sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

AS COISAS DE DEUS SÓ PODEM SER CONHECIDAS PELAS ESCRITURAS

Esse segundo ponto é de importância crucial para nosso entendimento da batalha espiritual. Ele trata da suficiência das Escrituras quanto ao conhecimento que precisamos ter acerca de Deus, da sua vontade, suas promessas, e do misterioso mundo celestial, onde invisivelmente se movimentam os anjos e os demônios. Há dois aspectos que precisamos destacar aqui.

A exclusividade da Escritura. A Bíblia é a única fonte adequada e autorizada por Deus pela qual obter informações acerca das coisas espirituais e que pertencem à salvação. Portanto, ela exclui qualquer outra fonte. Muito embora Deus se revele através da sua imagem em nós (consciência, Rm 2.14-15) e das coisas criadas (Rm 1.19-20), entretanto é através de sua revelação especial nas Escrituras que nos faz saber acerca do mundo invisível e espiritual que nos cerca. Assim, muito embora possamos depreender alguma coisa acerca de Deus pelo conhecimento de nós mesmos e do mundo criado, é exclusivamente nas Escrituras que encontraremos a revelação clara e plena de Deus para a humanidade.

A suficiência da Escritura. A Bíblia traz todo o conhecimento que precisamos ter nesse mundo, para servirmos a Deus de forma agradável a ele, e para vivermos alegres e satisfeitos no mundo presente. Mesmo não sendo uma revelação exaustiva de Deus e do reino celestial, a Escritura entretanto é suficiente naquilo que nos informa a esse respeito.

Aplicando ao tema do nosso ensaio, isso implica duas coisas:

1) A única fonte autorizada que temos para conhecer o misterioso mundo angélico onde se movem anjos e demônios é a Bíblia. Mesmo que existam muitos conceitos e idéias acerca dos demônios, advindas da superstição popular, da crendice e de experiências pelas quais as pessoas passam, é somente nas Escrituras que encontramos conhecimento seguro acerca de Satanás e de sua atividade nesse mundo. Ela é singular e exclusiva.

2) A Bíblia contém tudo o que Deus desejava que conhecêssemos a respeito de Satanás. O ensino que ela nos oferece sobre os demônios e suas atividades é suficiente para que possamos estar sempre prontos para resistir às suas investidas e para ajudar as pessoas que se encontram cativas por eles. Ou seja, tudo que precisamos saber para travarmos uma guerra espiritual contra as hostes espirituais da maldade está revelado nas páginas da Escritura, e isso inclui conhecimento das ciladas astutas do diabo e a maneira correta de procedermos diante delas. A Bíblia é nosso manual de combate espiritual. Ela nos revela o caráter de nosso inimigo, suas intenções e artimanhas, e de que modo podemos ficar firmes contra suas ciladas.

Assim, os estudiosos costumavam escrever "demonologias bíblicas" que nada mais eram que uma sistematização do ensino das Escrituras acerca de Satanás, seus anjos, e sua atividade nesse mundo.(15) Os puritanos, por exemplo, escreveram muitas obras acerca do conflito entre os cristãos e o diabo, que no geral sempre eram baseadas no que a Bíblia dizia sobre os demônios e suas atividades.(16) Contudo, em nossos dias, assistimos com perplexidade o crescimento espantoso de uma demonologia que se utiliza de outras fontes de conhecimento acerca do reino das trevas além das Escrituras, ao ponto de afinal contradizerem o ensino da mesma, ou de a complementarem. Tanto a exclusividade quanto a singularidade da Escritura nesses assuntos foram deixados para trás. O resultado tem sido um ensino acerca de batalha espiritual e de métodos de evangelização bem distorcido e diferente daquele ensinado pelas Escrituras. Em geral são usadas quatro fontes de onde se extraem conhecimento extra-bíblico sobre a atividade demoníaca.

