I
"Glória ao Pai", canta-se nas igrejas, "e ao Filho e ao Espírito Santo". Perguntamos, qual o significado disso? Louvamos a três deuses? Não – louvamos um único Deus em três pessoas.
Jeová! Pai, Espírito, Filho!
Trindade oculta! Três em um!
Este é o Deus que os cristãos adoram – o Jeová Triúno. O centro da fé cristã em Deus, a revelação do mistério da Trindade. Trinitas é uma palavra latina que significa trindade. O cristianismo se apoia na doutrina da Trinitas, a trindade, a tripersonalidade de Deus.
Geralmente se pensa na doutrina da Trindade, justamente por causa de seu mistério, como se fosse uma velharia teológica que podemos perfeitamente dispensar. Nossa prática certamente parece refletir essa idéia. O Livro de Orações da Igreja da Inglaterra determina treze ocasiões durante o ano quando o Credo de Atanásio, a afirmação clássica dessa doutrina, deve ser recitado em cultos públicos, mas é raro que seja usado pelo menos uma vez. O pregador anglicano comum nunca fala sobre a Trindade, a não ser talvez, no domingo da Trindade; os ministros não-conformistas que não observam esse domingo especial não falam sobre ela em tempo algum. Fica-se pensando no que diria o apóstolo João a respeito de nossa prática, se estivesse aqui hoje, pois de acordo com ele a doutrina da Trindade é parte essencial do evangelho cristão.
Nas sentenças de abertura de seu evangelho, como vimos no último capítulo, João nos apresenta o mistério de duas pessoas distintas dentro da unidade de Deus. É sem dúvida um dos pontos mais profundos da teologia, mas João nos leva diretamente a ele. "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." O Verbo era uma pessoa relacionada com Deus, e o Verbo era, Ele mesmo, pessoal e eternamente divino. Ele era, como nos diz João, o único Filho do Pai. João define este mistério de um Deus em duas pessoas no início de seu evangelho porque sabe ser impossível que alguém entenda as palavras e as obras de Jesus de Nazaré enquanto não apreender o fato de que Jesus é, na verdade, o Filho de Deus.
Mas, não é apenas esta a intenção de João ao nos falar da pluralidade de pessoas na Divindade. Pois, em sua narrativa das últimas conversas do Senhor com seus discípulos, ele fala como o Salvador. tendo explicado que iria preparar um lugar para eles na casa de seu Pai, continuou prometendo-lhes a dádiva de "outro Consolador" (João 14:16). Note esta frase, ela é rica de significado. Indica uma pessoa, uma pessoa também notável. Um Consolador – a riqueza da idéia é vista pela variedade de interpretação em diferentes traduções: "conselheiro", "auxiliador", "advogado", "amigo". A idéia de encorajamento, apoio, assistência, cuidado, e a aceitação de responsabilidade pelo bem-estar alheio, tudo está implícito nessa palavra. Outro Consolador – sim, porque Jesus era o primeiro, e a função do outro que viesse seria continuar esta parte de seu ministério. Segue-se, portanto, que só podemos apreciar todo o significado das palavras de nosso Senhor ao se referir a "outro Consolador", quando nos recordamos de tudo aquilo que Ele mesmo fez em termos de amor, cuidado, paciente instrução e preocupação com o bem-estar de seus discípulos durante seus três anos de ministério pessoal junto a eles. Ele cuidará de vocês, era o que Cristo realmente queria dizer, do mesmo modo como Eu o tenho feito. Na verdade, uma pessoa notável!
Nosso Senhor foi além; dando um nome ao novo Consolador. Ele é "o Espírito", "o Espírito. Santo" (14:17, 26). Este nome denota santidade. No Velho Testamento, a Palavra de Deus e o Espírito de Deus são figuras paralelas. A Palavra de Deus é sua voz poderosa, o Espírito de Deus é seu alento. Ambas as frases se referem ao seu poder em ação. A palavra e o hálito do Senhor aparecem juntos na narrativa da criação. "O Espírito (hálito) de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus... e houve..." (Gên. 1:2) "Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro (Espírito) de sua boca o exército deles" (Sal. 33:6). João nos diz no prólogo que o Verbo divino aqui citado é uma pessoa. Nosso Senhor agora nos dá um ensinamento paralelo, com a finalidade de mostrar que o Espírito divino é também uma pessoa. E confirma seu testemunho. da divindade deste Espírito pessoal chamando-o de Santo Espírito, como mais tarde falaria sobre o Pai Santo (17:11).
