I
O que a Bíblia quer dizer quando afirma que Deus é sábio? Nas Escrituras a sabedoria é uma qualidade tanto moral quanto intelectual, é mais do que simples inteligência ou conhecimento, assim como significa mais do que esperteza ou astúcia. Para ser realmente sábio, no sentido bíblico, a inteligência e a habilidade de uma pessoa devem ser usadas para uma finalidade útil. A sabedoria é o poder para ver e a capacidade para escolher o alvo melhor e o mais elevado, juntamente com os meios corretos para atingi-lo.
A sabedoria, na realidade, é o lado prático da bondade moral e, como tal, é encontrada em sua plenitude somente em Deus. Só ele é natural, inteira e invariavelmente sábio. "Maravilhoso és no saber" diz com toda a verdade o hino sacro. Deus não é outra coisa, a não ser sábio em tudo aquilo que fez. A sabedoria, como diziam os antigos teólogos é a sua essência, assim como o poder, a verdade, a bondade são sua essência – elementos integrais que formam o seu caráter.
A sabedoria humana pode ser frustrada por fatores circunstanciais que fogem ao controle do homem sábio. Aitofel, o renegado conselheiro de Davi, deu um sábio conselho quando insistiu com Absalão para que acabasse de uma ver com Davi, antes que se recobrasse do primeiro choque causado pela revolta de Absalão. Ele, porém, tolamente seguiu um outro caminho e Aitofel, irritado e com o orgulho ferido, prevendo sem dúvida que a revolta com toda a certeza seria então sufocada, e incapaz de perdoar a si mesmo por ter sido tão tolo a ponto de se juntar a ela, foi para casa em desespero e se suicidou (2 Sam. 17).
Mas a sabedoria de Deus não pode ser frustrada como aconteceu com o "bom conselho" (v. 14) de Aitofel, pois está unida à onipotência. Tanto o poder como a sabedoria são essência de Deus. A onisciência governando a onipotência, o poder infinito dirigido pela sabedoria também infinita, assim é basicamente a descrição do caráter divino na Bíblia. "Ele é sábio de coração, e grande em poder" (Jó 9:4). "Com Deus está a sabedoria e a força" (12:13). "É grande na força de sua compreensão" (36:5). "Por ser ele grande em força e em poder... não se pode esquadrinhar o seu entendimento" (Isa. 40:26, 28) "Porque dele é a sabedoria e o poder" (Dan. 2:20). Essa mesma associação aparece no Novo Testamento. "Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho. . . ao Deus único e sábio..." (Rom. 16: 25, 27). Sabedoria sem poder seria patético, uma pessoa em quem não se pode confiar; poder sem sabedoria seria apenas uma coisa assustadora; mas em Deus a sabedoria sem limites e o poder infinito estão unidos e isso O. torna complemente digno de nossa confiança total.
A poderosa sabedoria de Deus é sempre ativa e nunca falha, Todas as obras de sua criação, providência e graça demonstram isso, e enquanto não virmos nelas a sua sabedoria não teremos uma visão correta. Não poderemos, entretanto, reconhecer a sabedoria de Deus a menos que conheçamos com que finalidade Ele age. Muitos erram neste ponto. Entendem mal o que a Bíblia diz quando fala que Deus é amor (1 João 4:8-10), pensam que Deus planeja uma vida livre de problemas para todos, independente de sua condição moral e espiritual; e, conseqüentemente, concluem que qualquer situação dolorosa ou difícil (doença, acidente, injúria, perda de trabalho, sofrimento de um ente querido) indica que à sabedoria ou o poder de Deus, ou ainda ambas as coisas tenham falhado, ou que Deus afinal não existe. Mas essa idéia do propósito de Deus é um completo engano. A sabedoria de Deus não é, e nunca foi, prometida a um mundo caído, no sentido de mantê-lo feliz, ou proporcionar conforto ao incrédulo. Nem mesmo aos cristãos foi prometida uma vida fácil, pelo contrário, bem o inverso disso. Ele tem outros fins em vista para a vida neste mundo além de simplesmente torná-la fácil para todos.
O que Ele pretende, então? Qual o seu objetivo? O que Ele almeja? Quando criou o homem, seu propósito era que este deveria amá-Lo e honrá-Lo, louvando-O pela variedade e complexidade ordenada de seu mundo, usando-o de acordo com a sua vontade, e assim gozando tanto o mundo como a Ele. E. embora o homem tenha caído, Deus não abandonou seu propósito inicial. Ele ainda planeja que uma grande multidão venha a amá-Lo e honrá-Lo. Seu objetivo supremo é levá-los a uma situação em que O agradem inteiramente e O louvem adequadamente, em estado em que Ele venha a ser tudo para eles e juntos se regozijem continuamente no conhecimento do amor mútuo – os homens se regozijando no amor salvador de Deus dedicado a eles por toda a eternidade, e Deus se regozijando no amor correspondido pelos homens, manifestando neles pela graça através do evangelho.
Esta será a "glória" de Deus, e a "glória" do homem também, em todos os sentidos que essa palavra significativa possa expressar. Mas isso só será totalmente realizado no mundo futuro, no contexto da transformação de toda a ordem criada. Entretanto, enquanto isso não acontece, Deus age firmemente para que esse propósito se realize. Seus objetivos imediatos são levar individualmente homens e mulheres a um relacionamento de fé, esperança e amor para com Ele, livrando-os do pecado e mostrando em suas vidas o poder de sua graça, defendendo seu povo contra as forças do mal; espalhando por todo o mundo o evangelho por meio do qual Ele salva. Para o cumprimento de cada parte deste propósito, o Senhor Jesus Cristo é central; pois Deus fez dele não só o Salvador dos pecadores, em quem os homens devem confiar, como também o Senhor da Igreja, a quem os homens devem obedecer. Temos visto o modo pelo qual a sabedoria divina foi manifestada na encarnação, e na Cruz de Cristo; acrescentaremos agora que é à luz desse complexo propósito por nós delineado que veremos a sabedoria de Deus em seu trato com o homem.
II
As biografias contidas na Bíblia nos ajudarão nesse ponto. Não há ilustrações mais claras da sabedoria de Deus ordenando vidas humanas do que as encontradas nas narrativas das Escrituras. Veja, por exemplo, a vida de Abraão. Ele era capaz de contínuos e mesquinhos enganos que chegaram a pôr em perigo a castidade de sua esposa (Gên. 12:10, 20). Vemos assim claramente que ele, por natureza, era um homem de pouca coragem moral e excessivamente preocupado com sua segurança pessoal (12:12; 20:11). Era também sensível à pressão; por insistência da esposa teve um filho com sua escrava Hagar, e quando Sara reagiu com recriminações histéricas contra o orgulho de Hagar por sua gravidez, deixou que a expulsasse de casa (v. 16). Vemos claramente que Abraão não era por natureza um homem de princípios fortes e seu senso de responsabilidade era um tanto deficiente. Mas Deus, com sabedoria, trata dessa figura negligente e pouco heróica de modo tal que ele não apenas cumpre fielmente seu papel ao palco da história da igreja, como habitante pioneiro de Canaã, o primeiro a receber a aliança de Deus (v. 17), e pai de Isaque, a criança-milagre. Abraão também se transformou em um novo homem.
A maior necessidade de Abraão era aprender na prática a viver na presença de Deus, associando com Ele todos os acontecimentos da vida, e buscando-O, e só a Ele, como Comandante, Defensor e Galardoador. Essa a grande lição que Deus, com sabedoria, se concentrou em ensinar-lhe. "Não temas Abraão, eu sou o teu escudo, o teu galardão será sobremodo grande" (15:1). "Eu sou o Deus Todo-Poderoso, anda na minha presença e sê perfeito (bom e sincero)" (17:1). Vezes sem conta Deus faz com que Abraão se confronte com Ele até levá-lo ao ponto onde seu coração pudesse dizer como, o Salmista: "Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra... Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre" (Si. 73:25). E à medida que a narrativa prossegue vemos na vida de Abraão os resultados desse aprendizado. A velha fraqueza ainda aparece de vez em quando, mas a seu lado emerge uma nova nobreza e independência, o resultado do hábito de andar com Deus que Abraão desenvolveu, confiança na sua vontade revelada, dependência, esperança, curvando-se à sua providência e obedecendo-O mesmo quando suas ordens parecessem estranhas e pouco convencionais. Abraão se transformou de homem do mundo em homem de Deus.
Desse modo, ao responder ao chamado de Deus, deixando sua casa e viajando por terras que seus descendentes irão possuir (12:7) – note que ele mesmo junca o faria; Abraão nada possuiu em Canaã além de seu túmulo (v. 23) – observamos nele uma nova humildade quando se recusa a invocar seus direitos sobre os do ser sobrinho Ló (13:18). Vemos também uma nova coragem, quando se decide a ir salvar Ló com apenas trezentos homens, contra as forças combinadas de quatro reis (14:14). Vemos uma nova dignidade quando se recusa a ficar com o saque obtido, receando dar a impressão de ter sua riqueza vindo do rei de Sodoma e não do Deus Altíssimo (14:22). Vemos uma nova paciência quando ele espera durante um quarto de século, desde os 75 até os 100 anos de idade pelo nascimento de seu herdeiro prometido (12:4; 21:5). Vemos como ele se tornou um homem de oração, um intercessor importuno, oprimido pela consciência da responsabilidade pelo bem-estar alheia diante de Deus (18:23). Vemo-lo afinal completamente devotado à vontade de Deus, e tão confiante na sabedoria divina, que de boa vontade se dispõe a obedecer à ordem de Deus para que matasse seu próprio filho, o herdeiro por cuja vinda havia esperado tanto (22).Como Deus tão sabiamente ensinou sua lição! E como Abraão a aprendeu bem!
Jacó, o neto de Abraão, precisou de um tratamento diferente. Jacó era o filho querido e teimoso da mãe, abençoado (ou amaldiçoado) com todos os instintos oportunistas e amorais de negociante agressivo. Deus, em sua sabedoria, planejou que Jacó, embora sendo o filho mais novo deveria ter a bênção e os direitos do primogênito (28:13); planejou também que Jacó deveria casar-se com Lia e Raquel, suas primas, e tornar-se o pais dos doze patriarcas, a quem a promessa seria transmitida (48, 49).
Mas Deus, em sua sabedoria, resolveu também instilar nele a verdadeira religião. Toda a atitude de Jacó era a de um descrente, e precisava sei mudada; Jacó precisava deixar de confiar em sua própria capacidade e depender de Deus, precisava também, sentir aversão pela inescrupulosa hipocrisia que lhe era tão natural. Era necessário, portanto, que Jacó sentisse sua própria fraqueza e tolice, sendo levado à completa falta de confiança em si mesmo, e assim não mais fosse levado a explorar os outros. A sua autoconfiança devia ser totalmente destruída. Com paciente sabedoria (porque Deus sempre espera pela hora oportuna) Deus levou Jacó até o ponto em que pudesse gravar, de modo indelével e decisivo na sua alma, o sentido exato de seu impotente desamparo. É instrutivo acompanhar os passos através dos quais Deus agiu.
Primeiro, durante um período de cerca de vinte anos, Deus deixou que Jacó agisse à vontade, tecendo a complexa teia de falsidade com sua inevitáveis conseqüências – desconfiança mútua, amizades transformadas em inimizades, e o isolamento do impostor. As conseqüências da astúcia de Jacó eram a própria maldição de Deus sobre ele. Quando Jacó roubou a bênção e o direito de primogenitura de Esaú (25:29; 27), este (naturalmente) virou-se contra ele, e Jacó precisou deixar sua casa às pressas. Foi para a casa de seu tio Labão que mostrou ser tão matreiro quanto o próprio Jacó. Labão explorou a posição de Jacó e o enganou para casar-se, não apenas com sua linda filha, a quem Jacó queria, mas também com a outra feia e de olhos fracos, para quem de outro modo seria difícil encontrar um bom marido (29:15 -30 ).
A experiência de Jacó com Labão foi bem amarga; Deus usou-a para mostrar a ele como era sentir-se enganado – uma coisa que Jacó precisava aprender, se algum dia tivesse de abandonar seu antigo modo de vida. Mas Jacó ainda não estava curado. Sua reação imediata foi dar olho por olho; ele manipulou tão astutamente o rebanho de ovelhas do tio, com tanto lucro para si e prejuízo para Labão, que este ficou furioso e Jacó sentiu ser mais prudente partir com sua família para Canaã antes que começasse alguma represália (30:25 - Cap. 31). E Deus, que até então havia suportado a desonestidade de Jacó sem censura encorajou-o a ir (30:11; 32:1, 9), pois Ele sabia o que iria fazer antes do final da viagem. Quando Jacó partiu, Labão o perseguiu e tornou perfeitamente claro que nunca mais queria Jacó de volta (31).
Quando a caravana de Jacó alcançou a fronteira da terra de Esaú, ele enviou a seu irmão uma mensagem delicada contando-lhe que havia chegado. Mas as notícias que chegaram aos seus ouvidos fizeram-no pensar que Esaú avançava em sua direção com um exército armado, para vingar-se da bênção que ele havia roubado há vinte anos. Jacó ficou completamente desesperado e havia então chegado a hora de Deus intervir. Naquela noite, enquanto Jacó estava sozinho às margens do rio, Jaboque, Deus o encontrou (32:24). Foram horas de conflito espiritual desesperador e angustiante, e como pareceu a Jacó, físico também. Jacó agarrou-se a Deus; ele queria uma bênção, uma certeza, do favor e da proteção divinas nessa crise, porém não podia conseguir o que buscava. Ao contrário, tinha cada vez mais vivida a consciência de seu próprio estado, completo desamparo; e, sem Deus, totalmente sem esperança. Ele sentiu naquela ocasião o peso total de seu procedimento cínico e inescrupuloso que lhe estava sendo retribuído. Até aquele momento ele se mostrava autoconfiante, acreditando ser mais do que capaz de enfrentar sozinho tudo que lhe acontecesse, agora porém sentia sua completa incapacidade para resolver as coisas e compreendeu claramente que jamais voltaria a confiar em si mesmo para cuidar de sua vida e criar seu próprio destino. Nunca mais ousaria tentar viver de acordo com sua própria vontade.
Para que isso ficasse bem claro a Jacó, enquanto lutavam Deus o aleijou (v. 25) deslocando sua coxa, como uma perpétua lembrança em sua carne da sua própria fraqueza espiritual e da necessidade de depender sempre de Deus; da mesma forma que durante o resto de sua vida ele teria de andar apoiado a uma bengala. Jacó censurava a si mesmo; de todo o coração descobriu-se, pela primeira vez, a odiar, realmente odiar, aquela sua conhecida astúcia que havia colocado Esaú contra ele (com toda razão!), sem falar em Labão; e agora havia feito com que Deus não desejasse mais abençoá-lo, segundo lhe parecia. "Deixa-me ir.. . " disse Aquele com quem lutava; parece que Deus pensava em abandoná-lo. Mas Jacó o segurou com firmeza, "Não te deixarei ir se me não abençoares" (v. 26). E, então, finalmente, Deus disse as palavras da bênção, pois Jacó estava agora fraco, desamparado, humilde e dependente o bastante para ser abençoado. "Ele me abateu a força no caminho", disso o salmista (Sal. 102:23); e foi justamente isso o que Deus fez com Jacó. Não restara qualquer partícula de autoconfiança em Jacó, quando Deus terminou sua obra nele.