Experiências pessoais. Alguns exemplos deverão bastar para que possamos entender o que estou dizendo. Uma das mais sérias deficiências do livro "A Igreja e a Batalha Espiritual", escrito por Neuza Itioka, diz respeito às suas fontes. É surpreendente encontrar nas notas bibliográficas fontes como "fatos constatados e verificados nas ministrações pessoais", depoimentos pessoais, e
testemunhos de ex-pais de santos. É destas últimas "fontes" que a autora tira o
fundamento para grande parte do seu livro. Por exemplo, a sua convicção de que crentes verdadeiros podem ficar endemoninhados baseia-se, não em exegese das Escrituras, mas na narrativa de várias experiências que teve.(17) Itioka freqüentemente menciona experiências pessoais para provar suas convicções. Ela afirma, com base na sua experiência de aconselhamento, que certos demônios "adquirem" o direito de se sentarem no pescoço das pessoas. Com base em testemunhos, ela afirma que as orações da Igreja diminuem o índice de criminalidade, roubo e violência, que as entidades de uma rua podem ser atadas, etc. Uma de suas crenças mais curiosas, a de que determinadas igrejas tem entidades malignas que se alimentam dos pecados não resolvidos da comunidade e seus pastores, é defendida principalmente com base em vários testemunhos. O que é ainda mais preocupante, Itioka faz várias especulações sobre os demônios que dominam o Brasil baseada na doutrina da Umbanda sobre estas entidades.(18) Um outro exemplo é o artigo seminal de Peter Wagner sobre "Espíritos Territoriais e Missões Mundiais" publicado em 1989.(19) Neste artigo, Wagner admite que seu conhecimento sobre "espíritos territoriais" baseia-se principalmente na sabedoria popular sobre o assunto.(20) Mas não pára ai. Ele tenta um cálculo do número de demônios que existem baseado nas informações de um ex-pai de santo da Nigéria, a quem Satanás teria designado autoridade sobre um determinado número de demônios, que por sua vez tinham controle sobre outro número.(21) Wagner defende a tese de "casas mal assombradas" com base na experiência de missionários em Serra Leoa.(22) A maior parte do artigo é empregado por Wagner para amontoar experiências após experiências de campos missionários, que supostamente provam a existência de demônios que são autoridades locais.(23) Wakely observa que as experiências citadas por

Wagner para defender a existência e atuação de "espíritos territoriais" são muito limitadas e cuidadosamente selecionadas.(24) Ele mostra, por exemplo, que a maioria das ilustrações que Wagner usa em seu livro Warfare Prayer são tiradas da Argentina, especialmente do ministério do evangelista argentino Carlos Annacondia, que se utiliza das tática da "batalha espiritual". Wakely nota, porém, que Wagner não menciona os casos em que estes métodos foram empregados sem qualquer resultado, e nem os casos em que houve conversões em massa, implantação de novas igrejas, e crescimento genuíno de igrejas sem que estes métodos tivessem sido utilizados. Por deixar de mencionar que outras igrejas e missões, que não a de Annacondia, estão tendo o mesmo resultado, Wagner deixa de fornecer uma informação importante para que o leitor julgue os métodos de Annacondia dentro do contexto argentino global.(25)

Revelações dos próprios demônios. A uma certa altura do seu artigo já mencionado, Wagner menciona seis potestades mundiais que estão imediatamente abaixo de Satanás na hierarquia satânica, cujos nomes são Damião, Asmodeo, Menguelesh, Arios, Beelezebub, e Nosferatus. Estes demônios e seus nomes, segundo Wagner, foram descobertos por Rita Cabezas, que fez pesquisas extensas sobre a hierarquia satânica, usando métodos que Wagner prefere não citar, mas que estão relacionados com o ministério de psicologia e libertação de Cabezas, e com revelações divinas que ela recebeu através de "palavras de conhecimento".(26) Não é difícil, para quem lê as obras de Rita Cabezas, perceber qual o método que ela usa para "descobrir" os mistérios da hierarquia satânica. Em seu último livro (Desmascarado [São Paulo: Renascer, 1996]) Cabezas narra longos diálogos que teve com demônios (falando através de pessoas endemoninhadas), os quais não somente lhe revelaram seus nomes, como também lhe deram informações sobre outros demônios. Ela afirma que não é correto basear sua teologia no que demônios dizem, mas acrescenta "...tenho a impressão que aquele demônio dizia a verdade..." (p.216). Esse é apenas um exemplo. Nos ensinos e práticas do movimento há muitas outras informações sobre os demônios adquiridas pelo mesmo método.

