terça-feira, 13 de abril de 2010

A SABEDORIA DE DEUS E A NOSSA

I
Quando os antigos teólogos reformados se referiam aos atributos de Deus, costumavam classificá-los em dois grupos: incomunicáveis e comunicáveis.
No primeiro grupo punham aquelas qualidades que realçavam a transcendência de Deus e mostravam a grande diferença que há entre Ele e nós, suas criaturas. A lista comum era: a independência de Deus (existência própria e auto-suficiência); sua imutabilidade (completamente livre de qualquer mudança, levando à total constância de ação); sua infinitude (livre de todos os limites de tempo e espaço, isto é, sua eternidade e onipresença) e sua simplicidade (o fato de não haver nele qualquer elemento que entre em conflito; pois, diferente dos homens, Ele não pode ser levado por pensamentos e desejos divergentes). Os teólogos denominaram estas qualidades de incomunicáveis porque são características apenas de Deus; e o homem, justamente por ser homem, não pode compartilhar de nenhuma delas.
No segundo grupo os teólogos reuniram qualidades como a espiritualidade, a liberdade e a onipotência de Deus junto com seus atributos morais – bondade, verdade, santidade, justiça., etc. Qual foi o princípio dessa classificação? Foi o seguinte. Quando Deus fez o homem comunicou a ele qualidades correspondentes a todas essas. É isso o que a Bíblia diz quando conta que Deus fez o homem à sua imagem (Gên. 1:26) – a saber, que Deus fez o homem um ser espiritual, livre, um agente moral responsável com poder de escolha e de ação, capaz de ter comunhão com Ele e ser sensível a Ele, e por natureza bom, verdadeiro, santo, reto (Ecl. 7:29), em uma palavra, piedoso.
As qualidades morais que pertenciam à imagem divina foram perdidas na queda do homem; a imagem de Deus no homem tem sido universalmente desfigurada, pois toda a humanidade de um modo ou de outro, tem-se desviado para a impiedade. Mas a Bíblia diz que agora, cumprindo seu plano de redenção, Deus está agindo nos cristãos para reparar sua imagem arruinada, transmitindo novamente a eles essas qualidades. É esse o significado das Escrituras quando dizem que os cristãos estão sendo renovados na imagem de Cristo (2 Cor. 3:18) e de Deus (Col. 3:10).
Entre esses atributos transmissíveis, os teólogos puseram a sabedoria. Assim como Deus é sábio em Si mesmo, do mesmo modo Ele concede sabedoria aos homens.
A Bíblia fala bastante a respeito do dom divino da sabedoria. Os primeiros nove capítulos do livro de Provérbios são uma exortação única e constante para a busca desse dom. "O princípio da sabedoria é: adquire a sabedoria; sim com tudo o que possuis adquire o entendimento. ... Retém a instrução e não a largues; guarda-a porque ela é a tua vida" (Prov. 4:7,13). A sabedoria é personificada e fala em sua própria causa: "Feliz o homem que me dá ouvidos, velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada. Porque o que me acha, acha a vida e alcança o favor do Senhor. Mas o que peca contra mim violenta a sua própria alma, todos os que me aborrecem amam a morte" (Prov. 8:34-36).
Como uma hospedeira, a sabedoria convida os necessitados a seu banquete: "Quem é simples, volte-se para aqui (Prov. 9:4). A ênfase total é dada à pronta disposição de Deus de dar sabedoria (representada aqui como a presteza da sabedoria em se dar) a todos que quiserem esse dom e que tomarem as providências necessárias para obtê-lo. Ênfase semelhante aparece no Novo Testamento. A sabedoria é requerida dos cristãos: "Vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios... Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor." (Efés. 5:15,17). "Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora. . . " (Col. 4:5). São feitas orações para que lhes seja concedida a sabedoria para que "transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria.... (Col. 1:9). E Tiago, em nome de Deus faz a promessa: "Se porém algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus... e ser-lhe-á concedida" (Tia. 1:5).
