terça-feira, 13 de abril de 2010

O AMOR DE DEUS

I
A declaração repetida duas vezes por S. João: "Deus é amor" (1 João 4:8, 16) é um dos pronunciamentos mais tremendos da Bíblia – e também um dos menos entendidos. Idéias falsas cresceram à sua volta como uma cruz de espinhos, ocultando seu significado real, e não é tarefa fácil atravessar esse aglomerado de vegetação mental. Entretanto, quanto maior a dificuldade envolvida maior será a recompensa, quando o verdadeiro sentido desses textos são captados pela alma cristã. Aqueles que sobem uma alta montanha não reclamam de seu esforço ao contemplarem o cenário que se descortina de seu topo!
Na verdade, felizes são aqueles que podem repetir com João as palavras da sentença que precede o segundo "Deus é amor", "nós conhecemos e cremos o amor que Deus nos tem" (v. 16). Conhecer o amor de Deus é na verdade o céu na terra. E o Novo Testamento mostra este conhecimento, não como um privilégio de uns poucos favorecidos, mas como uma parte normal da experiência comum do cristão, alguma coisa que só é estranha àqueles cuja espiritualidade é pouco sadia ou malformada. Quando Paulo diz: "O amor de Deus é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi outorgado" (Rom. 5:5) ele não se refere ao amor de Deus, como pensava Agostinho, mas ao conhecimento do amor de Deus por nós. E embora nunca chegasse a conhecer pessoalmente os cristãos de Roma a quem estava escrevendo, ele tinha certeza de que a afirmação seria verdadeira para eles como o era para si mesmo.
Há três pontos nas palavras de Paulo que merecem ser comentados. Primeiro note o verbo "derramado". Seu sentido literal é "despejado". É a palavra usada no "derramamento" do Espírito Santo em Atos 2:17, 33; 10:45; Tito 3:6, sugerindo um fluxo livre e uma grande quantidade – de fato, uma inundação. Paulo não está falando de impressões vagas e indecisas, mas de coisas profundas e irresistíveis.
Em segundo lugar observe o tempo do. verbo. Está no perfeito, o que indica uma situação estabelecida como conseqüência de uma ação completada. A idéia é que o conhecimento do amor de Deus tendo inundado os nossos corações, continua a enchê-los agora, como um vale, uma vez inundado permanece cheio de água. Paulo acredita que todos os seus leitores, assim coma ele mesmo, estarão vivendo no gozo de uma forte e permanente certeza do amor de Deus para com eles.
O terceiro ponto, observe que o instilar desse conhecimento é descrito como parte do ministério normal do Espírito àqueles que O recebem – a todos, isto é, aos que nasceram de novo, todos os que crêem realmente. Seria desejável que esse aspecto de seu ministério fosse hoje mais valorizado do que realmente é. Com uma perversidade tão patética quanto empobrecedora, temo-nos preocupado hoje em dia com os ministérios extraordinários, esporádicos e restritos do Espírito, negligenciando os que são comuns e gerais. Assim, mostramos muito maior interesse pelos dons de cura e de línguas – dons dos quais, segundo Paulo, nem todos os cristãos participarão de forma alguma (1 Co 12:28-30) – do que pelo trabalho normal do Espírito de conceder paz, alegria, esperança e amor através do derramamento do conhecimento de Deus em nossos corações. Este ministério é porém muito mais importante do que o anterior. Para os coríntios, que tinham como certo que quanto mais falassem em línguas mais alegres e piedosos seriam também, Paulo teve de insistir que sem amor – santificação, semelhança com Cristo – o dom de línguas não tinha valor algum (1 Cor. 13:1).
Sem dúvida alguma ele veria motivo para tal admoestação também hoje. Será trágico se a preocupação com o reavivamento que está se manifestando presentemente em muitos lugares se desvie para o beco sem saída de um novo "corintianismo". A melhor coisa que Paulo podia desejar para os efésios, no que se refere ao Espírito, era que Ele pudesse continuar com eles o ministério de Romanos 5:5 com um poder cada vez maior, levando-os a um conhecimento mais e mais profundo de Deus em Cristo. A Edição Revista e Atualizada traduz Efésios 3:14 em diante um tanto livremente, mas apresenta muito bem a idéia. "Me ponho de joelhos diante do Pai... para que... vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior... compreender com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo o entendimento. . . "
Reavivamento quer dizer a ação de Deus devolvendo a uma igreja moribunda, de uma maneira fora do comum, aqueles padrões da vida e da experiência cristã que o Novo Testamento estabeleceu como sendo inteiramente normais; e uma preocupação correta com o reavivamento se expressará, não na forma de desejo ansioso de falar em línguas (pois no final das contas, não tem importância alguma o fato de falarmos línguas ou não), mas sim mediante o desejo ardente de que o Espírito possa derramar o amor de Deus em nossos corações com grande poder. Pois é com isso (ao qual um profundo interesse da alma no que diz respeito ao pecado é freqüentemente preliminar) que começa o reavivamento pessoal, e através dele o reavivamento na igreja uma vez começado é mantido.
Nosso objetivo neste capítulo é mostrar a natureza do amor divino que o Espírito derrama. Com este propósito fixamos nossa atenção na grande afirmativa de S. João de que Deus é amor: isso, em outras palavras, o amor que Ele mostra aos homens, o qual os cristãos conhecem e no qual se alegrem, é a revelação de Seu próprio ser interior. Nosso tema nos fará aprofundar no mistério da natureza de Deus, tanto quanto é possível ao homem, mais profundamente do que nossos estudos anteriores o fizeram. Quando estudamos a sabedoria de Deus vimos alguma coisa de Sua mente; quando pensamos no seu poder vimos um pouco de Sua mão e de Seu braço; quando consideramos sua palavra aprendemos algo sobre sua boca, mas agora, contemplando Seu amor, vamos ver o Seu coração. Estaremos pisando solo sagrado, precisamos a graça da reverência para que possamos pisar nele sem pecar.