A natureza da luta de Jacó com Deus e o fato de ter "prevalecido" (v. 28), foi simplesmente que ele se apegou a Deus enquanto este o enfraquecia e fazia surgir nele o espírito de submissão e falta de confiança em si mesmo; e desejava que tanto a bênção de Deus que se agarrou a Ele durante toda a sua dolorosa humilhação, até se abaixar o suficiente para que Deus o levantasse, dando-lhe paz e assegurando-lhe que não mais precisava temer Esaú. É claro que Jacó não se tornou um santo da noite para o dia, ele não foi totalmente correto com Esaú no dia seguinte (33:14-17), mas em princípio Deus havia ganho sua luta com Jacó, e ganhou-a para sempre. Jacó nunca mais voltou a seus antigos hábitos. Jacó, mancando, aprendeu sua lição. A sabedoria de Deus havia realizado a sua obra.
Mais um outro exemplo em Gênesis: José. Os irmãos do jovem José o tinham vendido como escravo para o Egito onde, traído pela maldosa esposa de Potifar ele foi preso, embora tenha depois sido elevado a cargos de grande importância. Com que propósito Deus em sua sabedoria planejou isso? No que concerne a José pessoalmente a resposta é encontrada no Salmo 105:19 - "e tê-lo provado a palavra do Senhor". José estava sendo testado, refinado e amadurecido; estava aprendendo durante seu período de escravidão e, depois, na prisão, a se conservar submisso a Deus, mantendo-se alegre e bondoso em circunstâncias difíceis, e a esperar pacientemente no Senhor. Deus freqüentemente usa experiências dolorosas para ensinar essas lições. No que concerne ao povo de Deus, o próprio José deu a resposta à nossa pergunta quando revelou sua identidade a seus confusos irmãos "Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra, e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus... " (45:7,8).
A teologia de José era tão firme quanto seu amor era profundo. Mais uma vez nos confrontamos com a sabedoria de Deus dirigindo os acontecimentos de uma vida com um duplo propósito: a santificação pessoal do homem e o cumprimento do seu ministério e serviço na vida do povo de Deus. Na vida de José, assim como na de Abraão e de Jacó, vemos esse duplo propósito triunfantemente cumprido.
III
Estas coisas foram escritas para nosso aprendizado, pois a mesma sabedoria que ordenou os caminhos trilhados pelos santos de Deus nos tempos bíblicos ainda dirige a vida do cristão de hoje. Não devemos, portanto, ficar muito abatidos quando coisas inesperadas, perturbadoras e desencorajadoras nos acontecem. Qual o sentido delas? Bem, significam simplesmente que Deus, em sua sabedoria, quer que cheguemos a um ponto que ainda não alcançamos, e está cuidando para que isso se realize.
Talvez Ele queira nos fortalecer na paciência, no bom humor, na compaixão, humildade ou mansidão, dando-nos então alguns exercícios extras para praticarmos essas graças em situações especialmente difíceis. Ele tem novas lições com respeito à negação do ego e falta de confiança em si mesmo para nos ensinar. Talvez ele queira anular em nós algumas formas de orgulho e convencimento que não percebemos, ou complacência e irrealidade. Talvez seu propósito seja simplesmente nos chamar para mais perto de Si em comunhão com Ele; pois freqüentemente acontece, como todos os santos bem o sabem, que a comunhão com o Pai e com o Filho é más vívida e doce, e a alegria cristã é maior quando a cruz é mais pesada. (Lembre-se de Samuel Rutherford!) Ou talvez Deus esteja nos preparando para alguma forma de atividade que até o presente não tenhamos pressentido.
Paulo viu parte das razões de suas próprias aflições no fato que Deus "nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar aos que estivessem em qualquer angústia com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus" (2 Cor. 1:4). Até o Senhor Jesus "aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu", e assim foi "aperfeiçoado" para o seu sumo sacerdócio no ministério da simpatia e auxílio a seus discípulos tão atribulados (Heb. 5:8); o que significa que se por um lado Ele pode nos sustentar e tornar-nos mais que vitoriosos em todas as nossas dificuldades e problemas, de outro não devemos nos surpreender se Ele nos chama para seguir os seus passos e nos preparar para o serviço aos outros através de experiências dolorosas absolutamente imerecidas. "Ele conhece seus caminhos", mesmo que no presente nós não os conheçamos. Podemos ficar realmente atônitos com as coisas que nos acontecem, mas Deus sabe exatamente o que está fazendo e o que está por trás de suas ações, no modo como conduz nossos problemas. Sempre, e em tudo, Ele é sábio; nós veremos isso algum dia, embora não o possamos ver agora (Jó no céu sabe de todas as razões de suas aflições, embora nunca pudesse conhecê-las em vida). No entretanto, não devemos hesitar em confiar na sua sabedoria, mesmo quando Ele nos deixa na ignorância.
Mas, como poderemos enfrentar essas situações desconcertantes e difíceis se não podemos, agora, ver nelas o propósito de Deus?
Primeiro, aceitando-as como vindas de Deus, e perguntando a nós mesmos quais as reações a elas e nelas, que o evangelho de Deus requer de nós. Segundo, buscando a face de Deus especialmente a respeito das mesmas. Se fizermos essas duas coisas, nunca nos veremos completamente no escuro a respeito do propósito de Deus quanto às nossas dificuldades. Seremos sempre capazes de ver nelas pelo menos tanta finalidade como Paulo pôde entrever no seu espinho na carne (qualquer que fosse ele). Este vinha a ele, diz Paulo, como "um mensageiro de Satanás" tentando-o a ter maus pensamentos a respeito de Deus. Ele resistiu a essa tentação e buscou a face de Cristo por três vezes pedindo que fosse removido. A única resposta que obteve foi: "A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza". Refletindo sobre isso, percebeu finalmente a razão porque tinha sido tão afligido: era para mantê-lo humilde: "para que não me exaltasse pelas excelências da revelação". Este pensamento e a palavra de Cristo foram suficientes para ele e não procurou mais nada. Esta foi a sua atitude final: "De boa vontade, pois, me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo" (II Cor. 12:7-9).
Esse comportamento de Paulo é um exemplo para nós. Caso as tribulações do cristão tenham ou não o propósito de equipá-lo para um serviço futuro, elas terão pelo menos a mesma finalidade do espinho na carne de Paulo: foram enviadas a nós para que nos tornemos e nos mantenhamos humildes, e para nos dar uma nova oportunidade de mostrar o poder de Cristo em nossas vidas mortais. Será que precisamos saber mais do que isso sobre elas? Não será isto suficiente para nos convencer que a sabedoria de Deus está nelas? Uma vez que Paulo viu que seus problemas foram enviadas para que pudesse glorificar a Cristo, ele os aceitou como sabiamente ordenados e regozijou-se com eles.
Que Deus nos ajude para que em todas as nossas dificuldades possamos agir da mesma maneira.
terça-feira, 13 de abril de 2010
A SABEDORIA DE DEUS E A NOSSA
I
Quando os antigos teólogos reformados se referiam aos atributos de Deus, costumavam classificá-los em dois grupos: incomunicáveis e comunicáveis.
No primeiro grupo punham aquelas qualidades que realçavam a transcendência de Deus e mostravam a grande diferença que há entre Ele e nós, suas criaturas. A lista comum era: a independência de Deus (existência própria e auto-suficiência); sua imutabilidade (completamente livre de qualquer mudança, levando à total constância de ação); sua infinitude (livre de todos os limites de tempo e espaço, isto é, sua eternidade e onipresença) e sua simplicidade (o fato de não haver nele qualquer elemento que entre em conflito; pois, diferente dos homens, Ele não pode ser levado por pensamentos e desejos divergentes). Os teólogos denominaram estas qualidades de incomunicáveis porque são características apenas de Deus; e o homem, justamente por ser homem, não pode compartilhar de nenhuma delas.
No segundo grupo os teólogos reuniram qualidades como a espiritualidade, a liberdade e a onipotência de Deus junto com seus atributos morais – bondade, verdade, santidade, justiça., etc. Qual foi o princípio dessa classificação? Foi o seguinte. Quando Deus fez o homem comunicou a ele qualidades correspondentes a todas essas. É isso o que a Bíblia diz quando conta que Deus fez o homem à sua imagem (Gên. 1:26) – a saber, que Deus fez o homem um ser espiritual, livre, um agente moral responsável com poder de escolha e de ação, capaz de ter comunhão com Ele e ser sensível a Ele, e por natureza bom, verdadeiro, santo, reto (Ecl. 7:29), em uma palavra, piedoso.
As qualidades morais que pertenciam à imagem divina foram perdidas na queda do homem; a imagem de Deus no homem tem sido universalmente desfigurada, pois toda a humanidade de um modo ou de outro, tem-se desviado para a impiedade. Mas a Bíblia diz que agora, cumprindo seu plano de redenção, Deus está agindo nos cristãos para reparar sua imagem arruinada, transmitindo novamente a eles essas qualidades. É esse o significado das Escrituras quando dizem que os cristãos estão sendo renovados na imagem de Cristo (2 Cor. 3:18) e de Deus (Col. 3:10).
Entre esses atributos transmissíveis, os teólogos puseram a sabedoria. Assim como Deus é sábio em Si mesmo, do mesmo modo Ele concede sabedoria aos homens.
A Bíblia fala bastante a respeito do dom divino da sabedoria. Os primeiros nove capítulos do livro de Provérbios são uma exortação única e constante para a busca desse dom. "O princípio da sabedoria é: adquire a sabedoria; sim com tudo o que possuis adquire o entendimento. ... Retém a instrução e não a largues; guarda-a porque ela é a tua vida" (Prov. 4:7,13). A sabedoria é personificada e fala em sua própria causa: "Feliz o homem que me dá ouvidos, velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada. Porque o que me acha, acha a vida e alcança o favor do Senhor. Mas o que peca contra mim violenta a sua própria alma, todos os que me aborrecem amam a morte" (Prov. 8:34-36).
Como uma hospedeira, a sabedoria convida os necessitados a seu banquete: "Quem é simples, volte-se para aqui (Prov. 9:4). A ênfase total é dada à pronta disposição de Deus de dar sabedoria (representada aqui como a presteza da sabedoria em se dar) a todos que quiserem esse dom e que tomarem as providências necessárias para obtê-lo. Ênfase semelhante aparece no Novo Testamento. A sabedoria é requerida dos cristãos: "Vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios... Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor." (Efés. 5:15,17). "Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora. . . " (Col. 4:5). São feitas orações para que lhes seja concedida a sabedoria para que "transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria.... (Col. 1:9). E Tiago, em nome de Deus faz a promessa: "Se porém algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus... e ser-lhe-á concedida" (Tia. 1:5).
Como vem a sabedoria? Que passos são necessários para que uma pessoa tome posse desse dom? De acordo com as Escrituras há dois pré-requisitos. Primeiro, é preciso que se aprenda a reverência a Deus. "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Sal. 111:10; Prov. 9:10; Jó 28:28; Prov. 1:7; 15:13). Enquanto não nos tornarmos humildes e receptivos, permanecendo no temor da santidade e soberania de Deus "o grande e terrível Deus" (Neem. 1:5; 4:14; 9:32; Deut. 7:21; 10:17, Sal. 99:3; Jer. 20:11), reconhecendo nossa pequenez, duvidando de nossas idéias, e querendo ter nossas mentes revolvidas, não teremos em nós a sabedoria divina. É de se lamentar que muitos cristãos passem a vida inteira com uma disposição de espírito tão orgulhosa e convencida que jamais chegam a receber a sabedoria de Deus. Esta a razão pela qual a Bíblia diz: "Com os humildes está a sabedoria" (Prov. 11:2).
Em segundo lugar, então, precisamos aprender a receber a palavra de Deus. A sabedoria é divinamente burilada naqueles, e apenas naqueles que se concentram na revelação de Deus. "Os teus mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos", diz o salmista "compreendendo mais que todos os meus mestres", por que? "porque medito nos teus testemunhos" (Sal. 119:98, 99).
Paulo admoesta os Colossenses do seguinte modo: "Habite ricamente em nós a palavra de Cristo ... em toda a sabedoria" (Col. 3:16). Como podemos nós, pessoas do século vinte fazer isso? Impregnando-nos das Escrituras que, como Paulo disse a Timóteo (e ele tinha em mente apenas o Velho Testamento): "podem tornar-te sábio para a salvação", pela fé em Cristo e para tornar perfeito o homem de Deus "para toda boa obra" (2 Tim. 3:15-17).
Mais uma vez, é de temer que muitos hoje que professam ser de Cristo nunca venham a aprender a sabedoria por deixarem de atender suficientemente a palavra escrita de Deus. O livro de Orações de Cranmer (que todos os Anglicanos devem seguir) indica a leitura do Velho Testamento uma vez por ano e a do Novo Testamento duas. William Gouge, o Puritano, lia regularmente quinze capítulos por dia. O falecido Arcebispo T. C. Hammond costumava ler a Bíblia toda uma vez por trimestre.
Quanto tempo faz que você leu a Bíblia inteira? Você gasta diariamente com a Bíblia tanto tempo quanto com os jornais? Como alguns de nós são tolos! – e permaneceremos assim pelo resto da vida simplesmente porque não nos preocupamos com aquilo que deve ser feito para receber a sabedoria que é um dom gratuito de Deus.
II
Mas que tipo de coisa é o dom da sabedoria de Deus? Que efeito produz no homem?
Muitos se enganam neste ponto. Podemos tornar bem clara a natureza deste erro usando uma ilustração.
Se você ficar em pé no fim da plataforma de uma estação, observará um constante movimento de locomotivas e trens, e se você foi um entusiasta de ferrovias, isto fará com que fique grandemente fascinado. Mas você poderá apenas ter uma idéia geral e superficial dos planos gerais em que se baseia a determinação desses movimentos (o programa de operação estabelecido na tabela de horários, modificada, se necessário, de minuto a minuto de acordo com o movimento real dos trens). Se, entretanto, você tiver o privilégio de ser levado por algum chefe para dentro da cabina de comando, poderá observar numa grande parede o diagrama de toda a linha férrea por cerca de cinco milhas de distância dos dois lados da estação, com pequeninas luzes móveis ou paradas nos diferentes trilhos para mostrar ao sinaleiro apenas com um olhar onde cada máquina ou trem se encontra.
Você poderá observar imediatamente a situação geral através dos olhos dos homens que a controlam; verá no diagrama porque um trem recebeu um sinal de parada, outro foi desviado de seus trilhos normais, e outro ainda, estacionou temporariamente em uma linha lateral. O porquê e a razão de todos esses movimentos tornam-se claros uma vez que você possa observar a situação geral.
