Uma das doutrinas mais contestadas do pentecostalismo clássico, é o falar em línguas como evidência física inicial do Batismo no Espírito Santo. No passado e no presente, os debates em torno dessa doutrina são calorosos e costumam girar em torno de várias argumentações. A Assembléia de Deus, nos Estados Unidos e no Brasil, costumam ser defensoras dessa doutrina, enquanto outras igrejas pentecostais e neopentecostais, não são apologistas desse entendimento teológico. Charles Fox Parham[1] foi o primeiro defensor da evidência inicial, influenciando a teologia pentecostal clássica.
Como acima descrito, a doutrina da evidência física não é consenso nem no meio pentecostal. O Concílio Geral das Assembléias de Deus nos Estados Unidos , no ano de 1918, reafirmou a doutrina da evidência inicial como “nosso testemunho distintivo”[2]. O mesmo acontece nas Assembléias de Deus no Brasil, pois no ponto 09 da confissão de fé brasileira, está escrito: “Cremos.. no batismo bíblico no Espírito Santo que nos é dado por Deus mediante a intercessão de Cristo, com evidência inicial de falar em outras línguas conforme a sua vontade”.
É importante lembrar que o debate em torno da evidência física inicial é acadêmico. Há argumentos de eruditos em ambas as partes. Nesse artigo será apontado os argumentos daqueles que são contra a doutrina da evidência inicial e depois a contestação de eruditos pentecostais, especialmente Roger Stronstad e Anthony D. Palma.
Contestações a doutrina
No passado, entre aqueles que contestavam essa doutrina, estava o homem mais famoso do pentecostalismo moderno, William J. Seymour, fundador da Apostolic Faith Mission (Missão da Fé Apostólica)[3]. Atualmente, um exemplo de contestador da evidência inicial, é o erudito assembleiano Gordon Fee, autor do livro “Entendes o que lês?”(Vida Nova). Ele argumenta que as línguas são normais na experiência do Batismo no Espírito Santo, mas esse fato não é normativo[4]. Muitos carismáticos(neopentecostais) acreditam que as línguas são apenas mas um evidência do Batismo no Espírito Santo, semelhante ao “dançar no espírito”, alegria, êxtase, profecias etc.
O renomado teólogo evangelical John Stott, escreveu o livro Baptism and Fullness, onde a sua principal argumentação é que não se deve estabelecer doutrinas em cima de um livro descritivo, como Atos, mas sim em livros didáticos, como os sermões de Jesus e as epístolas dos apóstolos[5]. A contestação de Stott é típica de teólogos cessacionistas[6], mas alguns pentecostais seguem a mesma linha do teólogo inglês. O pastor da Assembléia de Deus Betesda, Elienai Cabral Junior[7] em seu famoso texto “Meu pentecostalismo revisado” [8] escreveu:
É preciso que se diga que por mais que funcione, a doutrina pentecostal da evidência inicial do Batismo com o Espírito Santo é oca de conteúdo bíblico. Nos chamados quatro pentecostes de Atos (2.1-13; 8.4-25; 9.24-48; 19.1-6), nem todos registram a glossolalia e, exceto o do Dia de Pentecostes em Jerusalém, o sinal das línguas estranhas não é a única evidência. Lucas lista também as profecias, adoração e alegria. Entre os samaritanos nada diz. Apenas afirma que receberam o Espírito (At 8.17). As línguas são um sinal freqüente, mas não um sinal imprescindível.
Cabral Jr., como já mencionado, não é o único pentecostal a pensar dessa forma. As igrejas históricas, que não são cessacionistas ou são semi-cessacionistas, vão concorda com a posição adotada por ele.
O argumento principal dos críticos da evidência inicial é que o livro de Atos, com suas referências em relação as línguas, não servem para estabelecer uma doutrina, já que é um livro histórico. Lucas, segundo essa corrente, somente está registrando a história da igrejas dos primeiros dias, onde este registro não tem o propósito de perpetuar as práticas dos apóstolos. Outra corrente afirma que as línguas são normais nas experiências carismáticas, mas outras formas de manifestação físicas eram presentes no Batismo no Espírito Santo, tais como a profecia e alegria.
Um fato interessante referente a críticas com relação a doutrina pentecostal, é que os teólogos cessacionistas(como John Stott) nunca abordam argumentos de eruditos pentecostais. Esses importantes argumentos, são tratados com indiferença, sendo um prática não saudável a qualquer cristão em busca da verdade bíblica.
