David Hemler passou quase três décadas na lista dos mais procurados da Força Aérea dos Estados Unidos
No auge da Guerra Fria, o americano
David Hemler desertou o posto que ocupava em uma base aérea na Alemanha.
Ele passou 28 anos na lista dos mais procurados da Força Aérea dos
Estados Unidos.

Em agosto último, ele foi visitado, na
Suécia, pelos pais e irmão, mas corre o risco de ficar até 30 anos na
cadeia se puser os pés nos Estados Unidos.
Em depoimento à BBC, Hemler contou sua história.
Guerra Fria
Em 1984, o governo do então presidente
americano Ronald Reagan instalou mísseis Pershing II na Alemanha
Ocidental. David Hemler, na época com 21 anos de idade, trabalhava como
especialista em línguas na base americana de Augsburg, na Bavária,
Alemanha.

Hemler diz que sua foto estava na lista dos mais procurados, ao lado de estupradores e assassinos
“Eu não achava que ser um pacifista
queria dizer que eu estava sofrendo de uma doença mental. Mas eu andava
mal”, contou. “À noite, ficava acordado pensando e não conseguia dormir.
Também tinha dificuldade para comer, havia até desmaiado algumas
vezes”.
A Força Aérea não dispensou Hemler. Em
vez disso, ele perdeu seu posto secreto e foi ordenado a trabalhar na
limpeza da base. Após um ano limpando o chão, Hemler percebeu que a
Força Aérea não o dispensaria facilmente.
“Estava muito difícil. Eu tinha
completado três anos (de serviço) e tinha mais três para
cumprir”. Então, Hemler começou a considerar a possibilidade de “se
ausentar sem permissão”. No jargão militar, isso significa deixar seu
dever sem permissão oficial, porém sem a intenção de desertar.
“Eu estava me sentindo tão mal,
precisava sair dali. Seria como um pedido de ajuda, para que as pessoas
entendessem que eu não estava me sentindo lá muito bem”.
Suécia
Mas
as coisas acabaram acontecendo de maneira diferente. Hemler decidiu ir
para a Suécia. Ele já havia estado lá antes e acreditava que o país
tinha acolhido soldados americanos que haviam desertado durante a Guerra
do Vietnã.
Ao chegar, adotou o nome de Hans Schwarz e disse que era filho de viajantes que tinham vivido em 35 países diferentes.
A polícia sueca ficou desconfiada e
queria deportá-lo. Sabiam, por seu sotaque, que Hemler vinha do leste
dos Estados Unidos. “Mas ninguém sabia para onde me mandar”, ele contou.
“Eu disse que tinha nascido na Suíça”. Em vez de mantê-lo na prisão,
sem provas suficientes sobre a origem de Hemler, as autoridades suecas
optaram por libertá-lo.
Um ano e meio mais tarde, ele obteve permissão para viver permanentemente na Suécia.

A Força Aérea dos Estados Unidos colocou
o nome de Hemler na lista dos seus dez mais procurados fugitivos –
segundo ele, ao lado de assassinos e estupradores. Sua foto era
atualizada regularmente no site da Força Aérea e só foi retirada há
algumas semanas.
Para evitar ser capturado, Hemler
aprendeu sueco e disfarçou sua aparência. Deixou o cabelo crescer até os
ombros e parou de fazer a barba. Ele teve vários empregos, entre eles, o
de enfermeiro, trabalhando em um lar para idosos.
Depois, foi para a Universidade, onde
estudou estatística. Hoje, Hemler trabalha para um órgão do governo
britânico na cidade de Uppsala.
Identidade Secreta
Em 28 anos, Hemler não revelou sua
identidade a ninguém – nem à sua primeira namorada na Suécia, com quem
teve uma filha, nem à mulher com quem se casou e com quem teve mais dois
filhos.
Hemler tampouco podia correr o risco de
entrar em contato seus pais. “Eu tinha medo de que, se tentasse contato
com meus pais, seria deportado e nunca mais veria minha filha”.
Ele teve de fazer a difícil escolha
entre manter o contato com a filha ou com seus pais. E escolheu a
filha. Mas quando a filha mais velha cresceu, Hemler não conseguiu mais
suportar a separação entre ele e os pais. “Eu já tinha esperado tempo
demais e eles haviam esperado muito tempo por mim”.
Quando tentou telefonar para os pais,
não conseguiu encontrá-los. Então, no dia 16 de maio de 2012, telefonou
para uma tia. Seu sotaque sueco despertou suspeitas. No final, Hemler
teve de falar com o irmão para provar sua identidade.
O irmão fez perguntas sobre a infância
de Hemler no leste da Pennsylvania. “Ele perguntou o nome da nossa
tartaruga”. E Hemler acertou a resposta. “Meu irmão ficou muito feliz,
claro”, contou. “Ele ficou excitado e começou a contar todas as notícias
da família nos últimos 30 anos. Foi maravilhoso falar com ele”.
Depois, veio a primeira conversa com os
pais. ”Esperava que todos estivessem com raiva de mim e merecia ser
repreendido, mas todos estavam tão felizes por eu estar de volta, sequer
pediram uma explicação. Estavam felizes só em saber que eu estava vivo e
bem”.
Restava agora contar a verdade à esposa.
“No início, ela não sabia no que acreditar. Então mostrei a minha foto
em um dos sites de investigações dos dez mais procurados da Força
Aérea”. Hemler disse que a esposa, de ascendência sueca e tailandesa,
não se sente traída e entende a razão pela qual ele teve de fingir ser
Hans Schwarz.
Ela espera que ele possa, em breve, viajar para a Tailândia para encontrar a família dela lá.
Quase três décadas mais tarde, Hemler
finalmente encontrou os pais, irmão, cunhada e sobrinhos, que viajaram
para a Suécia para uma visita de duas semanas em agosto.
Hoje cidadão sueco, ouviu de seus advogados que há poucas chances de ele ser extraditado. Mas não pode visitar sua terra natal.
Ele confessou que apesar de ter se
casado e ter tido filhos na Suécia, lamenta ter desertado. “Foi um
processo gradual. Acabei me colocando em uma situação da qual não
consegui mais sair”.
E disse à BBC Brasil que gostaria de
iniciar um diálogo com a Força Aérea americana. “Estou esperando para
ver se a Força Aérea vai entrar em contato com o Ministério da Justiça
(da Suécia) para que nos encontremos e (para que a FA) faça seu
interrogatório em solo sueco”.
Hemler disse que não ousaria ir à base
da FA americana na Alemanha porque um porta-voz da FA disse à imprensa
sueca que ele poderia ser sentenciado a 30 anos de prisão. “Eu não
entendo a razão pela qual fui incluído na lista dos oito mais procurados
fugitivos e tenho muito medo de que esteja sob suspeita de ter feito
algo que não fiz”.
Fonte: BBC
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