Como vem a sabedoria? Que passos são necessários para que uma pessoa tome posse desse dom? De acordo com as Escrituras há dois pré-requisitos. Primeiro, é preciso que se aprenda a reverência a Deus. "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Sal. 111:10; Prov. 9:10; Jó 28:28; Prov. 1:7; 15:13). Enquanto não nos tornarmos humildes e receptivos, permanecendo no temor da santidade e soberania de Deus "o grande e terrível Deus" (Neem. 1:5; 4:14; 9:32; Deut. 7:21; 10:17, Sal. 99:3; Jer. 20:11), reconhecendo nossa pequenez, duvidando de nossas idéias, e querendo ter nossas mentes revolvidas, não teremos em nós a sabedoria divina. É de se lamentar que muitos cristãos passem a vida inteira com uma disposição de espírito tão orgulhosa e convencida que jamais chegam a receber a sabedoria de Deus. Esta a razão pela qual a Bíblia diz: "Com os humildes está a sabedoria" (Prov. 11:2).
Em segundo lugar, então, precisamos aprender a receber a palavra de Deus. A sabedoria é divinamente burilada naqueles, e apenas naqueles que se concentram na revelação de Deus. "Os teus mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos", diz o salmista "compreendendo mais que todos os meus mestres", por que? "porque medito nos teus testemunhos" (Sal. 119:98, 99).
Paulo admoesta os Colossenses do seguinte modo: "Habite ricamente em nós a palavra de Cristo ... em toda a sabedoria" (Col. 3:16). Como podemos nós, pessoas do século vinte fazer isso? Impregnando-nos das Escrituras que, como Paulo disse a Timóteo (e ele tinha em mente apenas o Velho Testamento): "podem tornar-te sábio para a salvação", pela fé em Cristo e para tornar perfeito o homem de Deus "para toda boa obra" (2 Tim. 3:15-17).
Mais uma vez, é de temer que muitos hoje que professam ser de Cristo nunca venham a aprender a sabedoria por deixarem de atender suficientemente a palavra escrita de Deus. O livro de Orações de Cranmer (que todos os Anglicanos devem seguir) indica a leitura do Velho Testamento uma vez por ano e a do Novo Testamento duas. William Gouge, o Puritano, lia regularmente quinze capítulos por dia. O falecido Arcebispo T. C. Hammond costumava ler a Bíblia toda uma vez por trimestre.
Quanto tempo faz que você leu a Bíblia inteira? Você gasta diariamente com a Bíblia tanto tempo quanto com os jornais? Como alguns de nós são tolos! – e permaneceremos assim pelo resto da vida simplesmente porque não nos preocupamos com aquilo que deve ser feito para receber a sabedoria que é um dom gratuito de Deus.

II
Mas que tipo de coisa é o dom da sabedoria de Deus? Que efeito produz no homem?
Muitos se enganam neste ponto. Podemos tornar bem clara a natureza deste erro usando uma ilustração.
Se você ficar em pé no fim da plataforma de uma estação, observará um constante movimento de locomotivas e trens, e se você foi um entusiasta de ferrovias, isto fará com que fique grandemente fascinado. Mas você poderá apenas ter uma idéia geral e superficial dos planos gerais em que se baseia a determinação desses movimentos (o programa de operação estabelecido na tabela de horários, modificada, se necessário, de minuto a minuto de acordo com o movimento real dos trens). Se, entretanto, você tiver o privilégio de ser levado por algum chefe para dentro da cabina de comando, poderá observar numa grande parede o diagrama de toda a linha férrea por cerca de cinco milhas de distância dos dois lados da estação, com pequeninas luzes móveis ou paradas nos diferentes trilhos para mostrar ao sinaleiro apenas com um olhar onde cada máquina ou trem se encontra.