Em defesa da evidência inicial
No decorrer da formação teológica pentecostal, muitos teólogos de sólida formação acadêmica, defenderam e ainda defendem a doutrina da evidência inicial, tais como Donald Gee, Myer Pearlman, Eurico Bergstén, Antonio Gilberto, Roger Stronstad, William Menzies, Stanley M. Horton, Anthony David Palma.
O teólogo Myer Pearlman na sua obra Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, de 1937, apresentou uma defesa da evidência inicial citando alguns eruditos não-pentecostais. Pearlman pergunta: “Será essa declaração meramente a interpretação particular dum grupo religioso ou é reconhecida por outros grupos?”; e logo cita o teólogo liberal inglês Dr. Rees, que escreveu:
A glossolalia (o falar em línguas) era o dom mais conspícuo e popular dos primeiros anos da igreja. Parece que foi o acompanhamento regular e a evidência da descida do Espírito Santo sobre os crentes. [9]
Eurico Bergstén[10] lembrou, em suas argumentações sobre a evidência inicial, que havia um sinal comum que identificava o Batismo no Espírito Santo, pois isso fica bem claro em Atos 10.45, onde “todos quanto tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar em línguas e magnificar a Deus”(grifo nosso). O teólogo e autor da Bíblia de Estudo Pentecostal, Donald Carrel Stamps, usa o mesmo versículo para argumentar que Pedro e os demais acompanhantes de sua missão, foram convencidos que o Batismo no Espírito Santo foi derramando sobre os gentios após ver o sinal externo da glossolalia.[11]
Outra passagem que mostra um sinal comum aos primitivos cristãos, sobre o derramamento do Espírito Santo, é Atos 8. 17-19. (Apesar que as línguas não são mencionadas diretamente nessa passagem). Os samaritanos receberam a imposição de mãos dos apóstolos Pedro e João, e logo Simão quis comprar o poder do Espírito Santo, que foi derramado nos samaritanos. Howard Erwin[12] pergunta: “O que Simão viu, que o convenceu de terem os discípulos samaritanos recebido o Espírito Santo mediante a imposição das mãos de Pedro e João?”, e em relação a essa passagem, Stanley M. Horton argumenta:
Alguma coisa, porém, aconteceu, quando Pedro e João impuseram as mãos sobre os crentes; senão, Simão não compraria algo que surgia da autoridade deles. Simão já vira os milagres de Filipe. O dom de profecia seria exercido no idioma dele, de sorte que o sobrenatural não se destacaria. Permaneceria apenas o que atraiu a atenção da multidão no dia de Pentecoste: O falar noutras línguas conforme o Espírito lhes concedia que falassem (Atos 2.4,33). As línguas, aqui não eram a causa do problemas. Por isso Lucas nada diz respeito delas, para chamar a atenção do erro de Simão.[13]
O erudito pentecostal Antonio Gilberto, na defesa da evidência inicial, lembrou da regra hermenêutica da primeira referência[14]. Segundo Isael de Araújo, no Dicionário do Movimento Pentecostal, o uso dessa regra hermenêutica e o apelo pela “lei da referência tríplice”, usado por teólogos pentecostais, não demonstrou tanta eficácia[15]. Então, os pentecostais começaram a produzir obras de cunho acadêmico na defesa da doutrina carismática e nas línguas como evidência inicial do Batismo no Espírito Santo.
Roger Stronstad, professor de teologia e decano da Summit Pacific College, escreveu nos anos 80, uma grande obra erudita para defesa da teologia pentecostal. No livro Charismatic Theology of St. Luke (Hendrickson, 1984), Stronstad apresenta várias contestações aos cessacionistas e defende a doutrina da evidência incial.