II
Dois comentários gerais sobre essa afirmação de João serão úteis neste ponto.
1) "Deus é amor" não é uma verdade completa sobre Deus, no que diz respeito à Bíblia. Não é uma definição abstrata, que permanece isolada; mas, do ponto de vista do crente, a soma de tudo o que a revelação feita nas Escrituras nos fala sobre o seu Autor. Esta afirmação pressupõe todo o resto do testemunho bíblico sobre Deus. O Deus sobre o qual João está falando é o Deus que fez o mundo, que o condenou pelo Dilúvio, que chamou Abraão e fez dele uma nação, que disciplinou o Seu povo do Velho Testamento pela conquista, cativeiro e exílio, que enviou seu Filho para salvar o mundo, que afastou o Israel descrente, e pouco antes de João haver escrito havia destruído Jerusalém, e que um dia julgará o mundo com justiça. É esse Deus, diz João, que é amor. É errado citar essa afirmação de João como muitos o fazem, como que pondo em dúvida o testemunho bíblico da severidade da justiça de Deus. Não é possível argumentar que um Deus que é amor não possa também ser um Deus que condena e castiga o desobediente, pois é precisamente desse Deus que age exatamente assim, que João está falando.
Se quisermos evitar um mal-entendido a respeito da afirmação de João, devemos aceitá-la juntamente com outras duas grandes declarações com a mesma forma gramatical que encontramos em outros pontos de seus escritos. O que é interessante é que ambas partiram do próprio Cristo. A primeira está no evangelho de João. São as palavras de nosso Senhor à samaritana: "Deus é espírito" (João 4:24). ("Deus é um espírito" é uma tradução conhecida, porém incorreta.) A segunda está no começo desta mesma epístola. João a apresenta como um sumário da "mensagem que da parte dele (Jesus), temos ouvido e vos anunciamos é esta: Deus é luz" (1 João 1:5). A afirmação de que Deus é amor deve ser interpretada conforme os ensinamentos destas duas declarações e será útil fazermos agora um breve estudo das mesmas.
"Deus é espírito". Quando nosso Senhor disse isso, Ele estava procurando fazer com que a samaritana abandonasse a idéia de que havia apenas um lugar adequado para a adoração, como se Deus estivesse confinado de algum modo, a algum lugar. "Espírito" contrasta com "carne". A idéia central de Cristo era que o homem, sendo "carne" só pode estar presente em um lugar de cada vez. Deus porém, sendo "espírito", não é assim limitado. Deus não é material, não tem corpo, portanto, não fica confinado a um lugar. Assim (Cristo continua), a verdadeira condição de uma adoração aceitável não é que seus pés estejam em Jerusalém ou na Samaria, ou em qualquer outro lugar, mas o importante é que seu coração seja receptivo e responda à sua revelação. "Deus é espírito; e importa que seus adoradores o adorem em espírito e em verdade".
O primeiro dos trinta e nove artigos expressa o significado da "espiritualidade de Deus" (como dizem os livros) pela asserção bastante estranha de que Ele não tem "corpo, partes, ou paixões". Alguma coisa muito positiva é expressa por essas três negativas. Deus não tem corpo – portanto, como já dissemos, Ele está livre das limitações do espaço e da distância, e é onipresente. Deus não tem partes – isto significa que sua personalidade, poderes e qualidades estão perfeitamente integrados, assim nada dEle se altera. Com Ele "não há mudança nem sombra de variação" (Tia. 1:17). Assim, Ele é livre de todas as limitações de tempo e dos processos naturais, e permanece eternamente o mesmo. Deus não tem paixões – isto não quer dizer que Ele seja insensível (impassível) ou que não haja nada nEle que corresponda às nossas emoções e afeições, mas enquanto as paixões humanas, especialmente as dolorosas, como medo, sofrimento, arrependimento, desespero – são de algum modo passivas e involuntárias, surgindo através de circunstâncias fora de nosso controle, as atitudes correspondentes em Deus têm a natureza de uma escolha voluntária e deliberada; não sendo, portanto, absolutamente comparáveis às paixões humanas.