O erro comumente feito, porém, é supor que esta é uma ilustração do que Deus faz quando nos dá sabedoria; em outras palavras, supor que o dom da sabedoria consiste em uma visão mais profunda do significado e propósitos providenciais dos acontecimentos que se desenrolam ao nosso redor. Uma capacidade de ver porque Deus agiu de tal modo em um determinado caso, e o que fará a seguir. As pessoas sentem que se estivessem realmente andando junto a Deus de modo que Ele pudesse conceder-lhes livremente a sabedoria, estariam por assim dizer, na cabina de comando. Descobririam o propósito real de tudo que lhes acontece e ficaria claro para elas em todos os momentos como Deus está agindo para que todas as coisas aconteçam para o bem. Tais pessoas gastam muito tempo debruçadas sobre o livro da providência, imaginando porque Deus permitiu que isto ou aquilo acontecesse; se deveriam tomar isso como sinal para deixar de fazer alguma coisa e começar a agir de outro modo, ou o que devem deduzir disso tudo. Se no final ficam frustradas, tomam isso como sua própria falta de espiritualidade.
Os cristãos que sofrem de depressão física, mental ou espiritual (noite, são três coisas diferentes!), podem ficar quase loucos com este tipo de indagação inútil. Porque é na realidade inútil, não tenha qualquer dúvida a respeito. É verdade que quando Deus nos dirige pela aplicação de princípios, poderá em alguma ocasião confirmá-la por providências incomuns que reconhecemos imediatamente como sinais confirmatórios. Mas isto é bem diferente do que tentar extrair uma mensagem sobre os propósitos secretos de Deus através de todas as coisas incomuns que nos possam acontecer. Assim, em lugar do dom da sabedoria consistir no poder para fazer isso, o dom realmente pressupõe nossa incapacidade consciente para fazê-lo, como veremos a seguir.
III
Perguntamos mais uma vez: Com que finalidade Deus nos proporciona o dom da sabedoria? Que espécie de dom é esse?
Se me permitem usar outra ilustração sobre transporte, é como aprender a dirigir. O que interessa quando se dirige é a velocidade, a sua reação apropriada às coisas, e a firmeza de seu julgamento a respeito da oportunidade que a situação oferece. Você não fica se perguntando porque a estrada deveria ser estreita ou cheia de curvas justamente naquele lugar, nem porque aquele caminhão deveria estar estacionado onde está, nem porque a senhora (ou o cavalheiro) na frente dirige como se fosse o dono da estrada, você simplesmente tenta ver e tomar a atitude certa naquela situação como ela se apresenta. O efeito da sabedoria divina é capacitar a você e a mim para fazer exatamente a mesma coisa nas situações reais da vida diária.
Para dirigir bem você deve ficar atento para notar com exatidão o que está à sua frente. Para viver sabiamente você precisa ter uma visão clara e real da vida como ela realmente é. A sabedoria não combina com ilusões confortadoras, falsos sentimentos ou o uso de óculos cor-de-rosa. A maioria de nós vive em um mundo de sonhos, com a cabeça nas nuvens e os pés fora do chão; nunca vemos o mundo e nossas vidas nele como realmente são. Esta irrealidade arraigada e pecaminosa é uma das razões de haver tão pouca sabedoria entre nós, mesmo entre os mais fundamentalistas e ortodoxos. É preciso mais do que sã doutrina para nos curar da irrealidade. Há, entretanto, um livro na Bíblia que é expressamente indicado para nos tornar realistas: o livro de Eclesiastes. Devemos prestar mais atenção à sua mensagem do que normalmente o fazemos. Vejamos agora, por um momento, qual é essa mensagem.
IV
"Eclesiastes" (o título grego correspondente ao hebreu ) significa simplesmente "o pregador", e o livro é um sermão, com o texto ("vaidade de vaidades. . . " 1:2; 12:8), uma exposição de seu tema (caps. 1-10), e uma aplicação. (caps. 11-12:7). Muitas das exposições são autobiográficas. se identifica como o "filho de Davi, rei de Jerusalém" (1:1). Se isso quer dizer que o próprio Salomão era o pregador, ou que o pregador pôs seu sermão nas palavras de Salomão como um artifício didático, como estudiosos tão conservadores como Hengsterberg e E. J. Young têm argumentado, não nos deve preocupar. O sermão é certamente salomônico no sentido de que ensina lições que Salomão teve oportunidades singulares para aprender.
"Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! tudo é vaidade". Com que espírito e com que propósito o pregador anuncia este texto? Trata-se da confissão de um cínico amargurado, "um velho homem do mundo, egoísta e calejado que nada encontrou no final além de triste desilusão" (W. H. Elliot), e que agora procura compartilhar conosco sua idéia sobre o pouco valor e torpeza da vida? Ou está nos falando como um evangelista, tentando fazer com que os descrentes compreendam que é impossível encontrar a felicidade "debaixo do sol", longe de Deus? Nenhuma das duas é a resposta, embora a segunda sugestão não esteja tão longe do objetivo quanto a primeira.
O autor fala como um professor maduro transmitindo ao jovem aluno os frutos de sua longa experiência e reflexão (11:9 ; 12:1,12). Ele quer levar este jovem crente à verdadeira sabedoria e protegê-lo para que não caia no engano da "cabina de sinalização". Aparentemente o jovem (como muitos depois dele) estava inclinado a confundir sabedoria com grande conhecimento e a supor que se adquire a sabedoria pelo estudo contínuo (12:12). Claramente ele afirma que a sabedoria, quando adquirida, o levaria a saber das razões das diversas atitudes de Deus no curso normal da providência. O que o pregador quer mostrar a ele é que a base real da sabedoria é o reconhecimento sincero de que o curso do mundo é enigmático, que muitas das coisas que acontecem são inexplicáveis e muitas das ocorrências "debaixo do sol" não têm qualquer sinal exterior de uma ordem racional e moral para elas. Como o próprio sermão demonstra, o texto é planejado como uma advertência contra o modo errado de se buscar o entendimento, pois apresenta a conclusão desanimadora a que deve afinal chegar essa busca, se for feita com sinceridade e realismo. Podemos formular a mensagem do sermão como segue:
Veja (diz o pregador) em que tipo de mundo vivemos. Tire seus óculos cor-de-rosa, esfregue os olhos e olhe bem e longamente. O que você vê? Vê o cenário da vida determinado por ciclos periódicos na natureza que parecem não ter propósito (1:4). Vê sua forma fixada por tempos e circunstâncias sobre as quais não temos controle algum (3:1; 9: 11). Vê a morte chegando casualmente para todos, mais cedo ou mais tarde, e sua vinda não tem relação alguma com qualquer merecimento, seja ele bom ou mau (7:15; 8:8). Os homens morrem como os animais (3:19), tanto os bons como os maus, tanto os sábios como os ignorantes (2:14, 17; 9:2). Você vê o mal crescendo desmedidamente (3:16; 4:1; 5:8; 8:11; 9:3 ), os patifes prosperando, mas não assim os justos (8:14). Vendo tudo isso, você percebe como a disposição que Deus dá aos acontecimentos é inescrutável; por mais que queira entender você não pode fazê-lo (3:11; 7:13; 8:17; 11:5) . Quanto maior for seu esforço para entender o propósito divino na decorrência normal dos acontecimentos, mais obcecado e oprimido ficará com a aparente falta de propósito de tudo, e mais tentado ficará a concluir que a vida na verdade não tem razão de ser.
Mas, uma vez que você tenha chegado à conclusão de que realmente não há ritmo ou razão nas coisas, que "proveito" – valor, lucro, ponto, propósito – poderá encontrar então para qualquer atividade construtiva? (1:3; 2:11,22; 3:9; 5:16). Se a vida é sem sentido, não tem da mesma forma valor algum e, neste caso, qual a vantagem de trabalhar para criar coisas, desenvolver um negócio, ganhar dinheiro, e mesmo buscar a sabedoria – pois nada disso trará qualquer benefício (2:15, 22; 5:11); apenas fará com que você seja motivo de inveja (4:4), você não poderá levar qualquer dessas coisas consigo (2:18, 4:8; 5:15) e aquilo que deixar aqui, provavelmente será mal dirigido depois de sua partida (2:19). Que vantagem há, portanto, em suar e trabalhar tanto? Não deve todo o trabalho do homem ser julgado "vaidade (frustração, vazio) e correr atrás do vento" (1:14)? – atividade essa que não podemos justificar como tendo qualquer valor em si mesma ou para nós? É a esta conclusão pessimista, diz o pregador, que a expectativa otimista de descobrir o propósito divino em todas as coisas finalmente o levará (1:17). E é claro que ele está certo, pois o mundo em que vivemos é de fato o tipo de lugar que ele nos descreveu. O Deus que rege tudo se esconde. Raramente este mundo se parece com um lugar que esteja sendo dirigido por uma Providência benevolente. Raramente parece haver um poder racional por trás dele. Repetidas vezes o que é sem valor sobrevive enquanto o que tem valor perece. Seja realista, diz o pregador, enfrente estes fatos, veja a vida como ela é. Você não terá a verdadeira sabedoria enquanto não fizer isso.
Muitos de nós precisamos desta admoestação, pois não apenas o nosso conceito é aquele da "cabina de sinalização", a respeito da sabedoria, como também sentimos que para a honra de Deus (e também, embora não digamos isso, por causa de nossa própria reputação como cristãos espirituais) é necessário que afirmemos que já estamos, por assim dizer, na cabina de sinal, aqui e agora, gozando das informações internas de como e por que Deus está agindo de tal e tal maneira. Esta confortadora pretensão se torna parte de nós, temos a certeza de que Deus nos capacitou para entendermos todas as suas atitudes para conosco e para com os que nos rodeiam, e nos sentimos seguros de que seremos capazes de ver rapidamente as razões para tudo o que nos possa acontecer no futuro. E então alguma coisa inexplicável e muito dolorosa nos acontece e nossa alegre ilusão de participar do conselho secreto de Deis é abalada. Nosso orgulho é ferido, sentimos que Deus nos desprezou, e a menos que neste ponto nos arrependamos e nos humilhemos completamente pela nossa antiga presunção, toda a nossa vida espiritual futura pode ser arruinada.
Entre os sete pecados mortais da tradição medieval estava a preguiça (accidie) – um estado de apatia espiritual obstinada e sem alegria. Há muito disso nos círculos cristãos de hoje; os sintomas são inércia espiritual pessoal combinada com crítica cínica sobre as igrejas e ressentimentos desdenhosos pela iniciativa e empreendimento dos outros cristãos. Atrás dessa condição. mórbida e mortal freqüentemente encontramos o orgulho ferido de alguém que pensou saber tudo a respeito de como Deus age, e precisou aprender que não sabia nada através de uma amarga e surpreendente experiência. Isto é o que acontece quando não se dá atenção à mensagem de Eclesiastes. Pois a verdade é que Deus na sua sabedoria, para manter-nos humildes e para nos ensinar a andar pela fé, escondeu de nós quase tudo o que gostaríamos de saber a respeito do propósito providencial que Ele está realizando nas igrejas e em nossas próprias vidas. "Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas" (11:5).
Mas, nesse caso, o que é sabedoria? O pregador nos ajudou a ver o que ela não é; será que nos dará alguma outra orientação sobre o que ela é? Na verdade ele pelo menos nos dá um esboço, "Teme a Deus e guarda os seus mandamentos" (12:13); confie nEle e O obedeça, respeite-O e O adore, seja humilde diante dEle e nunca diga mais do que o necessário e do que pretende cumprir quando ora diante dele (5:1-7); faça o bem (3:12); lembre-se de que Deus algum dia lhe pedirá contas (11:9; 12:14); evite então, mesmo em segredo, coisas das quais se sentirá envergonhado quando vierem à luz, quando Deus vier julgar (12:14). Viva no presente, e goze completamente a sua condição (7:14; 9:7; 11:9); as alegrias de agora são os bons presentes de Deus. Embora Eclesiastes condene a leviandade (7:4-6) ele claramente não tem tempo para a superespiritualidade que é muito orgulhosa ou "piedosa" para poder rir ou se alegrar. Busque a graça para realizar corretamente qualquer coisa que a vida lhe ofereça (9:10) e tenha prazer nesse trabalho ( 2:24; 3:12; 5:18; 8:15). Deixe os resultados por conta de Deus; deixe que Ele os avalie; a sua parte é usar todo o bom senso e criatividade a seu comando para explorar as oportunidades que estão à sua frente (11:1-6).
Isto é sabedoria. Fica claro que não passa de um dos aspectos da vida de fé. Pois, o que a firma e sustenta? A convicção de que o inescrutável Deus da providência é o sábio e gracioso Deus da criação e da redenção. Podemos estar seguros de que o Deus que fez este mundo tão complexo e maravilhosamente ordenado, que proporcionou a grande redenção do Egito e mais tarde a redenção ainda maior do pecado e de Satanás, sabe o que está fazendo, e "faz tudo bem feito" mesmo que no momento mantenha oculta a sua mão. Podemos confiar e nos regozijar nEle, mesmo quando não pudermos discernir seus caminhos. Assim o caminho do pregador para a sabedoria se resume naquilo que foi expresso pelo poeta sacro:
Ó minha alma, espera em teu Senhor!
Tudo lhe confia, é teu Salvador!
O sol fugiu! Não há arrebol!
Mas depois do inverno vem de novo o sol!
Na tempestade, em hora cruel,
Ele te protege, o Pai fiel!
V
Essa é então a sabedoria com a qual Deus nos torna sábios. E nossa análise dela mostra ainda mais a sabedoria do Deus que a concede. Dissemos que a sabedoria consiste em saber escolher os melhores meios para atingir os melhores fins. A ação de Deus dando-nos a sabedoria é o modo por Ele escolhido para restaurar e aperfeiçoar o relacionamento entre Ele mesmo e os homens, que para isso foram criados.
Para que Ele nos dá essa sabedoria? Como já vimos, não compartilhamos de seus conhecimentos, mas trata-se de uma disposição para confessar que Ele é sábio, apegarmo-nos a Ele e viver para Ele na luz de sua palavra, através de todas as dificuldades.
Assim, o resultado de Seu dom da sabedoria é tornar-nos mais humildes, mais alegres, mais piedosos, mais rápidos em compreender a vontade, mais resolutos em realizá-la e menos preocupados (não menos sensíveis, mas menos confusos) do que ficamos nas situações dolorosas e obscuras que enfrentamos neste mundo pecaminoso. O Novo Testamento nos fala que o fruto da sabedoria é a semelhança com Cristo: paz, humildade e amor (Tia. 3:17) – e a raiz disso é a fé em Cristo (I Cor. 3:8; 1 Tim. 3:15) como a manifestação da sabedoria de Deus (I Cor. 1:24, 30). Dessa forma, o tipo de sabedoria que Deus espera dar àqueles que pedirem, é a sabedoria que nos une a Ele, que encontrará expressão em um espírito de fé e uma vida de felicidade.
Procuremos então fazer com que a nossa busca de sabedoria tome a forma da busca por essas coisas, e não frustremos o sábio propósito de Deus negligenciando a fé e a fidelidade, a fim de procurar um tipo de conhecimento que não nos será dado neste mundo.