Você poderá observar imediatamente a situação geral através dos olhos dos homens que a controlam; verá no diagrama porque um trem recebeu um sinal de parada, outro foi desviado de seus trilhos normais, e outro ainda, estacionou temporariamente em uma linha lateral. O porquê e a razão de todos esses movimentos tornam-se claros uma vez que você possa observar a situação geral.

O erro comumente feito, porém, é supor que esta é uma ilustração do que Deus faz quando nos dá sabedoria; em outras palavras, supor que o dom da sabedoria consiste em uma visão mais profunda do significado e propósitos providenciais dos acontecimentos que se desenrolam ao nosso redor. Uma capacidade de ver porque Deus agiu de tal modo em um determinado caso, e o que fará a seguir. As pessoas sentem que se estivessem realmente andando junto a Deus de modo que Ele pudesse conceder-lhes livremente a sabedoria, estariam por assim dizer, na cabina de comando. Descobririam o propósito real de tudo que lhes acontece e ficaria claro para elas em todos os momentos como Deus está agindo para que todas as coisas aconteçam para o bem. Tais pessoas gastam muito tempo debruçadas sobre o livro da providência, imaginando porque Deus permitiu que isto ou aquilo acontecesse; se deveriam tomar isso como sinal para deixar de fazer alguma coisa e começar a agir de outro modo, ou o que devem deduzir disso tudo. Se no final ficam frustradas, tomam isso como sua própria falta de espiritualidade.
Os cristãos que sofrem de depressão física, mental ou espiritual (noite, são três coisas diferentes!), podem ficar quase loucos com este tipo de indagação inútil. Porque é na realidade inútil, não tenha qualquer dúvida a respeito. É verdade que quando Deus nos dirige pela aplicação de princípios, poderá em alguma ocasião confirmá-la por providências incomuns que reconhecemos imediatamente como sinais confirmatórios. Mas isto é bem diferente do que tentar extrair uma mensagem sobre os propósitos secretos de Deus através de todas as coisas incomuns que nos possam acontecer. Assim, em lugar do dom da sabedoria consistir no poder para fazer isso, o dom realmente pressupõe nossa incapacidade consciente para fazê-lo, como veremos a seguir.

III
Perguntamos mais uma vez: Com que finalidade Deus nos proporciona o dom da sabedoria? Que espécie de dom é esse?
Se me permitem usar outra ilustração sobre transporte, é como aprender a dirigir. O que interessa quando se dirige é a velocidade, a sua reação apropriada às coisas, e a firmeza de seu julgamento a respeito da oportunidade que a situação oferece. Você não fica se perguntando porque a estrada deveria ser estreita ou cheia de curvas justamente naquele lugar, nem porque aquele caminhão deveria estar estacionado onde está, nem porque a senhora (ou o cavalheiro) na frente dirige como se fosse o dono da estrada, você simplesmente tenta ver e tomar a atitude certa naquela situação como ela se apresenta. O efeito da sabedoria divina é capacitar a você e a mim para fazer exatamente a mesma coisa nas situações reais da vida diária.
Para dirigir bem você deve ficar atento para notar com exatidão o que está à sua frente. Para viver sabiamente você precisa ter uma visão clara e real da vida como ela realmente é. A sabedoria não combina com ilusões confortadoras, falsos sentimentos ou o uso de óculos cor-de-rosa. A maioria de nós vive em um mundo de sonhos, com a cabeça nas nuvens e os pés fora do chão; nunca vemos o mundo e nossas vidas nele como realmente são. Esta irrealidade arraigada e pecaminosa é uma das razões de haver tão pouca sabedoria entre nós, mesmo entre os mais fundamentalistas e ortodoxos. É preciso mais do que sã doutrina para nos curar da irrealidade. Há, entretanto, um livro na Bíblia que é expressamente indicado para nos tornar realistas: o livro de Eclesiastes. Devemos prestar mais atenção à sua mensagem do que normalmente o fazemos. Vejamos agora, por um momento, qual é essa mensagem.