Assim, o amor de Deus que é espírito, não é indeciso e variável como o amor humano, nem é apenas um desejo impotente de coisas que talvez nunca venham a realizar-se; pelo contrário, trata-se de uma determinação espontânea de todo o Ser divino em uma atitude de benevolência e beneficio, uma atitude escolhida livremente e fixada com firmeza. Não há inconstância ou vicissitudes no amor do Deus Altíssimo que é espírito. Seu amor é "forte como a morte. . . as muitas águas não poderiam apagar este amor" (Cant. 8:6-7). Nada poderá separá-lo daqueles que um dia foram por ele alcançados (Rom. 8:35-9).
Mas, ficamos sabendo que o Deus que é espírito é também "luz". João fez esta afirmativa, atacando certos cristãos professos que haviam perdido o contato com as realidades morais e estavam dizendo que nada do que faziam era pecado. A intensidade das palavras de João está na frase seguinte: "e não há nele treva nenhuma". "Luz" significa santidade e pureza baseada na lei de Deus; "treva" significa perversidade moral e injustiça de acordo com a mesma lei (1 João 2:7-11; 3:10). O ponto principal das palavras de João é que apenas os que "andam na luz", procuram ser iguais a Deus em santidade e justiça, evitando tudo que não esteja de acordo com isto, gozam da companhia do Pai e do Filho; aqueles que "andam nas trevas" não importa o que digam de si mesmos são estranhos a esse relacionamento (v. 6).
Assim, o Deus que é amor é primeiro e acima de tudo luz, e quaisquer idéias sentimentais a respeito desse amor como sendo algo indulgente, de benevolente mansidão, divorciado dos padrões e idéias morais, devem ser abolidas desde o princípio. O amor de Deus é um amor santo. O Deus que Jesus tornou conhecido não é um Deus indiferente a distinções morais, mas um Deus que ama a justiça e odeia a iniqüidade, um Deus cujo ideal para seus filhos é este: "Sede vós perfeitos como vosso Pai que está nos céus é perfeito" (Mat. 5:48). Ele não aceitará em sua companhia qualquer pessoa; por mais ortodoxas que sejam as suas idéias, que não procure a santidade de vida; e aqueles a quem Ele aceitar serão sujeitos a uma disciplina drástica a fim de que possam alcançar aquilo que buscam. "Porque o senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a quem recebe para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade... ao depois, entretanto, produz (a correção) fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça" (Heb. 12:6-11).
O amor de Deus é inflexível, pois expressa a santidade de quem ama e procura a santidade no amado. As Escrituras não nos permitem supor que pelo fato de Deus ser amor podemos confiar que Ele fará feliz aqueles que não buscam a santidade, ou que protegerá seus amados contra problemas quando Ele sabe que precisam dessas tribulações para aperfeiçoarem a sua santificação.
Agora, entretanto, precisamos fazer um segundo comentário comparativo.
2) "Deus é amor" é a verdade completa sobre Deus no que diz respeito aos cristãos. Dizer "Deus é luz" implica em que a santidade de Deus é expressa em tudo o que Ele diz e faz. Do mesmo modo, a afirmação "Deus é amor" também significa que seu amor é encontrado em tudo o que Ele diz e faz. O conhecimento de que esta realidade é dirigida a ele pessoalmente é o supremo conforto do cristão. Como crente, descobre na cruz de Cristo a certeza de que ele, como indivíduo, é amado por Deus; "o Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim" (Gál. 2:20). Sabendo disto, pode aplicar a si mesmo a promessa de que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rom. 8:28). Não apenas algumas coisas, note bem, mas todas as coisas! Cada pequenina coisa que acontece a ele expressa o amor de Deus e ocorre para cumprir o propósito que Deus tem para sua vida. Assim, pelo que lhe concorre, Deus é amor para ele – santo, onipotente amor – em todos os momentos e em todas as ocasiões da sua vida diária. Mesmo quando não pode ver a razão e a finalidade da ação de Deus, ele sabe que há amor nela e por trás dela, e assim pode sempre se alegrar mesmo quando, humanamente falando, as coisas vão mal. Ele sabe que a verdadeira história da sua vida, quando revelada, provará ter sido um ato de misericórdia do começo ao fim, e com isso se alegra.