Quando os antigos teólogos reformados se referiam aos atributos de Deus, costumavam classificá-los em dois grupos: incomunicáveis e comunicáveis.
No primeiro grupo punham aquelas qualidades que realçavam a transcendência de Deus e mostravam a grande diferença que há entre Ele e nós, suas criaturas. A lista comum era: a independência de Deus (existência própria e auto-suficiência); sua imutabilidade (completamente livre de qualquer mudança, levando à total constância de ação); sua infinitude (livre de todos os limites de tempo e espaço, isto é, sua eternidade e onipresença) e sua simplicidade (o fato de não haver nele qualquer elemento que entre em conflito; pois, diferente dos homens, Ele não pode ser levado por pensamentos e desejos divergentes). Os teólogos denominaram estas qualidades de incomunicáveis porque são características apenas de Deus; e o homem, justamente por ser homem, não pode compartilhar de nenhuma delas.
No segundo grupo os teólogos reuniram qualidades como a espiritualidade, a liberdade e a onipotência de Deus junto com seus atributos morais – bondade, verdade, santidade, justiça., etc. Qual foi o princípio dessa classificação? Foi o seguinte. Quando Deus fez o homem comunicou a ele qualidades correspondentes a todas essas. É isso o que a Bíblia diz quando conta que Deus fez o homem à sua imagem (Gên. 1:26) – a saber, que Deus fez o homem um ser espiritual, livre, um agente moral responsável com poder de escolha e de ação, capaz de ter comunhão com Ele e ser sensível a Ele, e por natureza bom, verdadeiro, santo, reto (Ecl. 7:29), em uma palavra, piedoso.
As qualidades morais que pertenciam à imagem divina foram perdidas na queda do homem; a imagem de Deus no homem tem sido universalmente desfigurada, pois toda a humanidade de um modo ou de outro, tem-se desviado para a impiedade. Mas a Bíblia diz que agora, cumprindo seu plano de redenção, Deus está agindo nos cristãos para reparar sua imagem arruinada, transmitindo novamente a eles essas qualidades. É esse o significado das Escrituras quando dizem que os cristãos estão sendo renovados na imagem de Cristo (2 Cor. 3:18) e de Deus (Col. 3:10).
Entre esses atributos transmissíveis, os teólogos puseram a sabedoria. Assim como Deus é sábio em Si mesmo, do mesmo modo Ele concede sabedoria aos homens.
A Bíblia fala bastante a respeito do dom divino da sabedoria. Os primeiros nove capítulos do livro de Provérbios são uma exortação única e constante para a busca desse dom. "O princípio da sabedoria é: adquire a sabedoria; sim com tudo o que possuis adquire o entendimento. ... Retém a instrução e não a largues; guarda-a porque ela é a tua vida" (Prov. 4:7,13). A sabedoria é personificada e fala em sua própria causa: "Feliz o homem que me dá ouvidos, velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada. Porque o que me acha, acha a vida e alcança o favor do Senhor. Mas o que peca contra mim violenta a sua própria alma, todos os que me aborrecem amam a morte" (Prov. 8:34-36).
Como uma hospedeira, a sabedoria convida os necessitados a seu banquete: "Quem é simples, volte-se para aqui (Prov. 9:4). A ênfase total é dada à pronta disposição de Deus de dar sabedoria (representada aqui como a presteza da sabedoria em se dar) a todos que quiserem esse dom e que tomarem as providências necessárias para obtê-lo. Ênfase semelhante aparece no Novo Testamento. A sabedoria é requerida dos cristãos: "Vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios... Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor." (Efés. 5:15,17). "Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora. . . " (Col. 4:5). São feitas orações para que lhes seja concedida a sabedoria para que "transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria.... (Col. 1:9). E Tiago, em nome de Deus faz a promessa: "Se porém algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus... e ser-lhe-á concedida" (Tia. 1:5).
Como vem a sabedoria? Que passos são necessários para que uma pessoa tome posse desse dom? De acordo com as Escrituras há dois pré-requisitos. Primeiro, é preciso que se aprenda a reverência a Deus. "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Sal. 111:10; Prov. 9:10; Jó 28:28; Prov. 1:7; 15:13). Enquanto não nos tornarmos humildes e receptivos, permanecendo no temor da santidade e soberania de Deus "o grande e terrível Deus" (Neem. 1:5; 4:14; 9:32; Deut. 7:21; 10:17, Sal. 99:3; Jer. 20:11), reconhecendo nossa pequenez, duvidando de nossas idéias, e querendo ter nossas mentes revolvidas, não teremos em nós a sabedoria divina. É de se lamentar que muitos cristãos passem a vida inteira com uma disposição de espírito tão orgulhosa e convencida que jamais chegam a receber a sabedoria de Deus. Esta a razão pela qual a Bíblia diz: "Com os humildes está a sabedoria" (Prov. 11:2).
Em segundo lugar, então, precisamos aprender a receber a palavra de Deus. A sabedoria é divinamente burilada naqueles, e apenas naqueles que se concentram na revelação de Deus. "Os teus mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos", diz o salmista "compreendendo mais que todos os meus mestres", por que? "porque medito nos teus testemunhos" (Sal. 119:98, 99).
Paulo admoesta os Colossenses do seguinte modo: "Habite ricamente em nós a palavra de Cristo ... em toda a sabedoria" (Col. 3:16). Como podemos nós, pessoas do século vinte fazer isso? Impregnando-nos das Escrituras que, como Paulo disse a Timóteo (e ele tinha em mente apenas o Velho Testamento): "podem tornar-te sábio para a salvação", pela fé em Cristo e para tornar perfeito o homem de Deus "para toda boa obra" (2 Tim. 3:15-17).
Mais uma vez, é de temer que muitos hoje que professam ser de Cristo nunca venham a aprender a sabedoria por deixarem de atender suficientemente a palavra escrita de Deus. O livro de Orações de Cranmer (que todos os Anglicanos devem seguir) indica a leitura do Velho Testamento uma vez por ano e a do Novo Testamento duas. William Gouge, o Puritano, lia regularmente quinze capítulos por dia. O falecido Arcebispo T. C. Hammond costumava ler a Bíblia toda uma vez por trimestre.
Quanto tempo faz que você leu a Bíblia inteira? Você gasta diariamente com a Bíblia tanto tempo quanto com os jornais? Como alguns de nós são tolos! – e permaneceremos assim pelo resto da vida simplesmente porque não nos preocupamos com aquilo que deve ser feito para receber a sabedoria que é um dom gratuito de Deus.
II
Mas que tipo de coisa é o dom da sabedoria de Deus? Que efeito produz no homem?
Muitos se enganam neste ponto. Podemos tornar bem clara a natureza deste erro usando uma ilustração.
Se você ficar em pé no fim da plataforma de uma estação, observará um constante movimento de locomotivas e trens, e se você foi um entusiasta de ferrovias, isto fará com que fique grandemente fascinado. Mas você poderá apenas ter uma idéia geral e superficial dos planos gerais em que se baseia a determinação desses movimentos (o programa de operação estabelecido na tabela de horários, modificada, se necessário, de minuto a minuto de acordo com o movimento real dos trens). Se, entretanto, você tiver o privilégio de ser levado por algum chefe para dentro da cabina de comando, poderá observar numa grande parede o diagrama de toda a linha férrea por cerca de cinco milhas de distância dos dois lados da estação, com pequeninas luzes móveis ou paradas nos diferentes trilhos para mostrar ao sinaleiro apenas com um olhar onde cada máquina ou trem se encontra.
Você poderá observar imediatamente a situação geral através dos olhos dos homens que a controlam; verá no diagrama porque um trem recebeu um sinal de parada, outro foi desviado de seus trilhos normais, e outro ainda, estacionou temporariamente em uma linha lateral. O porquê e a razão de todos esses movimentos tornam-se claros uma vez que você possa observar a situação geral.
O erro comumente feito, porém, é supor que esta é uma ilustração do que Deus faz quando nos dá sabedoria; em outras palavras, supor que o dom da sabedoria consiste em uma visão mais profunda do significado e propósitos providenciais dos acontecimentos que se desenrolam ao nosso redor. Uma capacidade de ver porque Deus agiu de tal modo em um determinado caso, e o que fará a seguir. As pessoas sentem que se estivessem realmente andando junto a Deus de modo que Ele pudesse conceder-lhes livremente a sabedoria, estariam por assim dizer, na cabina de comando. Descobririam o propósito real de tudo que lhes acontece e ficaria claro para elas em todos os momentos como Deus está agindo para que todas as coisas aconteçam para o bem. Tais pessoas gastam muito tempo debruçadas sobre o livro da providência, imaginando porque Deus permitiu que isto ou aquilo acontecesse; se deveriam tomar isso como sinal para deixar de fazer alguma coisa e começar a agir de outro modo, ou o que devem deduzir disso tudo. Se no final ficam frustradas, tomam isso como sua própria falta de espiritualidade.
Os cristãos que sofrem de depressão física, mental ou espiritual (noite, são três coisas diferentes!), podem ficar quase loucos com este tipo de indagação inútil. Porque é na realidade inútil, não tenha qualquer dúvida a respeito. É verdade que quando Deus nos dirige pela aplicação de princípios, poderá em alguma ocasião confirmá-la por providências incomuns que reconhecemos imediatamente como sinais confirmatórios. Mas isto é bem diferente do que tentar extrair uma mensagem sobre os propósitos secretos de Deus através de todas as coisas incomuns que nos possam acontecer. Assim, em lugar do dom da sabedoria consistir no poder para fazer isso, o dom realmente pressupõe nossa incapacidade consciente para fazê-lo, como veremos a seguir.
III
Perguntamos mais uma vez: Com que finalidade Deus nos proporciona o dom da sabedoria? Que espécie de dom é esse?
Se me permitem usar outra ilustração sobre transporte, é como aprender a dirigir. O que interessa quando se dirige é a velocidade, a sua reação apropriada às coisas, e a firmeza de seu julgamento a respeito da oportunidade que a situação oferece. Você não fica se perguntando porque a estrada deveria ser estreita ou cheia de curvas justamente naquele lugar, nem porque aquele caminhão deveria estar estacionado onde está, nem porque a senhora (ou o cavalheiro) na frente dirige como se fosse o dono da estrada, você simplesmente tenta ver e tomar a atitude certa naquela situação como ela se apresenta. O efeito da sabedoria divina é capacitar a você e a mim para fazer exatamente a mesma coisa nas situações reais da vida diária.
Para dirigir bem você deve ficar atento para notar com exatidão o que está à sua frente. Para viver sabiamente você precisa ter uma visão clara e real da vida como ela realmente é. A sabedoria não combina com ilusões confortadoras, falsos sentimentos ou o uso de óculos cor-de-rosa. A maioria de nós vive em um mundo de sonhos, com a cabeça nas nuvens e os pés fora do chão; nunca vemos o mundo e nossas vidas nele como realmente são. Esta irrealidade arraigada e pecaminosa é uma das razões de haver tão pouca sabedoria entre nós, mesmo entre os mais fundamentalistas e ortodoxos. É preciso mais do que sã doutrina para nos curar da irrealidade. Há, entretanto, um livro na Bíblia que é expressamente indicado para nos tornar realistas: o livro de Eclesiastes. Devemos prestar mais atenção à sua mensagem do que normalmente o fazemos. Vejamos agora, por um momento, qual é essa mensagem.
IV
"Eclesiastes" (o título grego correspondente ao hebreu ) significa simplesmente "o pregador", e o livro é um sermão, com o texto ("vaidade de vaidades. . . " 1:2; 12:8), uma exposição de seu tema (caps. 1-10), e uma aplicação. (caps. 11-12:7). Muitas das exposições são autobiográficas. se identifica como o "filho de Davi, rei de Jerusalém" (1:1). Se isso quer dizer que o próprio Salomão era o pregador, ou que o pregador pôs seu sermão nas palavras de Salomão como um artifício didático, como estudiosos tão conservadores como Hengsterberg e E. J. Young têm argumentado, não nos deve preocupar. O sermão é certamente salomônico no sentido de que ensina lições que Salomão teve oportunidades singulares para aprender.
"Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! tudo é vaidade". Com que espírito e com que propósito o pregador anuncia este texto? Trata-se da confissão de um cínico amargurado, "um velho homem do mundo, egoísta e calejado que nada encontrou no final além de triste desilusão" (W. H. Elliot), e que agora procura compartilhar conosco sua idéia sobre o pouco valor e torpeza da vida? Ou está nos falando como um evangelista, tentando fazer com que os descrentes compreendam que é impossível encontrar a felicidade "debaixo do sol", longe de Deus? Nenhuma das duas é a resposta, embora a segunda sugestão não esteja tão longe do objetivo quanto a primeira.
O autor fala como um professor maduro transmitindo ao jovem aluno os frutos de sua longa experiência e reflexão (11:9 ; 12:1,12). Ele quer levar este jovem crente à verdadeira sabedoria e protegê-lo para que não caia no engano da "cabina de sinalização". Aparentemente o jovem (como muitos depois dele) estava inclinado a confundir sabedoria com grande conhecimento e a supor que se adquire a sabedoria pelo estudo contínuo (12:12). Claramente ele afirma que a sabedoria, quando adquirida, o levaria a saber das razões das diversas atitudes de Deus no curso normal da providência. O que o pregador quer mostrar a ele é que a base real da sabedoria é o reconhecimento sincero de que o curso do mundo é enigmático, que muitas das coisas que acontecem são inexplicáveis e muitas das ocorrências "debaixo do sol" não têm qualquer sinal exterior de uma ordem racional e moral para elas. Como o próprio sermão demonstra, o texto é planejado como uma advertência contra o modo errado de se buscar o entendimento, pois apresenta a conclusão desanimadora a que deve afinal chegar essa busca, se for feita com sinceridade e realismo. Podemos formular a mensagem do sermão como segue:
Veja (diz o pregador) em que tipo de mundo vivemos. Tire seus óculos cor-de-rosa, esfregue os olhos e olhe bem e longamente. O que você vê? Vê o cenário da vida determinado por ciclos periódicos na natureza que parecem não ter propósito (1:4). Vê sua forma fixada por tempos e circunstâncias sobre as quais não temos controle algum (3:1; 9: 11). Vê a morte chegando casualmente para todos, mais cedo ou mais tarde, e sua vinda não tem relação alguma com qualquer merecimento, seja ele bom ou mau (7:15; 8:8). Os homens morrem como os animais (3:19), tanto os bons como os maus, tanto os sábios como os ignorantes (2:14, 17; 9:2). Você vê o mal crescendo desmedidamente (3:16; 4:1; 5:8; 8:11; 9:3 ), os patifes prosperando, mas não assim os justos (8:14). Vendo tudo isso, você percebe como a disposição que Deus dá aos acontecimentos é inescrutável; por mais que queira entender você não pode fazê-lo (3:11; 7:13; 8:17; 11:5) . Quanto maior for seu esforço para entender o propósito divino na decorrência normal dos acontecimentos, mais obcecado e oprimido ficará com a aparente falta de propósito de tudo, e mais tentado ficará a concluir que a vida na verdade não tem razão de ser.