Observe como Cristo relaciona a missão do Espírito com a vontade e o propósito do Pai e do Filho. Em um lugar, é o Pai que enviará o Espírito, como foi o Pai que enviou o Filho (veja 5:23, etc.). O Pai enviará o Espírito, diz nosso Senhor, "em meu nome" – isto é, como agente de Cristo., realizando. sua vontade e agindo como seu representante e com sua autoridade (14:26). Assim como Jesus veio em nome do Pai (5:43) agindo como representante do Pai e falando suas palavras (12:49), fazendo a obra do Pai (10:25, cf. 17:12) e dando testemunho completo dAquele de quem era emissário, assim o Espírito viria em nome de Jesus pala agir no mundo como agente e testemunha de Jesus. O Espírito "procede do (para: do lado do) Pai" (15:26 ), assim como anteriormente o Filho veio do (para) Pai" (16:27). Tendo enviado seu Filho eterno para o mundo, o Pai agora O leva para a glória e envia o Espírito para ficar em seu lugar.
Mas este é apenas um modo de ver o assunto. Em outro lugar, é o Filho que enviará o Espírito "da parte do Pai" (15:26). Assim como o Pai enviou o Filho ao mundo, também o Filho enviará o Espírito (16:7). O Espírito é mandado tanto pelo Filho como pelo Pai. Desse modo temos as seguintes formas de relacionamento:
1) O Filho é sujeito ao Pai, pois é enviado pelo Pai em seu (do Pai) nome.
2) O Espírito é sujeito ao Pai, pois o Espírito é enviado pelo Pai, em nome do Filho.
3) O Espírito é sujeito tanto ao Filho como ao Pai, pois é enviado tanto por um como por outro. (Compare 20:22, "soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo").
Desse modo João registra a revelação do Senhor sobre o mistério da Trindade: três pessoas e um Deus, o Filho realizando a vontade do Pai, e o Espírito a vontade do Pai e do Filho. E o aspecto ressaltado aqui é que o Espírito, que vem aos discípulos de Cristo "a fim de que esteja para sempre convosco" (14:16), vem para exercer o ministério da Consolação em lugar de Cristo. Se, antes o ministério de Cristo, o Consolador, era importante, o ministério do Espírito Santo, o Consolador, dificilmente pode ser menos importante. Se a obra realizada por Cristo foi importante para a Igreja, a obra do Espírito também o deve ser.
II
Essa impressão, entretanto, não transparece através da leitura da História da Igreja, tampouco observando a Igreja de hoje. É surpreendente ver como o ensino bíblico a respeito da segunda e da terceira pessoas é tratado de modo diferente. A pessoa e a obra de Cristo, têm sido, e continuam sendo, assunto de constante debate dentro da Igreja; todavia, a pessoa e a obra do Espírito Santo são constantemente ignoradas. A doutrina do Espírito Santo é a Cinderela das doutrinas cristãs. Poucos parecem estar interessados nela. Muitos livros excelentes já foram escritos sobre a pessoa e a obra de Cristo, mas o número de livros sobre o Espírito Santo que vale a pena ser lido praticamente pode ser contado nos dedos de uma das mãos. Os cristãos não têm dúvidas a respeito do que Cristo realizou; sabem que Ele redimiu a humanidade através de sua morte sacrifical, embora possam divergir entre si com respeito a tudo aquilo que esteja envolvido nela; mas o cristão comum está completamente no escuro sobre a atuação do Espírito Santo.
Alguns falam sobre o Espírito de Cristo como se estivessem falando do Espírito do Natal – como uma vaga pressão cultural que desperta a bondade e a religiosidade. Alguns pensam no Espírito como o inspirador de convicções morais dos descrentes, como Ghandi, ou do misticismo teosófico de Rudolf Steiner. Mas muitos, talvez, não pensam de modo algum no Espírito Santo e não têm qualquer idéia sobre o que Ele faz. Estes estão praticamente na mesma posição daqueles discípulos que Paulo encontrou em Éfeso – "nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo" (Atos 19:2).