III
Mas até agora simplesmente circunscrevemos o amor de Deus, mostrando em termos gerais como e quando ele opera, e isto não é suficiente. Perguntamos: o que ele é essencialmente? Como devemos defini-lo e analisá-lo? Em resposta à essas questões a Bíblia apresenta uma concepção do amor de Deus que podemos formular do seguinte modo.
O amor de Deus é o exercício da Sua bondade para com os pecadores individualmente, pelo qual, tendo Se identificado com o bem-estar deles, deu Seu Filho para ser seu Salvador, e agora os leva a conhecê-Lo e beneficiar-se dEle num relacionamento de aliança divina.

Vamos explicar as partes que constituem essa definição.
1) O amor de Deus é um exercício da sua bondade. A bondade de Deus no sentido bíblico é a sua generosidade cósmica. Bondade em Deus, escreve Berkhof, é "a perfeição em Deus que O leva a tratar generosa e gentilmente a todas as suas criaturas. É a afeição que o Criador sente pelas suas criaturas suscetíveis" (Systematic Theology, p. 70, citando Sal. 145:9; 15, 16; Luc. 6:26; At. 14:17). O amor de Deus é a manifestação suprema e mais gloriosa desta bondade. "O amor", escreve James Orr, "é geralmente aquele princípio que leva um ser moral a desejar e a se alegrar com outro, e alcança sua forma mais elevada em uma amizade pessoal na qual cada um vive na vida do outro e encontra sua alegria em se dar ao outro, recebendo de volta o extravasamento da afeição do outro em si mesmo" (Hastings Dictionary of the Bible III, 153). Assim é o amor de Deus.

2) O amor de Deus é um exercício da Sua bondade para com os pecadores. Assim sendo, tem a natureza da graça e da misericórdia. É uma emanação de Deus na forma de bondade, a qual não apenas é imerecida como também contrária a qualquer merecimento, pois os objetos do amor de Deus são criaturas racionais que quebraram a sua lei, cuja natureza é corrupta aos olhos de Deus e que merecem apenas condenação e a expulsão final de sua presença. É admirável que Deus ame aos pecadores; entretanto, a realidade é essa. Deus ama criaturas que se tornaram indignas desse amor. Não havia nada nos objetos de seu amor que pudesse merecê-lo; nada no homem poderia atrair ou induzir a esse amor. O amor entre as pessoas é despertado por alguma coisa no amado, mas o amor de Deus é livre, espontâneo, sem causa ou inspiração. Deus ama aos homens porque escolheu amá-los – como disse Carlos Wesley: "Ele nos tem amado, Ele nos tem amado, porque queria amar" (um eco de Deut. 7:8) – e nenhum motivo para seu amor pode ser dado salvo o seu soberano prazer. O mundo grego e romano do Novo Testamento jamais podia sonhar com tal amor; era freqüentemente atribuído a seus deuses o fato de cobiçarem as mulheres, mas nunca o de amarem aos pecadores; e os autores do Novo Testamento tiveram de usar uma palavra grega virtualmente nova, agape, para expressar o amor de Deus como eles o conheciam.