Mas, uma vez que você tenha chegado à conclusão de que realmente não há ritmo ou razão nas coisas, que "proveito" – valor, lucro, ponto, propósito – poderá encontrar então para qualquer atividade construtiva? (1:3; 2:11,22; 3:9; 5:16). Se a vida é sem sentido, não tem da mesma forma valor algum e, neste caso, qual a vantagem de trabalhar para criar coisas, desenvolver um negócio, ganhar dinheiro, e mesmo buscar a sabedoria – pois nada disso trará qualquer benefício (2:15, 22; 5:11); apenas fará com que você seja motivo de inveja (4:4), você não poderá levar qualquer dessas coisas consigo (2:18, 4:8; 5:15) e aquilo que deixar aqui, provavelmente será mal dirigido depois de sua partida (2:19). Que vantagem há, portanto, em suar e trabalhar tanto? Não deve todo o trabalho do homem ser julgado "vaidade (frustração, vazio) e correr atrás do vento" (1:14)? – atividade essa que não podemos justificar como tendo qualquer valor em si mesma ou para nós? É a esta conclusão pessimista, diz o pregador, que a expectativa otimista de descobrir o propósito divino em todas as coisas finalmente o levará (1:17). E é claro que ele está certo, pois o mundo em que vivemos é de fato o tipo de lugar que ele nos descreveu. O Deus que rege tudo se esconde. Raramente este mundo se parece com um lugar que esteja sendo dirigido por uma Providência benevolente. Raramente parece haver um poder racional por trás dele. Repetidas vezes o que é sem valor sobrevive enquanto o que tem valor perece. Seja realista, diz o pregador, enfrente estes fatos, veja a vida como ela é. Você não terá a verdadeira sabedoria enquanto não fizer isso.
Muitos de nós precisamos desta admoestação, pois não apenas o nosso conceito é aquele da "cabina de sinalização", a respeito da sabedoria, como também sentimos que para a honra de Deus (e também, embora não digamos isso, por causa de nossa própria reputação como cristãos espirituais) é necessário que afirmemos que já estamos, por assim dizer, na cabina de sinal, aqui e agora, gozando das informações internas de como e por que Deus está agindo de tal e tal maneira. Esta confortadora pretensão se torna parte de nós, temos a certeza de que Deus nos capacitou para entendermos todas as suas atitudes para conosco e para com os que nos rodeiam, e nos sentimos seguros de que seremos capazes de ver rapidamente as razões para tudo o que nos possa acontecer no futuro. E então alguma coisa inexplicável e muito dolorosa nos acontece e nossa alegre ilusão de participar do conselho secreto de Deis é abalada. Nosso orgulho é ferido, sentimos que Deus nos desprezou, e a menos que neste ponto nos arrependamos e nos humilhemos completamente pela nossa antiga presunção, toda a nossa vida espiritual futura pode ser arruinada.
Entre os sete pecados mortais da tradição medieval estava a preguiça (accidie) – um estado de apatia espiritual obstinada e sem alegria. Há muito disso nos círculos cristãos de hoje; os sintomas são inércia espiritual pessoal combinada com crítica cínica sobre as igrejas e ressentimentos desdenhosos pela iniciativa e empreendimento dos outros cristãos. Atrás dessa condição. mórbida e mortal freqüentemente encontramos o orgulho ferido de alguém que pensou saber tudo a respeito de como Deus age, e precisou aprender que não sabia nada através de uma amarga e surpreendente experiência. Isto é o que acontece quando não se dá atenção à mensagem de Eclesiastes. Pois a verdade é que Deus na sua sabedoria, para manter-nos humildes e para nos ensinar a andar pela fé, escondeu de nós quase tudo o que gostaríamos de saber a respeito do propósito providencial que Ele está realizando nas igrejas e em nossas próprias vidas. "Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas" (11:5).
Mas, nesse caso, o que é sabedoria? O pregador nos ajudou a ver o que ela não é; será que nos dará alguma outra orientação sobre o que ela é? Na verdade ele pelo menos nos dá um esboço, "Teme a Deus e guarda os seus mandamentos" (12:13); confie nEle e O obedeça, respeite-O e O adore, seja humilde diante dEle e nunca diga mais do que o necessário e do que pretende cumprir quando ora diante dele (5:1-7); faça o bem (3:12); lembre-se de que Deus algum dia lhe pedirá contas (11:9; 12:14); evite então, mesmo em segredo, coisas das quais se sentirá envergonhado quando vierem à luz, quando Deus vier julgar (12:14). Viva no presente, e goze completamente a sua condição (7:14; 9:7; 11:9); as alegrias de agora são os bons presentes de Deus. Embora Eclesiastes condene a leviandade (7:4-6) ele claramente não tem tempo para a superespiritualidade que é muito orgulhosa ou "piedosa" para poder rir ou se alegrar. Busque a graça para realizar corretamente qualquer coisa que a vida lhe ofereça (9:10) e tenha prazer nesse trabalho ( 2:24; 3:12; 5:18; 8:15). Deixe os resultados por conta de Deus; deixe que Ele os avalie; a sua parte é usar todo o bom senso e criatividade a seu comando para explorar as oportunidades que estão à sua frente (11:1-6).
Isto é sabedoria. Fica claro que não passa de um dos aspectos da vida de fé. Pois, o que a firma e sustenta? A convicção de que o inescrutável Deus da providência é o sábio e gracioso Deus da criação e da redenção. Podemos estar seguros de que o Deus que fez este mundo tão complexo e maravilhosamente ordenado, que proporcionou a grande redenção do Egito e mais tarde a redenção ainda maior do pecado e de Satanás, sabe o que está fazendo, e "faz tudo bem feito" mesmo que no momento mantenha oculta a sua mão. Podemos confiar e nos regozijar nEle, mesmo quando não pudermos discernir seus caminhos. Assim o caminho do pregador para a sabedoria se resume naquilo que foi expresso pelo poeta sacro:
Ó minha alma, espera em teu Senhor!
Tudo lhe confia, é teu Salvador!
O sol fugiu! Não há arrebol!
Mas depois do inverno vem de novo o sol!
Na tempestade, em hora cruel,
Ele te protege, o Pai fiel!
V
Essa é então a sabedoria com a qual Deus nos torna sábios. E nossa análise dela mostra ainda mais a sabedoria do Deus que a concede. Dissemos que a sabedoria consiste em saber escolher os melhores meios para atingir os melhores fins. A ação de Deus dando-nos a sabedoria é o modo por Ele escolhido para restaurar e aperfeiçoar o relacionamento entre Ele mesmo e os homens, que para isso foram criados.
Para que Ele nos dá essa sabedoria? Como já vimos, não compartilhamos de seus conhecimentos, mas trata-se de uma disposição para confessar que Ele é sábio, apegarmo-nos a Ele e viver para Ele na luz de sua palavra, através de todas as dificuldades.
Assim, o resultado de Seu dom da sabedoria é tornar-nos mais humildes, mais alegres, mais piedosos, mais rápidos em compreender a vontade, mais resolutos em realizá-la e menos preocupados (não menos sensíveis, mas menos confusos) do que ficamos nas situações dolorosas e obscuras que enfrentamos neste mundo pecaminoso. O Novo Testamento nos fala que o fruto da sabedoria é a semelhança com Cristo: paz, humildade e amor (Tia. 3:17) – e a raiz disso é a fé em Cristo (I Cor. 3:8; 1 Tim. 3:15) como a manifestação da sabedoria de Deus (I Cor. 1:24, 30). Dessa forma, o tipo de sabedoria que Deus espera dar àqueles que pedirem, é a sabedoria que nos une a Ele, que encontrará expressão em um espírito de fé e uma vida de felicidade.
Procuremos então fazer com que a nossa busca de sabedoria tome a forma da busca por essas coisas, e não frustremos o sábio propósito de Deus negligenciando a fé e a fidelidade, a fim de procurar um tipo de conhecimento que não nos será dado neste mundo.
ELE DARÁ TESTEMUNHO
I
"Glória ao Pai", canta-se nas igrejas, "e ao Filho e ao Espírito Santo". Perguntamos, qual o significado disso? Louvamos a três deuses? Não – louvamos um único Deus em três pessoas.
Jeová! Pai, Espírito, Filho!
Trindade oculta! Três em um!
Este é o Deus que os cristãos adoram – o Jeová Triúno. O centro da fé cristã em Deus, a revelação do mistério da Trindade. Trinitas é uma palavra latina que significa trindade. O cristianismo se apoia na doutrina da Trinitas, a trindade, a tripersonalidade de Deus.
Geralmente se pensa na doutrina da Trindade, justamente por causa de seu mistério, como se fosse uma velharia teológica que podemos perfeitamente dispensar. Nossa prática certamente parece refletir essa idéia. O Livro de Orações da Igreja da Inglaterra determina treze ocasiões durante o ano quando o Credo de Atanásio, a afirmação clássica dessa doutrina, deve ser recitado em cultos públicos, mas é raro que seja usado pelo menos uma vez. O pregador anglicano comum nunca fala sobre a Trindade, a não ser talvez, no domingo da Trindade; os ministros não-conformistas que não observam esse domingo especial não falam sobre ela em tempo algum. Fica-se pensando no que diria o apóstolo João a respeito de nossa prática, se estivesse aqui hoje, pois de acordo com ele a doutrina da Trindade é parte essencial do evangelho cristão.
Nas sentenças de abertura de seu evangelho, como vimos no último capítulo, João nos apresenta o mistério de duas pessoas distintas dentro da unidade de Deus. É sem dúvida um dos pontos mais profundos da teologia, mas João nos leva diretamente a ele. "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." O Verbo era uma pessoa relacionada com Deus, e o Verbo era, Ele mesmo, pessoal e eternamente divino. Ele era, como nos diz João, o único Filho do Pai. João define este mistério de um Deus em duas pessoas no início de seu evangelho porque sabe ser impossível que alguém entenda as palavras e as obras de Jesus de Nazaré enquanto não apreender o fato de que Jesus é, na verdade, o Filho de Deus.
Mas, não é apenas esta a intenção de João ao nos falar da pluralidade de pessoas na Divindade. Pois, em sua narrativa das últimas conversas do Senhor com seus discípulos, ele fala como o Salvador. tendo explicado que iria preparar um lugar para eles na casa de seu Pai, continuou prometendo-lhes a dádiva de "outro Consolador" (João 14:16). Note esta frase, ela é rica de significado. Indica uma pessoa, uma pessoa também notável. Um Consolador – a riqueza da idéia é vista pela variedade de interpretação em diferentes traduções: "conselheiro", "auxiliador", "advogado", "amigo". A idéia de encorajamento, apoio, assistência, cuidado, e a aceitação de responsabilidade pelo bem-estar alheio, tudo está implícito nessa palavra. Outro Consolador – sim, porque Jesus era o primeiro, e a função do outro que viesse seria continuar esta parte de seu ministério. Segue-se, portanto, que só podemos apreciar todo o significado das palavras de nosso Senhor ao se referir a "outro Consolador", quando nos recordamos de tudo aquilo que Ele mesmo fez em termos de amor, cuidado, paciente instrução e preocupação com o bem-estar de seus discípulos durante seus três anos de ministério pessoal junto a eles. Ele cuidará de vocês, era o que Cristo realmente queria dizer, do mesmo modo como Eu o tenho feito. Na verdade, uma pessoa notável!
Nosso Senhor foi além; dando um nome ao novo Consolador. Ele é "o Espírito", "o Espírito. Santo" (14:17, 26). Este nome denota santidade. No Velho Testamento, a Palavra de Deus e o Espírito de Deus são figuras paralelas. A Palavra de Deus é sua voz poderosa, o Espírito de Deus é seu alento. Ambas as frases se referem ao seu poder em ação. A palavra e o hálito do Senhor aparecem juntos na narrativa da criação. "O Espírito (hálito) de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus... e houve..." (Gên. 1:2) "Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro (Espírito) de sua boca o exército deles" (Sal. 33:6). João nos diz no prólogo que o Verbo divino aqui citado é uma pessoa. Nosso Senhor agora nos dá um ensinamento paralelo, com a finalidade de mostrar que o Espírito divino é também uma pessoa. E confirma seu testemunho. da divindade deste Espírito pessoal chamando-o de Santo Espírito, como mais tarde falaria sobre o Pai Santo (17:11).
Observe como Cristo relaciona a missão do Espírito com a vontade e o propósito do Pai e do Filho. Em um lugar, é o Pai que enviará o Espírito, como foi o Pai que enviou o Filho (veja 5:23, etc.). O Pai enviará o Espírito, diz nosso Senhor, "em meu nome" – isto é, como agente de Cristo., realizando. sua vontade e agindo como seu representante e com sua autoridade (14:26). Assim como Jesus veio em nome do Pai (5:43) agindo como representante do Pai e falando suas palavras (12:49), fazendo a obra do Pai (10:25, cf. 17:12) e dando testemunho completo dAquele de quem era emissário, assim o Espírito viria em nome de Jesus pala agir no mundo como agente e testemunha de Jesus. O Espírito "procede do (para: do lado do) Pai" (15:26 ), assim como anteriormente o Filho veio do (para) Pai" (16:27). Tendo enviado seu Filho eterno para o mundo, o Pai agora O leva para a glória e envia o Espírito para ficar em seu lugar.
Mas este é apenas um modo de ver o assunto. Em outro lugar, é o Filho que enviará o Espírito "da parte do Pai" (15:26). Assim como o Pai enviou o Filho ao mundo, também o Filho enviará o Espírito (16:7). O Espírito é mandado tanto pelo Filho como pelo Pai. Desse modo temos as seguintes formas de relacionamento:
1) O Filho é sujeito ao Pai, pois é enviado pelo Pai em seu (do Pai) nome.
2) O Espírito é sujeito ao Pai, pois o Espírito é enviado pelo Pai, em nome do Filho.
3) O Espírito é sujeito tanto ao Filho como ao Pai, pois é enviado tanto por um como por outro. (Compare 20:22, "soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo").
Desse modo João registra a revelação do Senhor sobre o mistério da Trindade: três pessoas e um Deus, o Filho realizando a vontade do Pai, e o Espírito a vontade do Pai e do Filho. E o aspecto ressaltado aqui é que o Espírito, que vem aos discípulos de Cristo "a fim de que esteja para sempre convosco" (14:16), vem para exercer o ministério da Consolação em lugar de Cristo. Se, antes o ministério de Cristo, o Consolador, era importante, o ministério do Espírito Santo, o Consolador, dificilmente pode ser menos importante. Se a obra realizada por Cristo foi importante para a Igreja, a obra do Espírito também o deve ser.