É extraordinário que aqueles que demonstram tanta preocupação a respeito de Cristo tenham tão pouco interesse e conhecimento sobre o Espírito Santo. Os cristãos estão cientes da diferença que faria em suas vidas se, por acaso, transpirasse a idéia de que nunca houve uma encarnação ou uma expiação; sabem que então estariam perdidos, pois não haveria nenhum Salvador. Mas muitos cristãos não têm realmente idéia da diferença que fria no mundo se não estivesse aqui o Espírito Santo. Não sabem de que modo isso os poderia afetar ou à Igreja. Realmente alguma coisa está faltando aqui. Como podemos justificar a negligência com relação ao ministério do agente enviado por Cristo? Não será uma grande impostura dizer que honramos a Cristo quando ignoramos, e deste modo desonramos, aquele que Cristo nos enviou como seu representante, para tomar o seu lugar e cuidar de nós como Ele o faria? Será que não devemos nos concentrar mais no estudo do Espírito Santo do que temos feito até aqui?
III
Mas, a obra do Espírito Santo será realmente importante?
Importante! É tão importante que se não fosse pela ação do Espírito Santo não haveria evangelho, nem fé, nem Igreja, nem Cristianismo no mundo.
Em 1º lugar: Sem o Espírito Santo não haveria Evangelho nem Novo Testamento.
Quando Cristo deixou o mundo, entregou sua causa aos discípulos. Deu-lhes a responsabilidade de irem e fazerem discípulos em todas as nações: "E vós também testemunhareis", Ele lhes disse no cenáculo (João 15:27). "E sereis minhas testemunhas. . . até aos confins da terra" foram suas palavras de despedida a eles no monte das Oliveiras antes de sua ascensão. (Atos 1:8). Esta foi a tarefa que lhes deixou, mas que tipo de testemunhas seriam? Não tinham sido bons alunos; constantemente não conseguiam entender a Cristo, e não compreenderam a razão de seus ensinamentos durante o seu ministério na Terra, como se poderia esperar que fossem melhores agora, depois que Ele havia partido? Não era certo que embora com a melhor boa vontade deste mundo, eles logo estariam misturando a verdade do evangelho com uma série de equívocos bem-intencionados, e seu testemunho seria rapidamente reduzido a uma confusão irremediavelmente distorcida e deturpada?
A resposta a essa pergunta é negativa, porque Cristo enviou o Espírito Santo para ensinar a eles todas as verdades, livrando-os de erros, recordando o que já haviam aprendido e revelando-lhes o resto daquilo que o Senhor queria que aprendessem. "O Consolador... vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (João 14:26). "Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora, quando vier porém o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo mas dirá tudo o que tiver ouvido" (isto é, Ele faria conhecido a eles tudo o que Cristo Lhe dissesse, do mesmo modo como Cristo lhes havia mostrado aquilo que o Pai queria que Ele transmitisse - veja João 12:49, 17:8, 14), "e vos anunciará as causas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar" (16:12-li). Deste modo "ele dará testemunho de mim (a vocês, meus discípulos, a quem O enviarei), e (equipados e capacitados pela sua atuação) vós também testemunhareis . . . " (15:26, 27).
A promessa era que, ensinados pelo Espírito, esses primeiros discípulos seriam capacitados como porta-vozes de Cristo, e do mesmo modo como no Velho Testamento os profetas começavam seus sermões com as palavras: "Assim diz o Senhor Jeová", no Novo Testamento, os apóstolos poderiam, com igual autoridade, afirmar em seus ensinamentos orais ou escritos: "Assim diz o Senhor Jesus Cristo".
E foi o que aconteceu. O Espírito veio sobre os discípulos e deu testemunho a eles sobre Cristo e sua salvação de acordo com a promessa feita. Falando das glórias desta salvação ("as coisas... que Deus preparou para os que O amam" ) Paulo escreve "Deus no-lo revelou pelo Espírito ... mas nós temos recebido... o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos (e ele poderia ter acrescentado, escrevemos) não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito" (I Cor. 2:9-13). O Espírito testificou aos apóstolos revelando-lhes toda a verdade e inspirando-os a transmiti-la com toda a fidelidade. Por essa razão temos o evangelho e o Novo Testamento. Mas o mundo não teria nenhum dos dois sem o Espírito Santo. E isso não é tudo.