3) O amor de Deus é um exercício da Sua bondade para com os pecadores individualmente. Não é uma boa vontade vaga e difusa para com todos em geral e ninguém em particular; pelo contrário, sendo uma função da onisciência todo-poderosa, sua natureza é particularizar tanto os seus objetos como seus efeitos. O propósito do amor de Deus, formado antes da criação (Efés. 1:4) envolveu, primeiro, a escolha e a seleção daqueles a quem Ele abençoaria; e, segundo, uma relação dos benefícios que lhes seriam dados e os meios pelos quais esses benefícios seriam obtidos e gozados. Tudo isto foi assegurado desde o início. Assim, Paulo escreve aos cristãos tessalonicenses: "Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, por isso que Deus vos escolheu (selecionou) desde o princípio (antes da criação) para a salvação (o fim determinado), pela santificação do Espírito e fé na verdade (o meio determinado)" (2 Tess. 2:13). O exercício do amor de Deus, no tempo, em relação aos pecadores, individualmente, é a execução de um propósito formado por Ele na eternidade, no sentido de abençoar esses mesmos indivíduos pecadores.

4) O amor de Deus para com os pecadores implica em Sua identificação com o bem-estar deles. Tal identificação está envolvida em toda espécie de amor; sendo, na realidade, uma prova para verificar se o amor é ou não genuíno. Se um pai continua alegre e despreocupado enquanto seu filho está atravessando dificuldades ou se um marido permanece impassível diante do desespero da esposa, ficamos duvidando de que haja realmente amor nesse relacionamento, pois sabemos que aqueles que amam de verdade só ficam felizes quando os entes queridos também estão felizes. O amor de Deus pelos homens é dessa espécie.
Em capítulos anteriores destacamos o fato do propósito de Deus em todas as coisas ser a Sua própria glória – que Ele seja manifestado –conhecido, admirado e adorado. Esta afirmação é verdadeira mas incompleta. Precisa ser equilibrada pelo reconhecimento de que pelo amor dedicado aos homens Deus voluntariamente ligou sua própria felicidade final com a deles. Não é por acaso que a Bíblia habitualmente fala de Deus como o Pai amoroso e o Esposo de seu povo. Conclui-se então que pela própria natureza deste relacionamento a felicidade de Deus não será completa enquanto seus amados não estiverem finalmente livres de dificuldades:
Até que toda a igreja de Deus resgatada
seja salva, para não mais pecar.
Deus estava feliz sem o homem antes que este fosse criado; teria continuado assim se simplesmente houvesse destruído o homem depois deste haver pecado, mas como vemos Ele dedicou seu amor a indivíduos pecadores, e isso significa que, por sua livre e espontânea vontade Ele não conhecerá felicidade pura e perfeita, novamente até que tenha levado cada um deles para o céu. Na realidade, ele resolveu que desde agora até a eternidade sua felicidade seria condicionada à nossa. Assim, Deus salva não apenas para a Sua glória, mis também para sua satisfação. Isto ajuda a explicar porque há alegria (a alegria de Deus) na presença dos anjos quando um pecador Se arrepende (Luc. 15:10), e porque haverá "grande alegria" quando Deus nos colocar imaculados na sua santa presença no último dia (Jud. 24). Essa idéia ultrapassa nosso entendimento e quase supera a crença, mas não há dúvida que, de acordo com as Escrituras, assim é o amor de Deus.

