tempestade, pois a doutrina de Deus hoje em dia está no centro de uma verdadeira tempestade. O chamado "debate sobre Deus'' com sem refrães surpreendentes; "nossa imagem de Deus deve desaparecer"; "Deus está morto."; "podemos recitar o Credo, porém não podemos dizê-lo", está rugindo à nossa volta. Dizem-nos que "dogmatizar sobre Deus" como os cristãos têm feito historicamente, é manifestar refinada insensatez e que o conhecimento de Deus é, na realidade, uma ficção.
Os tipos de ensinamento que professam tal conhecimento são rejeitados como obsoletos: "Calvinismo", "Fundamentalismo", "Escolasticismo protestante", "Velha ortodoxia".
Que devemos fazer? Se esperarmos que a tempestade passe para depois iniciarmos a jornada pode ser que jamais a comecemos. Minha proposta é a seguinte: "Você com certeza conhece a história do Peregrino de Bunyan, e de como ele tapou os ouvidos e correu gritando: "Vida, Vida, Vida Eterna", quando sua esposa e filhos o chamaram de volta da viagem que estava para iniciar. Peço-lhe que feche por um momento seus ouvidos para aqueles que dizem não haver caminho algum que leve ao conhecimento de Deus e ande um pouco ao meu lado para verificar por si mesmo. Afinal de contas, só se prova o pudim comendo-o, e qualquer pessoa que esteja realmente viajando por uma estrada conhecida não ficará preocupada se ouvir alguém que não está transitando por ela dizer que tal estrada não existe.
Com tempestade ou sem ela, vamos então começar. Mas, como organizaremos nosso curso?
Cinco verdades básicas, cinco princípios fundamentais do conhecimento de Deus possuído pelos cristãos, determinarão todo o nosso programa, como segue:
1) Deus tem falado aos homens, e a Bíblia é sua Palavra, que nos foi dada a fim de tornar-nos sábios para a salvação.
2) Deus é o Senhor e Rei deste mundo; Ele governa todas as coisas para sua própria glória, mostrando sua perfeição em tudo o que faz, a fim de que os homens e os anjos possam louvá-Lo e adorá-Lo.
3) Deus é Salvador, ativo em soberano amor através do Senhor Jesus Cristo para salvar os crentes da culpa e do poder do pecado, para adotá-los como filhos e abençoá-los de acordo com essa condição.
4) Deus é Triúno. Há em Deus três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e a obra da salvação é aquela em que os três estão agindo ao mesmo tempo: o Pai propondo a Redenção, o Filho assegurando-a, e o Espírito aplicando-a.
5) Piedade significa responder à revelação de Deus. com confiança, obediência, fé, adoração, oração e louvor, submissão e serviço. A vida deve ser vista e vivida à luz da Palavra de Deus.
Isto, nada mais, é a verdadeira religião.
À luz dessas verdades gerais e fundamentais, vamos agora examinar com detalhes o que a Bíblia nos mostra da natureza e do caráter do Deus sobre o qual estamos falando. Nossa situação é comparável à dos viajantes que depois de estudarem de longe uma grande montanha, andando à sua volta e observando como domina a paisagem e determina o tipo de região ao seu redor, se aproximam a seguir diretamente dela, com a intenção de escalá-la.

III
O que está envolvido nesta escalada? Quais os temas dignos de nossa atenção?
Vamos tratar da Divindade de Deus, as qualidades divinas que separam Deus dos homens e que marcam a diferença e a distância entre o Criador e suas criaturas; qualidades estas como: sua existência própria, sua infinitude, sua eternidade, sua imutabilidade. Trataremos dos poderes de Deus: sua onisciência, onipotência e onipresença. Estaremos envolvidos com a perfeição de Deus, os aspectos de seu caráter moral que se manifestam em seus atos e palavras; sua santidade, amor, misericórdia, verdade, fidelidade, bondade, paciência e justiça. Teremos de anotar as coisas que são de seu agrado, o que O ofende, o que desperta sua ira, o que Lhe dá satisfação e alegria.