Pesquisas psicológicas. Uma outra fonte extra-bíblica utilizada para se obter conhecimento sobre o mundo espiritual são as pesquisas científicas. Mais conhecimento sobre os sintomas da possessão demoníaca em contraste a distúrbios mentais tem sido buscado através desse método. Estudiosos na área
de psicologia pastoral têm publicado relatórios onde procuram distinguir a possessão demoníaca de doenças mentais pela observação e análise em seus
consultórios médicos.(27) A Bíblia narra diversos casos de possessão demoníaca mas nos oferece pouca informação acerca dos seus sintomas. No geral, os autores bíblicos não estão interessados na psicologia desses casos, e os narram apenas do ponto de vista teológico, para mostrar o poder libertador de Deus através de Cristo, e sua soberania sobre o reino das trevas.

Devemos obter toda a ajuda que pudermos para diagnosticar as verdadeiras causas do sofrimento das pessoas. Nesse sentido, pesquisas assim são bem-vindas. Mas, não é fácil distinguir entre possessão demoníaca e distúrbios mentais. O Senhor Jesus e os apóstolos não tinham qualquer dificuldade em saber quem era o que, mas gozavam de uma posição especial que não nos parece ser a mesma dos cristãos em geral. Muito embora os cristãos tenham discernimento espiritual, é patente que muitos erros e abusos têm ocorrido nessa área, por parte de pastores, conselheiros e obreiros em geral, especialmente nos chamados "ministérios de libertação". Num recente artigo acerca do tratamento dos distúrbios da "múltipla personalidade" (um estado psiquiátrico doentio em que as pessoas apresentam várias diferentes personalidades), Christopher Rosik adverte que os pastores devem ter cuidado para não diagnosticar DMP (distúrbios de múltipla personalidade) como sendo possessão demoníaca. Usar exorcismo num paciente de DMP é uma atitude inaceitável, e muitos terapeutas a consideram como sendo extremamente prejudicial ao paciente.(28)

A necessidade de cautela fica ainda mais patente quando descobrimos, para nosso desânimo, que os pesquisadores nessa área não conseguem chegar a um acordo quanto aos sintomas que claramente distinguem possessão demoníaca de desordens mentais. Alguns estudiosos, como Isaacs, afirmam que a perda do auto controle, ouvir vozes ou ter visões, a presença de outras personalidades dentro da pessoa, rejeição de itens religiosos, flutuações entre personalidades, comportamento suicida e destrutivo, ocorrências paranormais ou parapsicológicas, são sintomas claros de possessão demoníaca.(29) Geralmente apontam para abuso sexual na infância como sendo uma das portas de entrada dos demônios. Rosik, por outro lado, identifica um passado de abuso sexual, ouvir vozes dentro da cabeça, comportamento anormal do qual o paciente não se lembra, tratamentos anteriores que não funcionaram, comportamento auto destrutivo, depressão e dor de cabeça severa, como sintomas de DMP. Afirma ainda que o doente típico de DMP pode ter até mesmo 14 personalidades distintas.(30) Não é meu objetivo nessa parte do estudo entrar no assunto da possessão demoníaca, apenas quero mostrar que andamos em terreno escorregadio quando tentamos obter conhecimento acerca do mundo espiritual usando outras fontes que não a revelação divina.

Conceitos pagãos sobre demônios. Muita coisa ensinada pela "batalha espiritual" assemelha-se à sabedoria pagã sobre os espíritos maus, como os conceitos de "casa mau assombrada", quebra de maldições, etc. Gary Greenwald afirma num artigo que é possível que espíritos malignos sejam transferidos para crentes de 6 maneiras: viver numa cidade onde os espíritos dominantes seduzem os crentes; viver em associação com descrentes; assistir fitas de cinema ou vídeo que expõem pornografia e violência; transferência de espíritos de antepassados ímpios; imposição de mãos por parte de pessoas erradas; líderes espirituais que não são realmente homens de Deus.(31) Podemos concordar que algumas dessas coisas mencionadas acima são perniciosas para o crente e que ele deve evitá-las.