IV
"Eclesiastes" (o título grego correspondente ao hebreu ) significa simplesmente "o pregador", e o livro é um sermão, com o texto ("vaidade de vaidades. . . " 1:2; 12:8), uma exposição de seu tema (caps. 1-10), e uma aplicação. (caps. 11-12:7). Muitas das exposições são autobiográficas.  se identifica como o "filho de Davi, rei de Jerusalém" (1:1). Se isso quer dizer que o próprio Salomão era o pregador, ou que o pregador pôs seu sermão nas palavras de Salomão como um artifício didático, como estudiosos tão conservadores como Hengsterberg e E. J. Young têm argumentado, não nos deve preocupar. O sermão é certamente salomônico no sentido de que ensina lições que Salomão teve oportunidades singulares para aprender.
"Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! tudo é vaidade". Com que espírito e com que propósito o pregador anuncia este texto? Trata-se da confissão de um cínico amargurado, "um velho homem do mundo, egoísta e calejado que nada encontrou no final além de triste desilusão" (W. H. Elliot), e que agora procura compartilhar conosco sua idéia sobre o pouco valor e torpeza da vida? Ou está nos falando como um evangelista, tentando fazer com que os descrentes compreendam que é impossível encontrar a felicidade "debaixo do sol", longe de Deus? Nenhuma das duas é a resposta, embora a segunda sugestão não esteja tão longe do objetivo quanto a primeira.
O autor fala como um professor maduro transmitindo ao jovem aluno os frutos de sua longa experiência e reflexão (11:9 ; 12:1,12). Ele quer levar este jovem crente à verdadeira sabedoria e protegê-lo para que não caia no engano da "cabina de sinalização". Aparentemente o jovem (como muitos depois dele) estava inclinado a confundir sabedoria com grande conhecimento e a supor que se adquire a sabedoria pelo estudo contínuo (12:12). Claramente ele afirma que a sabedoria, quando adquirida, o levaria a saber das razões das diversas atitudes de Deus no curso normal da providência. O que o pregador quer mostrar a ele é que a base real da sabedoria é o reconhecimento sincero de que o curso do mundo é enigmático, que muitas das coisas que acontecem são inexplicáveis e muitas das ocorrências "debaixo do sol" não têm qualquer sinal exterior de uma ordem racional e moral para elas. Como o próprio sermão demonstra, o texto é planejado como uma advertência contra o modo errado de se buscar o entendimento, pois apresenta a conclusão desanimadora a que deve afinal chegar essa busca, se for feita com sinceridade e realismo. Podemos formular a mensagem do sermão como segue:
Veja (diz o pregador) em que tipo de mundo vivemos. Tire seus óculos cor-de-rosa, esfregue os olhos e olhe bem e longamente. O que você vê? Vê o cenário da vida determinado por ciclos periódicos na natureza que parecem não ter propósito (1:4). Vê sua forma fixada por tempos e circunstâncias sobre as quais não temos controle algum (3:1; 9: 11). Vê a morte chegando casualmente para todos, mais cedo ou mais tarde, e sua vinda não tem relação alguma com qualquer merecimento, seja ele bom ou mau (7:15; 8:8). Os homens morrem como os animais (3:19), tanto os bons como os maus, tanto os sábios como os ignorantes (2:14, 17; 9:2). Você vê o mal crescendo desmedidamente (3:16; 4:1; 5:8; 8:11; 9:3 ), os patifes prosperando, mas não assim os justos (8:14). Vendo tudo isso, você percebe como a disposição que Deus dá aos acontecimentos é inescrutável; por mais que queira entender você não pode fazê-lo (3:11; 7:13; 8:17; 11:5) . Quanto maior for seu esforço para entender o propósito divino na decorrência normal dos acontecimentos, mais obcecado e oprimido ficará com a aparente falta de propósito de tudo, e mais tentado ficará a concluir que a vida na verdade não tem razão de ser.
