sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Como Fazer Discípulos?

O primeiro passo é ser discípulo. Vem ao caso tudo que já se expôs a esse respeito. Tudo o mais está resumido em Mateus 28:20: "ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado". Discipular implica em ensinar. Ensinar o quê? Ensinar a guardar, isto é, obedecer. Obedecer o quê? Obedecer todas as coisas que Jesus ordenou. Como ninguém vai obedecer coisa que ignora, é necessário primeiro ensinar as próprias coisas que Jesus ordenou--nada melhor nesse sentido do que seguir o exemplo de Paulo, ensinando "todo o conselho de Deus" (Atos 20:27).

Será que se faz assim na maioria das nossas igrejas? Não é mais mensagens evangelísticas que se ouvem? Mas pregação evangelística é praticamente inútil para crente. Ele vai fazer o quê, salvar-se de novo cada domingo? Ali está um crente que tem freqüentado a igreja dominicalmente durante vinte anos; mais uma vez ele vai e escuta o quê--ele ouve pela milésima vez como é que se salva. Mas ele já está salvo! Essa pregação é sem valor para ele; entrou com fome e sai com fome do mesmo jeito. Que tragédia! Comida de bode não serve para ovelha! (Refiro-me a crente e incrédulo, assim como em Mateus 25:33.) No entanto, se têm 300 ovelhas e três bodes num culto, já viu! A pregação vai em cima dos três bodes. E se têm 300 ovelhas e nenhum bode--a pregação vai em cima dos bodes que não estão! É ou não é? Meus amados irmãos, comida de bode não serve para ovelha. Agora, comida de ovelha bode também pode comer. Se o pastor oferece uma refeição farta, bem preparada e temperada, pode dar vontade de comer em qualquer bode. Será que não? Mas o principal é que as ovelhas saiam bem alimentadas. Afinal, o negócio é fazer discípulos, e é esse o enfoque que deveria dominar os nossos cultos.

Até aqui eu vinha pressupondo a existência da Bíblia na língua do povo. Para ensinar a Palavra ela tem que existir. Certo? Quando Jesus disse em João 8:31, "se permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos," fatalmente estava pressupondo a existência dessa Palavra, pois como permanecer numa coisa que não existe? Quer dizer, tem que existir para a pessoa; a pessoa tem que ter acesso efetivo à Palavra. Então, se Deus te mandar para uma das 4.000 etnias que nada têm da Bíblia ainda, como você vai fazer?

Mesmo que você ache que basta evangelizar, com que autoridade vai falar se não existe Palavra de Deus na língua? E não estaria esquecendo da verdade que encontramos em Romanos 10:17, "a fé é pelo ouvir e o ouvir pela Palavra de Deus"? E se você conseguir algum convertido mesmo assim, onde está o alimento para essa criança recém-nascida? Como poderá chegar a ser discípulo? Se alguém não providenciar a Palavra de Deus nessa língua, esse convertido fica condenado a ser sempre criança. Está bom? Condenar um povo a ser sempre criança? Essa não!

Entre as ordens de Cristo não há nenhuma que mande traduzir a Bíblia. Só tem a Grande Comissão que manda fazer discípulos. Mas no momento que entendemos que é impossível ser discípulo sem acesso efetivo às Escrituras, o fornecer das mesmas torna-se logicamente necessário. Não há como cumprir a Grande Comissão junto às 4.000 etnias sem sequer um verso da Bíblia enquanto alguém não traduz a Palavra para suas línguas. É por isso, diga-se de passagem, que o grupo Wycliffe para tradução da Bíblia, a nível internacional, e a missão brasileira ALEM (Associação Lingüística Evangélica Missionária) fazem questão de ver a Palavra de Deus traduzida para cada língua que se fala no mundo (isso levando em consideração fatores como bilingüismo e extinção de língua).