Para muitos de nós estes termos são comparativamente pouco familiares, mas nem sempre foi assim com o povo de Deus. Houve um tempo em que o tema dos atributos de. Deus (como se chamavam então), eram considerados tão importantes que foram incluídos no Catecismo ensinado a todas as crianças nas igrejas, e que todos os membros adultos deveriam saber.
Assim, a quarta pergunta do Breve Catecismo de Westminster: "Quem é Deus?" tinha a seguinte resposta: "Deus é um Espírito infinito; eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade", uma declaração que o grande Charles Hodge descrevia como. sendo, "provavelmente a melhor definição de Deus que o homem já fez".
Hoje, entretanto, poucas crianças conhecem o Breve Catecismo e poucos dos modernos adoradores jamais ouvirão uma série de sermões. abrangendo a doutrina do caráter Divino que se possa comparar com o extenso "Discurso sobre a Existência e Atributos. de Deus", feito por Charnock em 1682. Poucos também terão a oportunidade de ler qualquer coisa simples e direta a respeito da natureza de Deus, pois tal tipo de publicação é bem raro atualmente. Podemos esperar, portanto, que uma exploração do tema acima mencionado irá trazer muitas idéias novas sobre as quais pensar, e muita coisa nova para ser considerada e assimilada.

IV
Por esta razão, antes de iniciar a subida de nossa montanha, precisamos parar e fazer a nós mesmos uma pergunta fundamental pergunta que, na verdade, devemos fazer sempre que nos dispusermos a estudar qualquer assunto na santa Palavra de Deus. Esta pergunta se relaciona com os nossos próprios motivos e intenções como estudantes. É preciso indagar de nós mesmos: qual o alvo final e razão de eu estar ocupando minha mente com estas coisas? O que eu pretendo fazer com o conhecimento de Deus que vou adquirir? Pois o fato que teremos de enfrentar é este: Se procuramos obter conhecimentos teológicos como um fim em si mesmo, isso provavelmente só nos irá prejudicar, tornando-nos orgulhosos e convencidos. A própria magnitude do assunto nos embriagará e chegaremos a pensar que somos bem melhores e superiores aos demais cristãos pelo nosso interesse no assunto e compreensão do mesmo, e olharemos com superioridade para aqueles cujas idéias teológicas nos parecem rudes e inadequadas, pondo-as de lado com desprezo. Isso se conforma às palavras de Paulo aos presunçosos cristãos de Corinto: "o saber ensoberbece... Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito não aprendeu ainda como convém saber" (1 Cor. 8:1, 2).
Estar preocupado em adquirir conhecimento teológico como um fim em si mesmo, aproximar-se da Bíblia para estudá-la sem nenhum motivo maior que o desejo de saber todas as respostas, é o caminho direto para um estado de auto-engano complacente. Precisamos proteger nossos corações contra essa atitude, e orar para que tal não aconteça. Como já vimos anteriormente, não pode haver saúde espiritual sem o conhecimento da doutrina, mas é igualmente verdadeiro que ele não será alcançada com esse conhecimento, se for buscado com propósitos errados e avaliado segundo padrões falsos. Deste modo o estudo da doutrina pode se tornar um perigo. pari a vida espiritual; e nós hoje precisamos estar abertos a esse respeito, tanto quanto os antigos coríntios.
Mas, diz alguém, não é um fato que o amor à verdade revelada de Deus e o desejo de saber o máximo sobre isso é normal em toda pessoa que tenha nascido de novo? Veja o Salmo l19: "Ensina-me os teus preceitos", "desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei", "Quanto amo a tua lei", "Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! mais que o mel à minha boca", "dá-me entendimento para que eu conheça os teus testemunhos" (versos 12, 18, 97, 103, 125). Não é verdade que, assim como o salmista, todo filho de Deus quer conhecer a respeito do seu Pai Celestial o máximo que possa? Não é, realmente, o fato de ter "recebido... o amor da verdade" uma prova de que nasceu de novo? (veja 2 Tess. 2:10), E também não é justo que procure satisfazer ao máximo esse desejo dado pelo próprio Deus?