II
Essa impressão, entretanto, não transparece através da leitura da História da Igreja, tampouco observando a Igreja de hoje. É surpreendente ver como o ensino bíblico a respeito da segunda e da terceira pessoas é tratado de modo diferente. A pessoa e a obra de Cristo, têm sido, e continuam sendo, assunto de constante debate dentro da Igreja; todavia, a pessoa e a obra do Espírito Santo são constantemente ignoradas. A doutrina do Espírito Santo é a Cinderela das doutrinas cristãs. Poucos parecem estar interessados nela. Muitos livros excelentes já foram escritos sobre a pessoa e a obra de Cristo, mas o número de livros sobre o Espírito Santo que vale a pena ser lido praticamente pode ser contado nos dedos de uma das mãos. Os cristãos não têm dúvidas a respeito do que Cristo realizou; sabem que Ele redimiu a humanidade através de sua morte sacrifical, embora possam divergir entre si com respeito a tudo aquilo que esteja envolvido nela; mas o cristão comum está completamente no escuro sobre a atuação do Espírito Santo.
Alguns falam sobre o Espírito de Cristo como se estivessem falando do Espírito do Natal – como uma vaga pressão cultural que desperta a bondade e a religiosidade. Alguns pensam no Espírito como o inspirador de convicções morais dos descrentes, como Ghandi, ou do misticismo teosófico de Rudolf Steiner. Mas muitos, talvez, não pensam de modo algum no Espírito Santo e não têm qualquer idéia sobre o que Ele faz. Estes estão praticamente na mesma posição daqueles discípulos que Paulo encontrou em Éfeso – "nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo" (Atos 19:2).
É extraordinário que aqueles que demonstram tanta preocupação a respeito de Cristo tenham tão pouco interesse e conhecimento sobre o Espírito Santo. Os cristãos estão cientes da diferença que faria em suas vidas se, por acaso, transpirasse a idéia de que nunca houve uma encarnação ou uma expiação; sabem que então estariam perdidos, pois não haveria nenhum Salvador. Mas muitos cristãos não têm realmente idéia da diferença que fria no mundo se não estivesse aqui o Espírito Santo. Não sabem de que modo isso os poderia afetar ou à Igreja. Realmente alguma coisa está faltando aqui. Como podemos justificar a negligência com relação ao ministério do agente enviado por Cristo? Não será uma grande impostura dizer que honramos a Cristo quando ignoramos, e deste modo desonramos, aquele que Cristo nos enviou como seu representante, para tomar o seu lugar e cuidar de nós como Ele o faria? Será que não devemos nos concentrar mais no estudo do Espírito Santo do que temos feito até aqui?
III
Mas, a obra do Espírito Santo será realmente importante?
Importante! É tão importante que se não fosse pela ação do Espírito Santo não haveria evangelho, nem fé, nem Igreja, nem Cristianismo no mundo.
Em 1º lugar: Sem o Espírito Santo não haveria Evangelho nem Novo Testamento.
Quando Cristo deixou o mundo, entregou sua causa aos discípulos. Deu-lhes a responsabilidade de irem e fazerem discípulos em todas as nações: "E vós também testemunhareis", Ele lhes disse no cenáculo (João 15:27). "E sereis minhas testemunhas. . . até aos confins da terra" foram suas palavras de despedida a eles no monte das Oliveiras antes de sua ascensão. (Atos 1:8). Esta foi a tarefa que lhes deixou, mas que tipo de testemunhas seriam? Não tinham sido bons alunos; constantemente não conseguiam entender a Cristo, e não compreenderam a razão de seus ensinamentos durante o seu ministério na Terra, como se poderia esperar que fossem melhores agora, depois que Ele havia partido? Não era certo que embora com a melhor boa vontade deste mundo, eles logo estariam misturando a verdade do evangelho com uma série de equívocos bem-intencionados, e seu testemunho seria rapidamente reduzido a uma confusão irremediavelmente distorcida e deturpada?
A resposta a essa pergunta é negativa, porque Cristo enviou o Espírito Santo para ensinar a eles todas as verdades, livrando-os de erros, recordando o que já haviam aprendido e revelando-lhes o resto daquilo que o Senhor queria que aprendessem. "O Consolador... vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (João 14:26). "Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora, quando vier porém o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo mas dirá tudo o que tiver ouvido" (isto é, Ele faria conhecido a eles tudo o que Cristo Lhe dissesse, do mesmo modo como Cristo lhes havia mostrado aquilo que o Pai queria que Ele transmitisse - veja João 12:49, 17:8, 14), "e vos anunciará as causas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar" (16:12-li). Deste modo "ele dará testemunho de mim (a vocês, meus discípulos, a quem O enviarei), e (equipados e capacitados pela sua atuação) vós também testemunhareis . . . " (15:26, 27).
A promessa era que, ensinados pelo Espírito, esses primeiros discípulos seriam capacitados como porta-vozes de Cristo, e do mesmo modo como no Velho Testamento os profetas começavam seus sermões com as palavras: "Assim diz o Senhor Jeová", no Novo Testamento, os apóstolos poderiam, com igual autoridade, afirmar em seus ensinamentos orais ou escritos: "Assim diz o Senhor Jesus Cristo".
E foi o que aconteceu. O Espírito veio sobre os discípulos e deu testemunho a eles sobre Cristo e sua salvação de acordo com a promessa feita. Falando das glórias desta salvação ("as coisas... que Deus preparou para os que O amam" ) Paulo escreve "Deus no-lo revelou pelo Espírito ... mas nós temos recebido... o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos (e ele poderia ter acrescentado, escrevemos) não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito" (I Cor. 2:9-13). O Espírito testificou aos apóstolos revelando-lhes toda a verdade e inspirando-os a transmiti-la com toda a fidelidade. Por essa razão temos o evangelho e o Novo Testamento. Mas o mundo não teria nenhum dos dois sem o Espírito Santo. E isso não é tudo.
Em 2º lugar: Sem o Espírito Santo não haveria fé, nem novo nascimento – em resumo, não haveria cristãos.
A luz do evangelho brilha; mas "o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos" (II Cor. 4:4), e o cego não reage ao estímulo da luz. Como Cristo explicou a Nicodemos: "Se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de, Deus. . . não pode entrar no reino de Deus" (João 3:3, 5). Falando por Si mesmo e por Seus discípulos a Nicodemos, e a toda classe de pessoas religiosas não regeneradas, à qual Nicodemos pertencia, Cristo continuou explicando que a conseqüência inevitável da não regeneração é a descrença "Não aceitais o nosso testemunho" (v. 11) O evangelho não produziu qualquer convicção neles; a incredulidade os mantinha irredutíveis.
O que aconteceu então? Devemos concluir que é perda de tempo pregar o evangelho, e que a evangelização deve ser riscada como um empreendimento sem esperança, fadado ao fracasso? Não; porque o Espírito habita com a Igreja para dar testemunho de Cristo. Aos apóstolos, como já vimos, ele se manifestou revelando e inspirando. Aos outros homens, durante séculos tem-se manifestado iluminando, abrindo os olhos vendados, restaurando a visão espiritual, capacitando os pecadores a verem que o evangelho é realmente a verdade de Deus, e as Escrituras são a Palavra de Deus, e Cristo é verdadeiramente o Filho de Deus. "E quando Ele (o Espírito) vier", o Senhor prometeu, "convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo" (16:8). Não devemos pensar que podemos provar a verdade do cristianismo por meio dos nossos próprios argumentos; ninguém, a não ser o Espírito Santo, pela sua própria obra poderosa de renovação do coração endurecido, pode provar essa verdade.
É prerrogativa soberana do Espírito Santo de Cristo convencer a consciência dos homens sobre a verdade do evangelho de Cristo; e a testemunha humana de Cristo deve aprender a basear sua esperança de sucesso não em brilhantes apresentações da verdade pelo homem, mas na poderosa demonstração da verdade pelo Espírito. Paulo mostra o caminho. "E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria... A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder. Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus" (I Cor. 2:1-5). E como o Espírito se manifesta deste modo, os homens crêem quando o evangelho é pregado. Mas sem o Espírito não haveria um só cristão no mundo.
IV
Honramos o Espírito Santo, reconhecendo a sua obra e confiando nela? Ou O desprezamos, ignorando essa atuação, e desonrando deste modo, não só o Espírito, mas o Senhor que O enviou? Em nossa fé, reconhecemos a autoridade da Bíblia, o Velho Testamento profético e o Novo Testamento apostólico que Ele inspirou? Nós o lemos e ouvimos com a reverência e receptividade devidas à Palavra de Deus? Se não o fazemos, desonramos o Espírito Santo. Em nossa vida: aceitamos a autoridade da Bíblia e vivemos por ela, não nos importando com o que os homens dizem contra ela; reconhecendo que a Palavra de Deus não pode deixar de ser verdadeira e o que Deus disse tem um propósito, e Ele manterá sua palavra? Se não o fazemos desonramos o Espírito Santo que nos deu a Bíblia. Em nosso testemunho: lembramo-nos de que apenas o Espírito Santo pelo seu testemunho pode tornar autêntico o nosso, esperamos que Ele o faça, e confiamos que Ele o fará, demonstrando realmente nossa confiança como Paulo o fez, abstendo-se de demonstrações de sabedoria humana? Se não agirmos assim, estaremos desonrando o Espírito Santo. Podemos ter alguma dúvida de que a atual esterilidade na vida da Igreja é o julgamento de Deus a nosso respeito pelo modo como temos desonrado o Espírito Santo? E, neste caso, que esperança podemos ter de sua remoção, até que aprendamos a louvar o Espírito Santo em nossos pensamentos, nossas orações e na prática? "Ele testificará. . . "
"Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas."
"Glória ao Pai", canta-se nas igrejas, "e ao Filho e ao Espírito Santo". Perguntamos, qual o significado disso? Louvamos a três deuses? Não – louvamos um único Deus em três pessoas.
Jeová! Pai, Espírito, Filho!
Trindade oculta! Três em um!
Este é o Deus que os cristãos adoram – o Jeová Triúno. O centro da fé cristã em Deus, a revelação do mistério da Trindade. Trinitas é uma palavra latina que significa trindade. O cristianismo se apoia na doutrina da Trinitas, a trindade, a tripersonalidade de Deus.
Geralmente se pensa na doutrina da Trindade, justamente por causa de seu mistério, como se fosse uma velharia teológica que podemos perfeitamente dispensar. Nossa prática certamente parece refletir essa idéia. O Livro de Orações da Igreja da Inglaterra determina treze ocasiões durante o ano quando o Credo de Atanásio, a afirmação clássica dessa doutrina, deve ser recitado em cultos públicos, mas é raro que seja usado pelo menos uma vez. O pregador anglicano comum nunca fala sobre a Trindade, a não ser talvez, no domingo da Trindade; os ministros não-conformistas que não observam esse domingo especial não falam sobre ela em tempo algum. Fica-se pensando no que diria o apóstolo João a respeito de nossa prática, se estivesse aqui hoje, pois de acordo com ele a doutrina da Trindade é parte essencial do evangelho cristão.
Nas sentenças de abertura de seu evangelho, como vimos no último capítulo, João nos apresenta o mistério de duas pessoas distintas dentro da unidade de Deus. É sem dúvida um dos pontos mais profundos da teologia, mas João nos leva diretamente a ele. "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." O Verbo era uma pessoa relacionada com Deus, e o Verbo era, Ele mesmo, pessoal e eternamente divino. Ele era, como nos diz João, o único Filho do Pai. João define este mistério de um Deus em duas pessoas no início de seu evangelho porque sabe ser impossível que alguém entenda as palavras e as obras de Jesus de Nazaré enquanto não apreender o fato de que Jesus é, na verdade, o Filho de Deus.
Mas, não é apenas esta a intenção de João ao nos falar da pluralidade de pessoas na Divindade. Pois, em sua narrativa das últimas conversas do Senhor com seus discípulos, ele fala como o Salvador. tendo explicado que iria preparar um lugar para eles na casa de seu Pai, continuou prometendo-lhes a dádiva de "outro Consolador" (João 14:16). Note esta frase, ela é rica de significado. Indica uma pessoa, uma pessoa também notável. Um Consolador – a riqueza da idéia é vista pela variedade de interpretação em diferentes traduções: "conselheiro", "auxiliador", "advogado", "amigo". A idéia de encorajamento, apoio, assistência, cuidado, e a aceitação de responsabilidade pelo bem-estar alheio, tudo está implícito nessa palavra. Outro Consolador – sim, porque Jesus era o primeiro, e a função do outro que viesse seria continuar esta parte de seu ministério. Segue-se, portanto, que só podemos apreciar todo o significado das palavras de nosso Senhor ao se referir a "outro Consolador", quando nos recordamos de tudo aquilo que Ele mesmo fez em termos de amor, cuidado, paciente instrução e preocupação com o bem-estar de seus discípulos durante seus três anos de ministério pessoal junto a eles. Ele cuidará de vocês, era o que Cristo realmente queria dizer, do mesmo modo como Eu o tenho feito. Na verdade, uma pessoa notável!
Nosso Senhor foi além; dando um nome ao novo Consolador. Ele é "o Espírito", "o Espírito. Santo" (14:17, 26). Este nome denota santidade. No Velho Testamento, a Palavra de Deus e o Espírito de Deus são figuras paralelas. A Palavra de Deus é sua voz poderosa, o Espírito de Deus é seu alento. Ambas as frases se referem ao seu poder em ação. A palavra e o hálito do Senhor aparecem juntos na narrativa da criação. "O Espírito (hálito) de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus... e houve..." (Gên. 1:2) "Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro (Espírito) de sua boca o exército deles" (Sal. 33:6). João nos diz no prólogo que o Verbo divino aqui citado é uma pessoa. Nosso Senhor agora nos dá um ensinamento paralelo, com a finalidade de mostrar que o Espírito divino é também uma pessoa. E confirma seu testemunho. da divindade deste Espírito pessoal chamando-o de Santo Espírito, como mais tarde falaria sobre o Pai Santo (17:11).
Observe como Cristo relaciona a missão do Espírito com a vontade e o propósito do Pai e do Filho. Em um lugar, é o Pai que enviará o Espírito, como foi o Pai que enviou o Filho (veja 5:23, etc.). O Pai enviará o Espírito, diz nosso Senhor, "em meu nome" – isto é, como agente de Cristo., realizando. sua vontade e agindo como seu representante e com sua autoridade (14:26). Assim como Jesus veio em nome do Pai (5:43) agindo como representante do Pai e falando suas palavras (12:49), fazendo a obra do Pai (10:25, cf. 17:12) e dando testemunho completo dAquele de quem era emissário, assim o Espírito viria em nome de Jesus pala agir no mundo como agente e testemunha de Jesus. O Espírito "procede do (para: do lado do) Pai" (15:26 ), assim como anteriormente o Filho veio do (para) Pai" (16:27). Tendo enviado seu Filho eterno para o mundo, o Pai agora O leva para a glória e envia o Espírito para ficar em seu lugar.
Mas este é apenas um modo de ver o assunto. Em outro lugar, é o Filho que enviará o Espírito "da parte do Pai" (15:26). Assim como o Pai enviou o Filho ao mundo, também o Filho enviará o Espírito (16:7). O Espírito é mandado tanto pelo Filho como pelo Pai. Desse modo temos as seguintes formas de relacionamento:
1) O Filho é sujeito ao Pai, pois é enviado pelo Pai em seu (do Pai) nome.
2) O Espírito é sujeito ao Pai, pois o Espírito é enviado pelo Pai, em nome do Filho.