Onde a Bíblia já existe mas há crentes analfabetos devemos montar cursos de alfabetização nas igrejas para que cada um possa se alimentar em casa. Creio existir uma analogia bastante estreita entre os âmbitos físico e espiritual no que diz respeito à alimentação. Já pensou, comer só aos domingos? Quem agüentaria fazer assim no âmbito físico? Mas multidões de crentes fazem exatamente assim no âmbito espiritual. Tem jeito? Crente que sabe ler e possui Bíblia passa fome porque quer--poderia ler e meditar na Palavra em casa. Já crente analfabeto está quase sem jeito, a não ser que alguém leia para ele em voz alta, ou a viva voz ou mediante uma gravação. Mas nesse caso como poderá estudar a Palavra, e meditar nela à vontade? Parece-me claro que a melhor opção é levar as pessoas a ler por conta própria, sempre que possível. Sei que existem missiólogos que vão discordar da ênfase que estou dando à alfabetização e à leitura, principalmente para povos cujos idiomas eram ágrafos até há pouco e que estão acostumados a fazerem tudo oralmente. Respeito as opiniões contrárias, mas por todos os argumentos já apresentados mantenho a posição aqui esboçada. Vamos ver se levamos todo mundo a meditar na Palavra em casa, diariamente.

No que diz respeito a trabalho transcultural creio que só conseguiremos fazer discípulos se respeitarmos a língua e cultura do povo--assim como fez Jesus. Ele se encarnou na língua e cultura dos judeus da época (João 1:14). No dia de Pentecostes o Espírito Santo respeitou a língua materna de cada qual ao ponto de fazer milagre para garantir que cada um ouvisse mediante ela (Atos 2:4-11). Enquanto um missionário não vestir a língua e cultura do povo, e (mais importante ainda) enquanto a Palavra de Deus não for vertida para essa língua, o Evangelho fica condenado a ser sempre uma coisa estrangeira, uma coisa de fora. Será que qualquer porta-voz de Cristo não deveria se interessar por tornar seu ministério o mais eficiente possível?

Não é difícil encontrar pessoas que andam ministrando através de intérprete. Mas eu gostaria que refletíssemos um pouco na seguinte pergunta: é possível fazer discípulos mediante intérprete? Quem falar através de intérprete não tem como fiscalizar as alterações que o intérprete fatalmente vai introduzir. Fatalmente. Quando o intérprete é servo de Cristo, está por dentro do assunto da mensagem e é tranqüilamente bilíngüe então o recado poderá ser entregue de forma adequada (embora quase nunca tão bem como se o preletor dominasse a língua dos ouvintes). Mesmo com um intérprete assim, no entanto, numa tentativa de discipular alguém, não seria o intérprete que discipula em vez do missionário? Agora, quando o intérprete nem é convertido, a mensagem será fatalmente deturpada, muitas vezes de forma irreconhecível. O intérprete vai filtrar a mensagem por sua própria cosmovisão, inescapavelmente, mesmo inconscientemente. Se o missionário pudesse entender o que o intérprete realmente está dizendo ficaria horrorizado e arrasado! Dificilmente se faz discípulo mediante intérprete.

E cuidado com o bilingüismo. Muitos missionários se contentam em ministrar através duma língua franca ou nacional, mesmo quando lidando com pessoas que têm outra língua materna. Creio que raramente se conseguirá fazer discípulo através de uma segunda língua (quer dizer, não a língua materna), por mais bilíngüe que o evangelizando pareça ser (para comprar e vender ou tratar de assuntos corriqueiros ele pode até ser fluente na língua franca), pois quase sempre a vida espiritual de uma pessoa se processa na língua materna. Aqui eu poderia relatar vários exemplos dentro da minha própria experiência e do próprio conhecimento. Quando alguém é tão bilíngüe que tem praticamente duas línguas maternas (por assim dizer), ou se chegou até o nível superior (universidade) numa segunda língua, então essa língua poderá servir--é que aí ele já conseguiu o domínio de idéias abstratas e filosóficas nessa língua. Mas tais casos são muito poucos diante dos 350 milhões de pessoas que compõem as 4.000 etnias sem um versículo da Palavra de Deus. É claro que devemos traçar os planos e as táticas a fim de enfrentar e resolver o grosso, não as exceções. Cuidado com o bilingüismo!