Sim, naturalmente que sim. Mas, se você reportar-se ao Salmo l19 verá que o interesse do salmista em obter conhecimento de Deus não era teórico, mas prático. Seu desejo supremo era conhecer e comprazer-se no próprio Deus, e considerava esse conhecimento de Deus como um simples meio para alcançar um fim. Ele queria entender a verdade de Deus a fim de que seu coração pudesse corresponder a ela e viver de acordo com essa verdade. Observe a ênfase dada nos Primeiros versículos: "Bem-aventurados os irrepreensíveis no Seu Caminho, que andam na lei do Senhor. Bem-aventurados os que guardam as Suas prescrições, e o buscam de todo o coração... Oxalá sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos" (Versos 1, 2 e 5). Ele estava interessado na verdade e na ortodoxia, nos ensinamentos bíblicos e teológicos, não como um fim em si mesmo mas como meios práticos de aperfeiçoamento da vida e a santidade. Sua preocupação maior estava ligada ao conhecimento e serviço do grande Deus cuja verdade procurava entender.
Esta deve ser também nossa atitude. Nosso alvo ao estudar a Divindade deve ser um melhor conhecimento do próprio Deus. Nosso objetivo deve ser expandir nosso conhecimento, não apenas da doutrina dos atributos de Deus, mas também do Deus vivo a quem pertencem esses atributos. Assim como ele é o assunto de nosso estudo e nosso ajudador nesta tarefa, deve ser também o nosso ponto focal. Ao estudarmos Deus, devemos procurar ser conduzidos a Ele. A revelação nos foi dada com esse propósito e devemos usá-la com essa finalidade.
Como faremos isso? Podemos transformar nosso conhecimento sobre Deus em conhecimento de Deus? A regra para se alcançar isso é simples mas exigente. Ela manda que transformemos cada verdade aprendida sobre Deus em assunto de meditação diante de Deus, conduzindo-nos à oração e louvor a Deus.
Temos alguma idéia a respeito do significado da oração; mas, o que é meditação? Esta é uma boa pergunta, pois a meditação é uma arte esquecida hoje em dia, e o povo cristão sofre dolorosamente por ignorar sua prática. Meditação é o ate de trazer à mente as várias coisas que se conhece sobre as atividades, os modos, os propósitos e as promessas de Deus; pensar em tudo isso, refletir sobre essas coisas e aplicá-las à própria vida. É a atividade de um pensamento santo, conscienciosamente apresentado diante de Deus, sob os seus olhos, com seu auxílio e como meio de comunicação com Ele. Seu propósito é esclarecer nossa visão mental e espiritual de Deus, e deixar que sua verdade produza um impacto total na mente e no coração do indivíduo. É o modo de falar consigo. mesmo a respeito de Deus e de si próprio; é, na realidade, um meio de raciocinar consigo mesmo em ocasiões de dúvida e apreensão até chegar ao claro entendimento do poder e da graça de Deus. Essa meditação nos torna humildes, ao contemplarmos a grandeza e a glória de Deus e nossa própria insignificância e pecaminosidade, e nos dá coragem e segurança, "confortando-nos", no velho e forte sentido bíblico da palavra, enquanto contemplamos as riquezas insondáveis da divina misericórdia manifestada no Senhor Jesus Cristo.
Estes foram os pontos salientados por Spurgeon na passagem que citamos no início, e eles são verdadeiros. À medida que penetrarmos mais e mais profundamente nessa experiência de sermos humilhados e exaltados, nosso conhecimento de Deus aumenta, e com ele nossa paz, força e alegria.
Que Deus nos ajude para podermos pôr em uso nosso conhecimento dEle, e que possamos todos na verdade, "conhecer o Senhor".


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