Mas daí a aceitarmos a idéia de que elas transferem maus espíritos aos crentes, vai uma grande distância. Essa conclusão não é corretamente inferida das Escrituras, muito embora o autor tente fazer referência a algumas passagens que julga que provam seu ponto. O conceito de transferência de espíritos malignos para crentes parece muito mais um conceito pagão do que bíblico. Soa como o conceito de "mau olhado" da umbanda.(32)

Já outro autor, escrevendo sobre como uma família crente deve consagrar ao Senhor a casa onde moram, defende que pode haver demônios morando nela, se os moradores anteriores foram ímpios, e recomenda que os crentes façam uma operação de limpeza, removendo todos os traços de pecado, e expulsando os demônios daquele lugar. O mesmo deve ser feito em quartos de
hotéis, e escritórios.(33) Evidentemente todos os cristãos desejam morar num lugar onde Deus seja o Senhor, mas as Escrituras não nos ensinam a fazer rituais de purificação de casas ou outros locais para que isso ocorra. Deus habita em nós, e se habitamos numa casa, nossa presença santifica aquele local. A idéia parece ter sido importada das religiões pagãs, especialmente da umbanda e do baixo espiritismo.

Os perigos que correm os cristãos que adotam uma demonologia ou uma visão de batalha espiritual que vai além dos padrões da Palavra de Deus são devastadores. Via de regra, os que têm ido além das Escrituras acabam caindo numa demonologia semi-pagã. Defensores dessa nova teologia mesmo apresentando as vezes bom material bíblico são tendentes a especulações fantásticas e imaginações espetaculares. Os que vêem a dor, o sofrimento, as doenças, a depressão, o desemprego, os conflitos pessoais e o pecado — enfim, toda a miséria que existe no mundo ao seu redor — sempre em termos de batalha espiritual, correm diversos riscos quanto à sua fé. Enumero em seguida três deles:

Falsa compreensão. Quando aceitamos a idéia de que vivemos num mundo onde todo mal se origina na atuação direta de Satanás ou alguns de seus demônios, perdemos de perspectiva o ensino bíblico de que somos responsáveis pelos nossos pecados e pelas conseqüências dos mesmos, que geralmente nos trazem dor e sofrimento. E podemos até mesmo começar a questionar se a disciplina espiritual é de algum valor para quebrarmos o poder dos hábitos pecaminosos em nossas vidas, já que acreditamos que estes se resolvem pela expulsão de entidades espirituais responsáveis pelos mesmos. Temor doentio. Pessoas que percebem a vida cristã exclusivamente em termos de batalha espiritual, logo começam a ver conexões sinistras e macabras entre os eventos do dia a dia e a atividades de demônios, o que pode levá-las ao pânico ou a um comportamento paranóico.

Ilusão. Pessoas que experimentam umas poucas vezes a "vitória" sobre o inimigo podem adquirir uma falsa sensação de superioridade, de orgulho ou a ilusão de terem "poder". Entretanto, a vitória pertence a Deus. Devemos nos lembrar que a maioria dos problemas que os cristãos experimentam procedem de suas próprias faltas, defeitos, incoerências, idiossincrasias e enfermidades espirituais. Não estou negando que Satanás usa essas coisas para prejudicar nossas vidas, apenas destacando que elas tem origem em nossa natureza decaída.

Se porém permanecermos confiantes na exclusividade e na suficiência do ensino da Escritura e permanecermos firmes no que ela nos ensina, poderemos entrar no combate espiritual perfeitamente equipados e tendo a perspectiva correta do que está acontecendo. Esse é um princípio fundamental que devemos manter a todo custo quanto ao tema da batalha espiritual.


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