Conclusão: Quem for fazer trabalho transcultural deve se esforçar para dominar a língua e a cultura do povo para o qual for enviado. Se não existe Escritura na língua ainda, deve fazer por onde providenciá-la. Onde já tem a Bíblia devemos incentivar o seu uso, por todos os meios. Enfim, devemos ensinar a obedecer todas as coisas que Jesus ordenou. E nós temos que dar o exemplo, pois para fazer discípulo é preciso ser discípulo. Vários ministérios e missões têm preparado material que fornece instruções detalhadas acerca do discipulado. Qualquer livraria evangélica terá livros sobre o assunto, à disposição do interessado.
Implicações

Encerrando este capítulo gostaria de tecer umas rápidas observações sobre algumas implicações de tudo isso. Primeiro, sua compreensão da ordem e estratégia de Cristo vai determinar seu procedimento, sua maneira de trabalhar, fatalmente. Se alguém quer fazer uma barraca de palha, vai seguir um procedimento e utilizar material apropriado para tal. Se outrem quer edificar um prédio de vinte andares, aí o procedimento e o material vão ser bem diferentes. É evidente que nem todo mundo tem condições de construir um prédio de vinte andares--requer preparo adequado. Similarmente, nem todo obreiro tem condições de alimentar as ovelhas. Muitos não sabem estudar, não sabem como analisar e interpretar o Texto Sagrado. Não sabem preparar comida para ovelha--falta preparo. (Comida para bode qualquer um faz; bode come quase tudo.) Quando um pastor trabalha oito horas por dia numa atividade secular, será que vai ter tempo e energia para preparar refeições boas? Parece-me ser uma questão que merece ser estudada. Se vamos levar a sério a estratégia de fazer discípulos poderemos enfrentar a necessidade de fazer algumas modificações nas nossas vidas. Fazer discípulo é uma coisa; meramente ganhar alma é outra.

Por favor, não me entendam mal! Não estou combatendo o ganhar almas; não sou contra o evangelismo. É claro que temos de ganhar as almas—ninguém pode crescer sem nascer! Os problemas aparecem quando ficamos só nisso, quando não criamos nossos filhos. Também não estou propondo desprezo para com o dom de evangelista. Se você tem esse dom, graças a Deus! Só gostaria de sugerir que ao exercitar o dom tenha o cuidado de não deixar um rasto de menor abandonado. Deve se associar a quem tenha o dom de ensino para que juntos possam fazer um serviço melhor.

Quando enfatizamos as 2.000 etnias sem porta-voz de Cristo, ou as 4.000 línguas sem versículo da Bíblia, não é para sugerir que todos devam ir a outro povo, absolutamente. Imagino que se todo crente estivesse igualmente disponível na mão de Deus Ele não mandaria mais do que 10% para outros povos. Primeiro, trabalho transcultural é muito difícil e nem todos têm capacidade para tanto. Segundo, é preciso que alguém fique discipulando por aqui. Terceiro, trabalho transcultural pioneiro exige tempo integral e portanto os obreiros que enfrentarem esse serviço precisarão de sustento integral--alguém tem que trabalhar para produzir esse sustento. Nem todos devem ir, mas todos têm obrigação perante a Grande Comissão de Cristo. Todos devemos interceder, contribuir, divulgar e incentivar. Tudo que fazemos deve ser em prol do reino de Cristo aqui na terra.

Já disse, nem todo mundo deve ser obreiro transcultural, mas todos devem ser discípulos e fazer discípulos, cada um no lugar e na função que Deus determinar. Entendo que Jesus quer seus discípulos atuando em todas as áreas e profissões honestas da nossa sociedade--sendo discípulo e fazendo discípulo. Qualquer um pode vestir a fachada de "santinho" aos domingos, na igreja, mas refletir adequadamente o caráter de Deus no "batente" durante os dias úteis, aí a coisa muda de aspecto. A dona de casa faz discípulos dos próprios filhos, das vizinhas e das crianças delas. Professor e aluno fazem discípulos na escola. Carpinteiro, motorista, advogado, bancário, comerciante, político, etc., etc., cada um sendo discípulo e fazendo discípulos no seu ambiente. Penso que é assim que devemos fazer nosso evangelismo. Em vez de levar bode à igreja para ser evangelizado, devemos ganhá-lo primeiro e então levar o novel cordeiro à igreja para ser alimentado e discipulado. Penso que o ministério da Palavra em nossas igrejas deve girar em torno das ovelhas, não dos bodes.

Resumindo, a ordem (e estratégia) de Cristo é fazer discípulos, não meramente ganhar almas. Criança não trabalha; dá trabalho. Aqui termina a exposição do primeiro quesito colocado no final do capítulo anterior. Por tudo que acabamos de ver, torno a afirmar que é imprescindível que candidato a missionário seja um discípulo genuíno de Jesus Cristo. Caso contrário há de fracassar. Mas ainda mais importante, se possível, é o segundo quesito: tem de saber como conduzir a guerra espiritual. Senão, vejamos.


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