Mas, uma vez que você tenha chegado à conclusão de que realmente não há ritmo ou razão nas coisas, que "proveito" – valor, lucro, ponto, propósito – poderá encontrar então para qualquer atividade construtiva? (1:3; 2:11,22; 3:9; 5:16). Se a vida é sem sentido, não tem da mesma forma valor algum e, neste caso, qual a vantagem de trabalhar para criar coisas, desenvolver um negócio, ganhar dinheiro, e mesmo buscar a sabedoria – pois nada disso trará qualquer benefício (2:15, 22; 5:11); apenas fará com que você seja motivo de inveja (4:4), você não poderá levar qualquer dessas coisas consigo (2:18, 4:8; 5:15) e aquilo que deixar aqui, provavelmente será mal dirigido depois de sua partida (2:19). Que vantagem há, portanto, em suar e trabalhar tanto? Não deve todo o trabalho do homem ser julgado "vaidade (frustração, vazio) e correr atrás do vento" (1:14)? – atividade essa que não podemos justificar como tendo qualquer valor em si mesma ou para nós? É a esta conclusão pessimista, diz o pregador, que a expectativa otimista de descobrir o propósito divino em todas as coisas finalmente o levará (1:17). E é claro que ele está certo, pois o mundo em que vivemos é de fato o tipo de lugar que ele nos descreveu. O Deus que rege tudo se esconde. Raramente este mundo se parece com um lugar que esteja sendo dirigido por uma Providência benevolente. Raramente parece haver um poder racional por trás dele. Repetidas vezes o que é sem valor sobrevive enquanto o que tem valor perece. Seja realista, diz o pregador, enfrente estes fatos, veja a vida como ela é. Você não terá a verdadeira sabedoria enquanto não fizer isso.
Muitos de nós precisamos desta admoestação, pois não apenas o nosso conceito é aquele da "cabina de sinalização", a respeito da sabedoria, como também sentimos que para a honra de Deus (e também, embora não digamos isso, por causa de nossa própria reputação como cristãos espirituais) é necessário que afirmemos que já estamos, por assim dizer, na cabina de sinal, aqui e agora, gozando das informações internas de como e por que Deus está agindo de tal e tal maneira. Esta confortadora pretensão se torna parte de nós, temos a certeza de que Deus nos capacitou para entendermos todas as suas atitudes para conosco e para com os que nos rodeiam, e nos sentimos seguros de que seremos capazes de ver rapidamente as razões para tudo o que nos possa acontecer no futuro. E então alguma coisa inexplicável e muito dolorosa nos acontece e nossa alegre ilusão de participar do conselho secreto de Deis é abalada. Nosso orgulho é ferido, sentimos que Deus nos desprezou, e a menos que neste ponto nos arrependamos e nos humilhemos completamente pela nossa antiga presunção, toda a nossa vida espiritual futura pode ser arruinada.
Entre os sete pecados mortais da tradição medieval estava a preguiça (accidie) – um estado de apatia espiritual obstinada e sem alegria. Há muito disso nos círculos cristãos de hoje; os sintomas são inércia espiritual pessoal combinada com crítica cínica sobre as igrejas e ressentimentos desdenhosos pela iniciativa e empreendimento dos outros cristãos. Atrás dessa condição. mórbida e mortal freqüentemente encontramos o orgulho ferido de alguém que pensou saber tudo a respeito de como Deus age, e precisou aprender que não sabia nada através de uma amarga e surpreendente experiência. Isto é o que acontece quando não se dá atenção à mensagem de Eclesiastes. Pois a verdade é que Deus na sua sabedoria, para manter-nos humildes e para nos ensinar a andar pela fé, escondeu de nós quase tudo o que gostaríamos de saber a respeito do propósito providencial que Ele está realizando nas igrejas e em nossas próprias vidas. "Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas" (11:5).