3) O Espírito é sujeito tanto ao Filho como ao Pai, pois é enviado tanto por um como por outro. (Compare 20:22, "soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo").
Desse modo João registra a revelação do Senhor sobre o mistério da Trindade: três pessoas e um Deus, o Filho realizando a vontade do Pai, e o Espírito a vontade do Pai e do Filho. E o aspecto ressaltado aqui é que o Espírito, que vem aos discípulos de Cristo "a fim de que esteja para sempre convosco" (14:16), vem para exercer o ministério da Consolação em lugar de Cristo. Se, antes o ministério de Cristo, o Consolador, era importante, o ministério do Espírito Santo, o Consolador, dificilmente pode ser menos importante. Se a obra realizada por Cristo foi importante para a Igreja, a obra do Espírito também o deve ser.
II
Essa impressão, entretanto, não transparece através da leitura da História da Igreja, tampouco observando a Igreja de hoje. É surpreendente ver como o ensino bíblico a respeito da segunda e da terceira pessoas é tratado de modo diferente. A pessoa e a obra de Cristo, têm sido, e continuam sendo, assunto de constante debate dentro da Igreja; todavia, a pessoa e a obra do Espírito Santo são constantemente ignoradas. A doutrina do Espírito Santo é a Cinderela das doutrinas cristãs. Poucos parecem estar interessados nela. Muitos livros excelentes já foram escritos sobre a pessoa e a obra de Cristo, mas o número de livros sobre o Espírito Santo que vale a pena ser lido praticamente pode ser contado nos dedos de uma das mãos. Os cristãos não têm dúvidas a respeito do que Cristo realizou; sabem que Ele redimiu a humanidade através de sua morte sacrifical, embora possam divergir entre si com respeito a tudo aquilo que esteja envolvido nela; mas o cristão comum está completamente no escuro sobre a atuação do Espírito Santo.
Alguns falam sobre o Espírito de Cristo como se estivessem falando do Espírito do Natal – como uma vaga pressão cultural que desperta a bondade e a religiosidade. Alguns pensam no Espírito como o inspirador de convicções morais dos descrentes, como Ghandi, ou do misticismo teosófico de Rudolf Steiner. Mas muitos, talvez, não pensam de modo algum no Espírito Santo e não têm qualquer idéia sobre o que Ele faz. Estes estão praticamente na mesma posição daqueles discípulos que Paulo encontrou em Éfeso – "nem mesmo ouvimos que existe Espírito Santo" (Atos 19:2).
É extraordinário que aqueles que demonstram tanta preocupação a respeito de Cristo tenham tão pouco interesse e conhecimento sobre o Espírito Santo. Os cristãos estão cientes da diferença que faria em suas vidas se, por acaso, transpirasse a idéia de que nunca houve uma encarnação ou uma expiação; sabem que então estariam perdidos, pois não haveria nenhum Salvador. Mas muitos cristãos não têm realmente idéia da diferença que fria no mundo se não estivesse aqui o Espírito Santo. Não sabem de que modo isso os poderia afetar ou à Igreja. Realmente alguma coisa está faltando aqui. Como podemos justificar a negligência com relação ao ministério do agente enviado por Cristo? Não será uma grande impostura dizer que honramos a Cristo quando ignoramos, e deste modo desonramos, aquele que Cristo nos enviou como seu representante, para tomar o seu lugar e cuidar de nós como Ele o faria? Será que não devemos nos concentrar mais no estudo do Espírito Santo do que temos feito até aqui?
III
Mas, a obra do Espírito Santo será realmente importante?
Importante! É tão importante que se não fosse pela ação do Espírito Santo não haveria evangelho, nem fé, nem Igreja, nem Cristianismo no mundo.
Em 1º lugar: Sem o Espírito Santo não haveria Evangelho nem Novo Testamento.
Quando Cristo deixou o mundo, entregou sua causa aos discípulos. Deu-lhes a responsabilidade de irem e fazerem discípulos em todas as nações: "E vós também testemunhareis", Ele lhes disse no cenáculo (João 15:27). "E sereis minhas testemunhas. . . até aos confins da terra" foram suas palavras de despedida a eles no monte das Oliveiras antes de sua ascensão. (Atos 1:8). Esta foi a tarefa que lhes deixou, mas que tipo de testemunhas seriam? Não tinham sido bons alunos; constantemente não conseguiam entender a Cristo, e não compreenderam a razão de seus ensinamentos durante o seu ministério na Terra, como se poderia esperar que fossem melhores agora, depois que Ele havia partido? Não era certo que embora com a melhor boa vontade deste mundo, eles logo estariam misturando a verdade do evangelho com uma série de equívocos bem-intencionados, e seu testemunho seria rapidamente reduzido a uma confusão irremediavelmente distorcida e deturpada?
A resposta a essa pergunta é negativa, porque Cristo enviou o Espírito Santo para ensinar a eles todas as verdades, livrando-os de erros, recordando o que já haviam aprendido e revelando-lhes o resto daquilo que o Senhor queria que aprendessem. "O Consolador... vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (João 14:26). "Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora, quando vier porém o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque não falará por si mesmo mas dirá tudo o que tiver ouvido" (isto é, Ele faria conhecido a eles tudo o que Cristo Lhe dissesse, do mesmo modo como Cristo lhes havia mostrado aquilo que o Pai queria que Ele transmitisse - veja João 12:49, 17:8, 14), "e vos anunciará as causas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar" (16:12-li). Deste modo "ele dará testemunho de mim (a vocês, meus discípulos, a quem O enviarei), e (equipados e capacitados pela sua atuação) vós também testemunhareis . . . " (15:26, 27).
A promessa era que, ensinados pelo Espírito, esses primeiros discípulos seriam capacitados como porta-vozes de Cristo, e do mesmo modo como no Velho Testamento os profetas começavam seus sermões com as palavras: "Assim diz o Senhor Jeová", no Novo Testamento, os apóstolos poderiam, com igual autoridade, afirmar em seus ensinamentos orais ou escritos: "Assim diz o Senhor Jesus Cristo".
E foi o que aconteceu. O Espírito veio sobre os discípulos e deu testemunho a eles sobre Cristo e sua salvação de acordo com a promessa feita. Falando das glórias desta salvação ("as coisas... que Deus preparou para os que O amam" ) Paulo escreve "Deus no-lo revelou pelo Espírito ... mas nós temos recebido... o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos (e ele poderia ter acrescentado, escrevemos) não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito" (I Cor. 2:9-13). O Espírito testificou aos apóstolos revelando-lhes toda a verdade e inspirando-os a transmiti-la com toda a fidelidade. Por essa razão temos o evangelho e o Novo Testamento. Mas o mundo não teria nenhum dos dois sem o Espírito Santo. E isso não é tudo.
Em 2º lugar: Sem o Espírito Santo não haveria fé, nem novo nascimento – em resumo, não haveria cristãos.
A luz do evangelho brilha; mas "o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos" (II Cor. 4:4), e o cego não reage ao estímulo da luz. Como Cristo explicou a Nicodemos: "Se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de, Deus. . . não pode entrar no reino de Deus" (João 3:3, 5). Falando por Si mesmo e por Seus discípulos a Nicodemos, e a toda classe de pessoas religiosas não regeneradas, à qual Nicodemos pertencia, Cristo continuou explicando que a conseqüência inevitável da não regeneração é a descrença "Não aceitais o nosso testemunho" (v. 11) O evangelho não produziu qualquer convicção neles; a incredulidade os mantinha irredutíveis.
O que aconteceu então? Devemos concluir que é perda de tempo pregar o evangelho, e que a evangelização deve ser riscada como um empreendimento sem esperança, fadado ao fracasso? Não; porque o Espírito habita com a Igreja para dar testemunho de Cristo. Aos apóstolos, como já vimos, ele se manifestou revelando e inspirando. Aos outros homens, durante séculos tem-se manifestado iluminando, abrindo os olhos vendados, restaurando a visão espiritual, capacitando os pecadores a verem que o evangelho é realmente a verdade de Deus, e as Escrituras são a Palavra de Deus, e Cristo é verdadeiramente o Filho de Deus. "E quando Ele (o Espírito) vier", o Senhor prometeu, "convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo" (16:8). Não devemos pensar que podemos provar a verdade do cristianismo por meio dos nossos próprios argumentos; ninguém, a não ser o Espírito Santo, pela sua própria obra poderosa de renovação do coração endurecido, pode provar essa verdade.
É prerrogativa soberana do Espírito Santo de Cristo convencer a consciência dos homens sobre a verdade do evangelho de Cristo; e a testemunha humana de Cristo deve aprender a basear sua esperança de sucesso não em brilhantes apresentações da verdade pelo homem, mas na poderosa demonstração da verdade pelo Espírito. Paulo mostra o caminho. "E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria... A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder. Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana e sim no poder de Deus" (I Cor. 2:1-5). E como o Espírito se manifesta deste modo, os homens crêem quando o evangelho é pregado. Mas sem o Espírito não haveria um só cristão no mundo.
IV
Honramos o Espírito Santo, reconhecendo a sua obra e confiando nela? Ou O desprezamos, ignorando essa atuação, e desonrando deste modo, não só o Espírito, mas o Senhor que O enviou? Em nossa fé, reconhecemos a autoridade da Bíblia, o Velho Testamento profético e o Novo Testamento apostólico que Ele inspirou? Nós o lemos e ouvimos com a reverência e receptividade devidas à Palavra de Deus? Se não o fazemos, desonramos o Espírito Santo. Em nossa vida: aceitamos a autoridade da Bíblia e vivemos por ela, não nos importando com o que os homens dizem contra ela; reconhecendo que a Palavra de Deus não pode deixar de ser verdadeira e o que Deus disse tem um propósito, e Ele manterá sua palavra? Se não o fazemos desonramos o Espírito Santo que nos deu a Bíblia. Em nosso testemunho: lembramo-nos de que apenas o Espírito Santo pelo seu testemunho pode tornar autêntico o nosso, esperamos que Ele o faça, e confiamos que Ele o fará, demonstrando realmente nossa confiança como Paulo o fez, abstendo-se de demonstrações de sabedoria humana? Se não agirmos assim, estaremos desonrando o Espírito Santo. Podemos ter alguma dúvida de que a atual esterilidade na vida da Igreja é o julgamento de Deus a nosso respeito pelo modo como temos desonrado o Espírito Santo? E, neste caso, que esperança podemos ter de sua remoção, até que aprendamos a louvar o Espírito Santo em nossos pensamentos, nossas orações e na prática? "Ele testificará. . . "
"Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas."
O DEUS IMUTÁVEL
Aprendemos que a Bíblia é a Palavra de Deus – uma lâmpada para nossos pés e uma luz para nosso caminho. Aprendemos que nela encontraremos o conhecimento de Deus e sua vontade para a nossa vida. Cremos nisso tudo, pois o que dizem é verdade. Tomamos então da Bíblia e começamos a sua leitura. Lemos constante e conscientemente, pois estamos ansiosos, queremos realmente conhecer a Deus. Mas, à medida que lemos vamos ficando mais e mais confusos. Embora fascinados, não estamos sendo alimentados. Nossa leitura não está nos ajudando, deixa-nos espantados e, para dizer a verdade, às vezes deprimidos. E nos descobrimos a questionar se vale a pena prosseguir com a leitura da Bíblia.
Qual é o problema? Bem, basicamente é este. A leitura da Bíblia nos introduz em um mundo inteiramente novo para nós – o do Oriente Próximo como ele era há mil anos; primitivo e bárbaro, agrícola e sem qualquer mecanização. É nesse mundo que se desenrola a ação da história bíblica. Nesse mundo encontramos Abraão, Moisés, Davi e os demais personagens e observamos o modo como Deus se conduz com eles. Ouvimos os profetas denunciando a idolatria e ameaçando com a condenação do pecado. Vemos o Homem da Galiléia operando milagres, discutindo com os judeus, morrendo pelos pecadores, ressuscitando da morte e subindo ao céu. Lemos as cartas dos mestres cristãos dirigidas contra erros estranhos que, tanto quanto sabemos, não existem hoje em dia. O interesse que sentimos é intenso, mas tudo nos parece muito distante. Tudo pertence àquele mundo, não a este; e sentimos como se estivéssemos espiando de fora para dentro do mundo bíblico. Somos simples espectadores, nada mais. Nosso pensamento é este: "Sim, Deus fez tudo isso naquela época, e foi maravilhoso para o povo envolvido na história, mas como isso pode nos afetar hoje? Não vivemos no mesmo mundo. Como pode o registro das palavras e ações de Deus nos tempos bíblicos, a narrativa de seu trato com Abraão, Moisés e Davi e com os outros, nos ajudar, a nós que vivemos na era espacial?" Não podemos ver qualquer ponto de ligação entre esses dois mundos, e conseqüentemente descobrimo-nos a sentir repetidamente que as coisas a respeito das quais lemos na Bíblia não têm aplicação para nós. E, como acontece freqüentemente, quando essas coisas são em si mesmas emocionantes e gloriosas, nossa sensação de estarmos excluídos delas nos deprime consideravelmente.
Muitos leitores da Bíblia têm sentido isso. Nem todos sabem como contrabalançar esse sentimento. Alguns cristãos. parece que se conformam em seguir adiante, crendo realmente no registro bíblico, mas não procurando, nem esperando para si mesmos tal intimidade com Deus, ou mesmo sentindo uma direção direta dEle como os homens da Bíblia tiveram. Tal atitude, muito comum hoje em dia, é na verdade a confissão da incapacidade de ver uma solução para o problema.
Entretanto como remover essa idéia de distância que sentimos entre nós e a experiência de Deus que o mundo bíblico gozou? Muitas coisas poderiam ser ditas, mas o ponto crucial é este: A idéia de distância é uma ilusão que surge ao procurarmos em lugar errado uma ligação entre nossa situação e a de vários personagens da Bíblia. É verdade que em termos de espaço, tempo e cultura, tanto eles como a época histórica à qual pertencem estão bem distantes de nós. Mas a ligação não é encontrada nesse nível. A ligação é o próprio Deus. Pois o Deus que eles tiveram é o mesmo Deus que temos hoje. Podemos tornar este ponto mais específico dizendo que se trata exatamente do mesmo Deus, pois Deus não muda de modo algum.
Assim, parece que a verdade que devemos salientar a fim de perder esse sentimento de que existe um abismo intransponível entre a posição dos homens bíblicos e os do nosso tempo é a verdade da imutabilidade de Deus.
II
Deus não muda. Vamos ampliar este pensamento.
1) A vida de Deus não muda.