Os cessacionistas como Jonh Stott, como acima descrito, argumetam que Lucas escreveu livros históricos sem intenção teológica. Stronstad escreveu na obra acima citada, que esse argumento de Stott acaba por criar um canôn dentro do canôn[16]. William W. Menzies, Phd em história da Igreja pela University of Iowa, escreveu: “O gênero literário de Atos não é meramente histórico, mas também intecionalmente teológico”[17], da mesma forma o revendo assembleiano Anthony D. Palma, mestre em divindade pelo New York Theological Seminary e doutor em teologia pela University of Concórdia, escreveu:
Os escritos de Lucas pertecem ao gênero literério da História. Mas o livro de Atos é mais do que a história da Igreja Primitiva. Acadêmicos contemporâneos, especialmente, afirmam que Lucas foi um teólogo à sua moda, bem como um historiador. Ele usa a Historia como um meio para apresentar sua teologia.[18]
A Declaração Oficial de Crenças do Concílio Geral das Assembléias de Deus norte-americana, lembra que a doutrina da evidência inicial é uma doutrina por indução, assim como a doutrina da Santíssima Trindade, pois não há textos dogmatizados em torno desses assuntos. O Concílio assim escreveu:
Nenhuma doutrina deve estar baseada em fragmentos isolados das Escrituras, mas somente podem estar baseadas em verdades substanciais e implicadas. A doutrina da Trindade não está baseada em declarações definitivas, mas sim em uma comparação de passagens das Escrituras que estão relacionados com a deidade de Deus. Assim como a doutrina da Trindade, a doutrina das línguas como evidência do Batismo no Espírito Santo está baseada em porções substanciais das Escrituras relacionadas com esse tema.
Confusões relacionados com o tema
Uma confusão frequente em relação ao tema línguas estranhas, é confundir sinal com dom. Todos os batizados no Espírito Santo falam em línguas, o sinal, mas nem todos recebem o dom de variedades de línguas. Como escreveu o teólogo Antonio Gilberto:
A variedade de línguas é um dom de expressão plural, como indica o título. È um milagre linguístico sobrenatural. Nem todos os crentes batizados no Espírito Santo recebem esse dom (1 Co 12.30). Já as línguas como evidência física inicial do batismo, todos os batizados no Espírito Santo as falam.[19]
Outro equívoco é pensar que só tem o Espírito Santo quem é batizado no Espírito Santo. Todo salvo é habitação do Espírito de Deus, mas os Batizados no Espírito Santo recebem poder, capacitação e não a pessoa do Espírito Santo, pois já são templos da Terceira Pessoa da Trindade( 1 Co 3.16).
Um terceira questão é o exagero que muitos pentecostais proclamam ao falar sobre os benefícios do Batismo no Espírito Santo. Alguns dizem que mediante o Batismo o crente mudará de vida, como se o Batismo fosse uma regeneração posterior. É claro que há muitas mudanças na vida do batizado, mas não pode haver exageros. Outros afirmam que é só possível desfrutar dos dons espirituais, após o Batismo no Espírito Santo. Anthony D. Palma faz uma ótima observação sobre essa questão:
O Batismo no Espírito Santo é um pré-requisito para receber os dons espirituais”. Mas onde encontramos isso nas Escrituras? O povo de Deus experimentou todos os dons nos séculos anteriores ao Dia de Pentecostes. É mais correto dizer que o batismo no Espírito Santo intensifica a sensibilidade e a receptividade espirituais, fazendo da pessoa um candidato mais propenso aos dons espirituais. Isso é amplamente demostrado pelo fato de que há maior incidência dos dons entre aqueles que foram batizados no Espírito Santo do que entre os que não foram.[20]
Um último equívoco relacionado ao tema é a constante acusação dos anti-pentecostais, que a doutrina do batismo no Espírito Santo cria crentes de segunda classe: o não-batizados. Essa acusação é uma falácia, pois poderia ser dito o mesmo da santificação. E lembrando que sempre os pentecostais pregaram que o batismo no Espírito Santo é disponível para todos os salvos, já quebrando essa tese de uma classe especial.
Conclusão
As evidências bíblicas são bem claras que as línguas estranhas são a única evidência do Batismo no Espírito Santo, como um sinal físico do revestimento de poder do alto.
Notas e referências bibliográficas:
1- Charles Fox Parham(1873- 1929) foi um metodista e professor de teologia que montou um seminário teológico por nome de Bethel Bible School (Escola Bíblica Betel). A proposta desse seminário era a busca de uma espiritualidade serviçal. As aulas consistia em estudos da Bíblia sem auxílio de livros e algumas horas de oração. No final do ano de 1900, os quarentas alunos de Parham estavam estudando o batismo no Espírito Santo e concluíram que a evidência do batismo era o falar em línguas, apresentando os textos de Atos 2 e 19. Então no dia 1 de janeiro de 1901, a aluna Agnes Ozman pediu que Parham e os demais alunos impusessem as mãos sobre ela, pedindo o batismo no Espírito Santo, depois Ozman descreveu a experiencia: “Falei em línguas conforme Atos 2.1 e 19.6, de modo semelhante, quando o apóstolo Paulo impôs as suas mãos sobre os discípulos de Éfeso, e o relato bíblico acontecido no Cenáculo em Jerusalém, quando foram vistas línguas como de fogo”. Para Parham e seus alunos, a experiência de Ozman confirmou os seus estudos. Nesse acontecimento, se vê que o princípio hermenêutico não foi empirista ou pragmático, conforme acusa os críticos do pentecostalismo. Em Bethel Biblie School a doutrina precedeu a experiência.
2- ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p 295. Nota: O falar em línguas foi o que diferenciou os pentecostais dos demais protestantes, pois a doutrina do batismo no Espírito Santo ou segunda-bênção, era um ensinamento corrente no Século 19, especialmente por meio de D. L. Moddy, A B. Simpson, R. A Torrey, F. B. Meyer etc. Como bem afirmou William Menzies: “É inimaginável que pudesse haver o Movimento Pentecostal sem a conexão entre o batismo no Espírito Santo e o falar em outras línguas”.
3- Idem.
4- HORTON, Stanley M. O Avivamento Pentecostal. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. p. 75.
5- Logo na introdução do livro Baptism and Fullness, publicado no Brasil pela Editora Vida Nova com o título Batismo e Plenitude do Espírito Santo, John Stott argumenta: “ Esta revelação do propósito de Deus na Bíblia deve ser buscada preferencialmente nas suas passagens didáticas, e não nas descritivas. Para ser mais preciso, devemos procurá-la nos ensinos de Jesus e nos sermões e escritos dos apóstolos, e não nas seções puramente narrativas de Atos.”
6- Teólogos cessacionistas são adeptos do Cessacionismo, corrente teológica que afirma que os dons espirituais cessaram com a morte dos apóstolos ou com o fechamento do Novo Testamento. O Cessacionismo não é herança da teologia reformada, pois o resgate da obras de grandes reformadores, mostram que eles não tinham um visão de extinção dos dons espirituais. Essa corrente, que se desenvolveu fortemente no século 19 e início do século 20, é herdeira da hermenêutica naturalista dos teólogos liberais, que tiveram o seu ápice nesse período histórico.
7- Elienai Cabral Junior é graduado em teologia e filosofia; sendo filho do famoso teólogo pentecostal brasileiro Elienai Cabral, pastor da Assembléia de Deus em Sobradinho- DF. Cabral Jr é pastor da Assembléia de Deus Betesta, dirigida pelo renomado pastor Ricardo Gondim, que propõem um igreja no modelo de teologia pentecostal clássica. Gondim em entrevista para a Revista Enfoque Gospel, disse em relação a doutrina da Betesda: “Nossa teologia tem raízes no pentecostalismo clássico, portanto, somos pentecostais”. Apesar dessa afirmação, a doutrina da evidência inicial é contestada.
8- http://elienaijr.wordpress.com/2006/11/24/meu-pentecostalismo-revisitado/
9- PEARMAN, Myer. Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. 8 ed. São Paulo: Editora Vida, 1984. p. 197.
10- BERGSTÉN, Eurico. A pessoa e Obra do Espírito Santo, in Lições Bíblicas Mestre. Rio de Janeiro: CPAD, 1° semestre de 2004, p. 40.
11- STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p. 1655.
12- HORTON, Stanley M. (ed.) Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, p. 448.
13- ______________ A Doutrina do Espírito Santo. 6 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002. p. 168.
14- GILBERTO, Antonio. Desvios da doutrina bíblica, in Ensinador Cristão. Rio de Janeiro: CPAD, ano 7, n°28, p. 18-20.
15- ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p 296.
16- O teólogo reformado Vincent Cheung concorda com a argumentação de Roger Stronstad, e em um ótimo artigo sobre a fragilidades de alguns argumentos cessacionistas, ele escreve: “Uma coisa é dizer que poderia ser mais difícil estabelecer acuradamente uma doutrina baseando-se em narrativas bíblicas, de forma que muito cuidado é requerido, e outra coisa totalmente diferente é proibir certos usos para essas porções narrativas, mesmo em face de exemplos bíblicos contrários”. (Alguns Comentários sobre Cessacionismo, in Monergismo.com)
17- HORTON, Stanley M.(ed) Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, p. 442.
18- PALMA, Anthony D. O Batismo no Espírito Santo e com Fogo. 4 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 11.
19- GILBERTO, Antonio. Verdades Pentecostais. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 72.
20- PALMA, Anthony D. Os dons e o fruto do Espírito in Mensageiro da Paz. Rio de Janeiro: CPAD. Ano 77, n. 1465, Julho de 2007, p. 18.
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