5) O amor de Deus pelos pecadores foi expresso pelo dom de Seu Filho para ser o Salvador deles. Mede-se o amor calculando quanto ele dá, e a medida do amor de Deus é a dádiva de Seu único Filho para ser feito homem e morrer pelos pecadores, e assim tornar-se o único mediador que nos pode levar a Deus. Não nos admiramos de que Paulo tenha se referido ao amor de Deus como "grande", ultrapassando o conhecimento.! (Efés. 2:4; 3:19). Será que já houve generosidade de maior preço? Paulo argumenta que este dom supremo é em si mesmo a garantia de todos os outros: "Aquele que não poupou seu próprio Filho, antes por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as cousas?" (Rom. 8:32).
Os escritores do Novo Testamento constantemente apontam a cruz de Cristo como a prova culminante da realidade do amor ilimitada de Deus. Assim, João, imediatamente depois de seu "Deus é amor", segue. dizendo: "Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou, e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados" (1 João 4:9-10). Do mesmo modo, no seu Evangelho: "Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo o que nele crê... tenha a vida eterna" (João 3:16). Assim também Paulo escreve: "Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo falo de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rom. 5:8). E ele encontra a prova de que: o "Filho de Deus... me amou" no fato de que Ele "a si mesmo se entregou por mim" (Gál. 2:20).

6) O amor de Deus pelos pecadores alcança seu objetivo quando "os leva a conhecê-Lo e sentir gozo nEle numa relação de aliança". Uma relação de aliança é aquela na qual as duas partes estão permanentemente comprometidas uma com a outra em serviço mútuo e dependência (exemplo: casamento). A promessa de acordo é aquela pela qual um contrato de relacionamento é estabelecido (exemplo: os votos no casamento). A religião bíblica tem a forma de um contrato de relação com Deus. A primeira ocasião em que os termos dessa relação ficaram claros foi quando Deus mostrou-Se a Abraão como (Deus Altíssimo – Deus Todo-Poderoso) e formalmente deu-lhe o pacto da promessa "para ser o teu Deus" (Gên. 17:1-7).
Todos os cristãos, pela fé em Cristo, são herdeiros dessa promessa, como Paulo diz em Gálatas 3:15 em diante (note o verso 29). Qual é seu significado? Na verdade é um repositório de promessas, contém tudo.
"Esta é a primeira promessa e a fundamental", declara Sibbes, o Puritano, "na verdade, é a vida e a alma de todas as promessas" (Works, VI, 8).
Brooks, outro Puritano dá o seguinte esclarecimento: "... que é como se ele dissesse: Você terá uma participação tão verdadeira em todos os meus atributos, para seu benefício, como eles são meus para minha glória... Minha graça, disse Deus, será de vocês para o seu perdão e meu poder será de vocês para protegê-los e minha sabedoria será para dirigi-los, minha bondade para livrá-los e minha misericórdia para sustentá-los e minha glória será de vocês para coroá-los. Esta é uma promessa compreensível, que Deus seja nosso Deus; tudo está incluído nela. Deus meus et omnia (Deus é meu, e todas as coisas são minhas) disse Lutero" (Works, V, 308).
"Este é o verdadeiro amor para com qualquer pessoa", disse Fillotson, "fazer o melhor possível em relação a ela". Isto é o que Deus faz para com aqueles a quem ama – o melhor possível; e a medida do melhor que Deus pode fizer é a onipotência! Assim, a fé em Cristo nos leva a uma relação que abrange bênçãos incalculáveis, tanto para agora como para a eternidade.

IV
É verdade que Deus é amor para mim como cristão? E o amor de Deus é realmente tudo isso que foi dito? Se assim for, surgem algumas dúvidas.
Por que eu sempre reclamo e mostro descontentamento diante das circunstâncias das quais Deus me colocou?
Por que estou sempre desconfiado, atemorizado ou deprimido?
Por que sempre me permito ficar frio, formal, e pouco dedicado ao serviço do Deus que me ama tanto?
Por que permito que minha lealdade se divida, de modo que Deus não tem todo o meu coração?
João escreveu "Deus é amor", a fim de estabelecer um ponto de ética, "se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós também amar uns aos outros" (1 João 4:11). Será que algum observador poderá aprender pela qualidade e intensidade de amor que eu mostro para com os outros? – Minha esposa? Meu marido? Minha família? Meus vizinhos? As pessoas da igreja? As pessoas com quem trabalho? – alguma coisa sobre a grandeza do amor de Deus por mim?
Medite sobre essas coisas. Faça uma auto-análise.


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