Em 2º lugar: Sem o Espírito Santo não haveria fé, nem novo nascimento – em resumo, não haveria cristãos.
A luz do evangelho brilha; mas "o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos" (II Cor. 4:4), e o cego não reage ao estímulo da luz. Como Cristo explicou a Nicodemos: "Se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de, Deus. . . não pode entrar no reino de Deus" (João 3:3, 5). Falando por Si mesmo e por Seus discípulos a Nicodemos, e a toda classe de pessoas religiosas não regeneradas, à qual Nicodemos pertencia, Cristo continuou explicando que a conseqüência inevitável da não regeneração é a descrença "Não aceitais o nosso testemunho" (v. 11) O evangelho não produziu qualquer convicção neles; a incredulidade os mantinha irredutíveis.
O que aconteceu então? Devemos concluir que é perda de tempo pregar o evangelho, e que a evangelização deve ser riscada como um empreendimento sem esperança, fadado ao fracasso? Não; porque o Espírito habita com a Igreja para dar testemunho de Cristo. Aos apóstolos, como já vimos, ele se manifestou revelando e inspirando. Aos outros homens, durante séculos tem-se manifestado iluminando, abrindo os olhos vendados, restaurando a visão espiritual, capacitando os pecadores a verem que o evangelho é realmente a verdade de Deus, e as Escrituras são a Palavra de Deus, e Cristo é verdadeiramente o Filho de Deus. "E quando Ele (o Espírito) vier", o Senhor prometeu, "convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo" (16:8). Não devemos pensar que podemos provar a verdade do cristianismo por meio dos nossos próprios argumentos; ninguém, a não ser o Espírito Santo, pela sua própria obra poderosa de renovação do coração endurecido, pode provar essa verdade.
É prerrogativa soberana do Espírito Santo de Cristo convencer a consciência dos homens sobre a verdade do evangelho de Cristo; e a testemunha humana de Cristo deve aprender a basear sua esperança de sucesso não em brilhantes apresentações da verdade pelo homem, mas na poderosa demonstração da verdade pelo Espírito. Paulo mostra o caminho. "E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria... A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder. Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus" (I Cor. 2:1-5). E como o Espírito se manifesta deste modo, os homens crêem quando o evangelho é pregado. Mas sem o Espírito não haveria um só cristão no mundo.
IV
Honramos o Espírito Santo, reconhecendo a sua obra e confiando nela? Ou O desprezamos, ignorando essa atuação, e desonrando deste modo, não só o Espírito, mas o Senhor que O enviou? Em nossa fé, reconhecemos a autoridade da Bíblia, o Velho Testamento profético e o Novo Testamento apostólico que Ele inspirou? Nós o lemos e ouvimos com a reverência e receptividade devidas à Palavra de Deus? Se não o fazemos, desonramos o Espírito Santo. Em nossa vida: aceitamos a autoridade da Bíblia e vivemos por ela, não nos importando com o que os homens dizem contra ela; reconhecendo que a Palavra de Deus não pode deixar de ser verdadeira e o que Deus disse tem um propósito, e Ele manterá sua palavra? Se não o fazemos desonramos o Espírito Santo que nos deu a Bíblia. Em nosso testemunho: lembramo-nos de que apenas o Espírito Santo pelo seu testemunho pode tornar autêntico o nosso, esperamos que Ele o faça, e confiamos que Ele o fará, demonstrando realmente nossa confiança como Paulo o fez, abstendo-se de demonstrações de sabedoria humana? Se não agirmos assim, estaremos desonrando o Espírito Santo. Podemos ter alguma dúvida de que a atual esterilidade na vida da Igreja é o julgamento de Deus a nosso respeito pelo modo como temos desonrado o Espírito Santo? E, neste caso, que esperança podemos ter de sua remoção, até que aprendamos a louvar o Espírito Santo em nossos pensamentos, nossas orações e na prática? "Ele testificará. . . "
"Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas."
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