Mas, nesse caso, o que é sabedoria? O pregador nos ajudou a ver o que ela não é; será que nos dará alguma outra orientação sobre o que ela é? Na verdade ele pelo menos nos dá um esboço, "Teme a Deus e guarda os seus mandamentos" (12:13); confie nEle e O obedeça, respeite-O e O adore, seja humilde diante dEle e nunca diga mais do que o necessário e do que pretende cumprir quando ora diante dele (5:1-7); faça o bem (3:12); lembre-se de que Deus algum dia lhe pedirá contas (11:9; 12:14); evite então, mesmo em segredo, coisas das quais se sentirá envergonhado quando vierem à luz, quando Deus vier julgar (12:14). Viva no presente, e goze completamente a sua condição (7:14; 9:7; 11:9); as alegrias de agora são os bons presentes de Deus. Embora Eclesiastes condene a leviandade (7:4-6) ele claramente não tem tempo para a superespiritualidade que é muito orgulhosa ou "piedosa" para poder rir ou se alegrar. Busque a graça para realizar corretamente qualquer coisa que a vida lhe ofereça (9:10) e tenha prazer nesse trabalho ( 2:24; 3:12; 5:18; 8:15). Deixe os resultados por conta de Deus; deixe que Ele os avalie; a sua parte é usar todo o bom senso e criatividade a seu comando para explorar as oportunidades que estão à sua frente (11:1-6).
Isto é sabedoria. Fica claro que não passa de um dos aspectos da vida de fé. Pois, o que a firma e sustenta? A convicção de que o inescrutável Deus da providência é o sábio e gracioso Deus da criação e da redenção. Podemos estar seguros de que o Deus que fez este mundo tão complexo e maravilhosamente ordenado, que proporcionou a grande redenção do Egito e mais tarde a redenção ainda maior do pecado e de Satanás, sabe o que está fazendo, e "faz tudo bem feito" mesmo que no momento mantenha oculta a sua mão. Podemos confiar e nos regozijar nEle, mesmo quando não pudermos discernir seus caminhos. Assim o caminho do pregador para a sabedoria se resume naquilo que foi expresso pelo poeta sacro:
Ó minha alma, espera em teu Senhor!
Tudo lhe confia, é teu Salvador!
O sol fugiu! Não há arrebol!
Mas depois do inverno vem de novo o sol!
Na tempestade, em hora cruel,
Ele te protege, o Pai fiel!

V
Essa é então a sabedoria com a qual Deus nos torna sábios. E nossa análise dela mostra ainda mais a sabedoria do Deus que a concede. Dissemos que a sabedoria consiste em saber escolher os melhores meios para atingir os melhores fins. A ação de Deus dando-nos a sabedoria é o modo por Ele escolhido para restaurar e aperfeiçoar o relacionamento entre Ele mesmo e os homens, que para isso foram criados.
Para que Ele nos dá essa sabedoria? Como já vimos, não compartilhamos de seus conhecimentos, mas trata-se de uma disposição para confessar que Ele é sábio, apegarmo-nos a Ele e viver para Ele na luz de sua palavra, através de todas as dificuldades.
Assim, o resultado de Seu dom da sabedoria é tornar-nos mais humildes, mais alegres, mais piedosos, mais rápidos em compreender a vontade, mais resolutos em realizá-la e menos preocupados (não menos sensíveis, mas menos confusos) do que ficamos nas situações dolorosas e obscuras que enfrentamos neste mundo pecaminoso. O Novo Testamento nos fala que o fruto da sabedoria é a semelhança com Cristo: paz, humildade e amor (Tia. 3:17) – e a raiz disso é a fé em Cristo (I Cor. 3:8; 1 Tim. 3:15) como a manifestação da sabedoria de Deus (I Cor. 1:24, 30). Dessa forma, o tipo de sabedoria que Deus espera dar àqueles que pedirem, é a sabedoria que nos une a Ele, que encontrará expressão em um espírito de fé e uma vida de felicidade.
Procuremos então fazer com que a nossa busca de sabedoria tome a forma da busca por essas coisas, e não frustremos o sábio propósito de Deus negligenciando a fé e a fidelidade, a fim de procurar um tipo de conhecimento que não nos será dado neste mundo.


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