Ele é "desde a eternidade" (Sal. 93:2), "o Rei eterno" (Jer. 10:10), "incorruptível" (Rom. 1:23). "O único que possui imortalidade" (I Tim 6:16). "Antes que os montes nascessem, e se formasse a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus" (Sal. 90:2). A terra e o céu, diz o salmista "perecerão, mas tu permanecerás; todos eles envelhecerão como um vestido; como roupa os mudarás, e serão mudados. Tu és porém sempre o mesmo, e os teus anos jamais terão fim" (Sal. 102:26 em diante); "sou o primeiro, diz Deus, "e também o último" (Isa. 48:12). As coisas criaras têm um começo e um fim, mas isso não acontece com o Criador. A resposta que se deve dar à pergunta feita por uma criança: "Quem fez Deus?" é simplesmente que Deus não teve de ser feito, pois sempre existiu. Ele existe para sempre e é sempre o mesmo. Deus não envelhece, sua vida não aumenta nem diminui. Ele não ganha novas forças nem perde aquela que possui. Não amadurece. nem se desenvolve. Ele não se torna mais forte, ou mais fraco, ou mais sábio, à medida que o tempo passa.
"Ele não pode mudar para melhor" escreveu A. W. Pink, "pois já é perfeito; e sendo perfeito não pode mudar para pior." A diferença primordial e fundamental entre o Criador e suas criaturas é que elas são mutáveis e sua natureza admite mudança, ao passo que Deus é imutável e nunca pode deixar de ser o que é. Isso é expresso no hino:
Crescemos e nos desenvolvemos como folhas na árvore,
Murchamos e perecemos – Mas nada muda a Ti.
Tal é o poder da própria "vida indissolúvel" (Heb. 7:16) de Deus.
2) O caráter de Deus não muda.
A tensão, o choque ou uma leucotomia podem alterar o caráter de um homem, mas nada altera o caráter de Deus. No curso da vida humana os gostos, a perspectiva, e o temperamento, podem mudar radicalmente; um homem gentil, equilibrado, pode se tornar amargo e excêntrico; um homem de bom gênio pode se tomar cínico e insensível. Mas com o Criador nada disso acontece. Ele nunca se torna menos verdadeiro, ou misericordioso, ou justo, ou melhor do que sempre foi. O caráter de. Deus é hoje, e sempre será, exatamente como era nos tempos bíblicos.
É instrutivo neste ponto trazer à lembrança as duas vezes em que Deus revelou seu "nome" no livro de Êxodo. O "nome" de Deus que foi revelado é, por certo, mais do que apenas uma etiqueta, trata-se da revelação do que Ele é em relação aos homens. Em Êxodo 3 nós lemos como Deus anunciou seu nome a Moisés, "Eu sou o que sou (v. 14) – uma frase na qual "" (Jeová – o Senhor) é na Verdade uma forma resumida (v. 15).
Este "nome" não é uma descrição de Deus, mas simplesmente a declaração de sua própria existência e de sua eterna imutabilidade; uma lembrança à humanidade de que Ele tem a vida em Si mesmo e que o que Ele é agora, será eternamente. Em Êxodo 34, entretanto, lemos como Deus "proclamou o nome do Senhor" a Moisés relacionando as várias facetas de seu caráter santo: "Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado; ainda que não inocenta o culpado; e visita a iniqüidade dos pais nos filhos" (v. 5).
Esta proclamação suplementa àquela de Êxodo 3 falando-nos o que de fato Jeová é; e a de Êxodo 3 suplementa esta falando-nos que Deus é para sempre o que naquele momento, há três mil anos, Ele disse a Moisés que era. O caráter moral de Deus é imutável. Assim Tiago, em uma passagem que trata da bondade e santidade de Deus, sua generosidade para com os homens e sua hostilidade para com o pecado, fala de Deus como aquele "em quem não pode existir variação ou sombra de mudança" (Tia. 1:17).
3) A verdade de Deus não muda.
Os homens às vezes falam coisas que realmente não querem dizer, simplesmente porque não conhecem suas próprias mentes; também, porque seus pontos de vista mudam, eles freqüentemente descobrem que não podem sustentar as coisas que disseram no passado. Todos nós às vezes temos de anular nossas próprias palavras porque deixaram de expressar o que realmente pensamos; às vezes temos de engolir nossas palavras porque a realidade dos fatos as nega. As palavras dos homens são instáveis, mas isso não acontece com as de Deus. Elas permanecem para sempre como expressões permanentemente válidas de sua mente e opinião. Nenhuma situação O induz a anular suas palavras; nenhuma mudança de suas próprias idéias requer dEle que elas sejam corrigidas.
Isaías escreve: "Toda a carne é erva... seca-se a erva... mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente" (Isa. 40: 6). Do mesmo modo o salmista diz, "Para sempre, ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu". "Todos os teus mandamentos são verdade... estabeleceste para sempre" (Sal. 119:89 e 151-52 ). A palavra traduzida por "verdade" no último verso tem a idéia de estabilidade. Quando lemos nossas Bíblias, precisamos portanto lembrar que Deus ainda cumpre todas as promessas, ordens, declarações de propósitos e palavras de admoestação que são endereçadas aos crentes do Novo Testamento. Elas não são relíquias de eras passadas, mas a revelação eternamente válida da mente de Deus para o seu povo em todas as gerações, enquanto este mundo existir. Assim como o Senhor mesmo disse: "A Escritura não pode falhar" (João 10:35), nada pode anular a verdade eterna de Deus.
4) Os caminhos de Deus não mudam.
Ele continua a agir para com as pecadores do modo como o fazia na história bíblica. Ele mostra ainda sua liberdade e poder, fazendo distinção entre os pecadores, agindo de modo que alguns ouçam o evangelho enquanto outros não são capazes de fazê-lo; e levando alguns a ouvi-lo e se arrependerem deixando outros na incredulidade; ensinando desse modo a seus santos que Ele não deve misericórdia a ninguém e que é inteiramente pela sua graça e não através do próprio esforço, que eles encontraram a vida. Ele abençoa aqueles a quem dedica seu amor de modo que se tornam humildes, para que toda a glória possa ser apenas sua. Ele odeia os pecados de seu povo, e usa todo o tipo de sofrimento e dor, quer internos ou externos, para desviar seus corações da transigência e da desobediência. Ele busca a convivência com seu povo e envia-lhe tanto alegrias como tristezas a fim de que deixem de amar a outras coisas para se ligarem inteiramente a Ele.
Deus ensina o crente a valorizar os dons prometidos, fazendo com que espere por eles, e obrigando-o a orar com insistência para obtê-los, antes que Ele os conceda. É desse modo que através das Escrituras Ele trata com seu povo e é da mesma maneira que Ele o faz nos dias de hoje. Seus objetivos e atos permanecem constantes. Nunca, em tempo, algum, Ele age em desacordo com seu caráter. Os caminhos dos homens, nós sabemos, são pateticamente inconstantes, mas não são assim os de Deus.
5) Os propósitos de Deus não mudam.
"A glória de Israel não mente tem. se arrepende", declara Samuel, "porquanto não é homem para que se arrependa" (I Sm 15:29). Balaão havia dito a mesma coisa: "Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa. Porventura tendo ele prometido não o fará? Ou tendo falado, não o cumprirá?" (Núm. 23:19). Arrepender significa fazer uma revisão daquilo que se julgou e mudar um plano de ação. Deus nunca faz isto; Ele não precisa, pois seus planos são baseados em um conhecimento e controle completos que se estende a todas as coisas no passado, presente e futuro de modo que não podem haver emergências repentinas ou desenvolvimentos inesperados que O tomem de surpresa.
"Uma de duas coisas fazem com que o homem mude de idéia e reveja seus planos: falta de previsão para antecipar todos os acontecimentos, ou falta de previsão para executá-los. Mas Deus que é tanto onisciente como onipotente nunca precisa rever seus decretos" (A. W. Pink).
"O conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração por todas as gerações" (Sal. 33:11). O que executa no tempo Ele planejou desde a eternidade e tudo o que planejou na eternidade realiza no tempo. Tudo aquilo que Ele tenha, pela sua palavra, se comprometido a realizar, será infalivelmente feito. Lemos assim a respeito da "imutabilidade do seu propósito" que levará ao gozo completo da herança prometida, e sobre o juramento imutável pelo qual Ele confirmou Seu desígnio a Abraão, o arquétipo do crente, tanto para a própria segurança de Abraão como para a nossa também (Heb. 6:17). Isso acontece com todos os planos anunciados por Deus. Eles não mudam nem parte alguma de seu plano eterno jamais mudará.
É verdade que existem alguns textos (Gênesis 6:6; 1 Samuel 15:11; 2 Sam. 24:16; Jonas 3:10; Joel 2:13), que falam sobre o fato de Deus ter-se arrependido. A referência em cada caso é sobre a anulação de um prévio tratamento dispensado a certos homens, como conseqüência da reação deles a esse tratamento. Mas não há sugestão de que essa reação não tenha sido prevista, ou que Deus tenha sido tomado de surpresa, e que não estivesse estabelecida em seu plano eterno. Não há mudança alguma em seu propósito eterno quando Ele começa a agir em relação a um homem de maneira diferente.
6) O Filho de Deus não muda.
Jesus Cristo "ontem e hoje é o mesmo e o será para sempre" (Heb. 13:8), e Seu toque ainda possui o antigo poder. Ainda permanece verdadeiro que "pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Heb. 7:25). Ele nunca muda. Este fato é forte consolação para todo o povo de Deus.
III
Onde está então o sentido de distância e de diferença entre os crentes dos tempos bíblicos e nós? Foi eliminado. Baseado em que? Baseado em que Deus não muda. Amizade com Ele, confiança em suas palavras, viver pela fé, "permanecendo nas promessas de Deus", são essencialmente as mesmas realidades para nós hoje em dia como o foram para os crentes do Velho ou do Novo Testamento.
Este pensamento nos traz conforto à medida que enfrentamos as perplexidades de cada dia; no meio de tantas mudanças e incertezas da vida em uma era nuclear, Deus e Seu Cristo permanecem os mesmos poderosos para salvar. Mas esse pensamento também traz um desafio que nos faz pensar. Se nosso Deus é o mesmo Deus dos crentes do Novo Testamento, como podemos justificar nossa satisfação com uma experiência de comunhão com Ele em um plano de conduta cristã tão inferior ao deles? Se Deus é o mesmo, esta é uma questão que nenhum de nós pode ignorar.
Qual é o problema? Bem, basicamente é este. A leitura da Bíblia nos introduz em um mundo inteiramente novo para nós – o do Oriente Próximo como ele era há mil anos; primitivo e bárbaro, agrícola e sem qualquer mecanização. É nesse mundo que se desenrola a ação da história bíblica. Nesse mundo encontramos Abraão, Moisés, Davi e os demais personagens e observamos o modo como Deus se conduz com eles. Ouvimos os profetas denunciando a idolatria e ameaçando com a condenação do pecado. Vemos o Homem da Galiléia operando milagres, discutindo com os judeus, morrendo pelos pecadores, ressuscitando da morte e subindo ao céu. Lemos as cartas dos mestres cristãos dirigidas contra erros estranhos que, tanto quanto sabemos, não existem hoje em dia. O interesse que sentimos é intenso, mas tudo nos parece muito distante. Tudo pertence àquele mundo, não a este; e sentimos como se estivéssemos espiando de fora para dentro do mundo bíblico. Somos simples espectadores, nada mais. Nosso pensamento é este: "Sim, Deus fez tudo isso naquela época, e foi maravilhoso para o povo envolvido na história, mas como isso pode nos afetar hoje? Não vivemos no mesmo mundo. Como pode o registro das palavras e ações de Deus nos tempos bíblicos, a narrativa de seu trato com Abraão, Moisés e Davi e com os outros, nos ajudar, a nós que vivemos na era espacial?" Não podemos ver qualquer ponto de ligação entre esses dois mundos, e conseqüentemente descobrimo-nos a sentir repetidamente que as coisas a respeito das quais lemos na Bíblia não têm aplicação para nós. E, como acontece freqüentemente, quando essas coisas são em si mesmas emocionantes e gloriosas, nossa sensação de estarmos excluídos delas nos deprime consideravelmente.
Muitos leitores da Bíblia têm sentido isso. Nem todos sabem como contrabalançar esse sentimento. Alguns cristãos. parece que se conformam em seguir adiante, crendo realmente no registro bíblico, mas não procurando, nem esperando para si mesmos tal intimidade com Deus, ou mesmo sentindo uma direção direta dEle como os homens da Bíblia tiveram. Tal atitude, muito comum hoje em dia, é na verdade a confissão da incapacidade de ver uma solução para o problema.
Entretanto como remover essa idéia de distância que sentimos entre nós e a experiência de Deus que o mundo bíblico gozou? Muitas coisas poderiam ser ditas, mas o ponto crucial é este: A idéia de distância é uma ilusão que surge ao procurarmos em lugar errado uma ligação entre nossa situação e a de vários personagens da Bíblia. É verdade que em termos de espaço, tempo e cultura, tanto eles como a época histórica à qual pertencem estão bem distantes de nós. Mas a ligação não é encontrada nesse nível. A ligação é o próprio Deus. Pois o Deus que eles tiveram é o mesmo Deus que temos hoje. Podemos tornar este ponto mais específico dizendo que se trata exatamente do mesmo Deus, pois Deus não muda de modo algum.
Assim, parece que a verdade que devemos salientar a fim de perder esse sentimento de que existe um abismo intransponível entre a posição dos homens bíblicos e os do nosso tempo é a verdade da imutabilidade de Deus.
II
Deus não muda. Vamos ampliar este pensamento.
1) A vida de Deus não muda.
Ele é "desde a eternidade" (Sal. 93:2), "o Rei eterno" (Jer. 10:10), "incorruptível" (Rom. 1:23). "O único que possui imortalidade" (I Tim 6:16). "Antes que os montes nascessem, e se formasse a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus" (Sal. 90:2). A terra e o céu, diz o salmista "perecerão, mas tu permanecerás; todos eles envelhecerão como um vestido; como roupa os mudarás, e serão mudados. Tu és porém sempre o mesmo, e os teus anos jamais terão fim" (Sal. 102:26 em diante); "sou o primeiro, diz Deus, "e também o último" (Isa. 48:12). As coisas criaras têm um começo e um fim, mas isso não acontece com o Criador. A resposta que se deve dar à pergunta feita por uma criança: "Quem fez Deus?" é simplesmente que Deus não teve de ser feito, pois sempre existiu. Ele existe para sempre e é sempre o mesmo. Deus não envelhece, sua vida não aumenta nem diminui. Ele não ganha novas forças nem perde aquela que possui. Não amadurece. nem se desenvolve. Ele não se torna mais forte, ou mais fraco, ou mais sábio, à medida que o tempo passa.
"Ele não pode mudar para melhor" escreveu A. W. Pink, "pois já é perfeito; e sendo perfeito não pode mudar para pior." A diferença primordial e fundamental entre o Criador e suas criaturas é que elas são mutáveis e sua natureza admite mudança, ao passo que Deus é imutável e nunca pode deixar de ser o que é. Isso é expresso no hino:
Crescemos e nos desenvolvemos como folhas na árvore,
Murchamos e perecemos – Mas nada muda a Ti.
Tal é o poder da própria "vida indissolúvel" (Heb. 7:16) de Deus.
2) O caráter de Deus não muda.
A tensão, o choque ou uma leucotomia podem alterar o caráter de um homem, mas nada altera o caráter de Deus. No curso da vida humana os gostos, a perspectiva, e o temperamento, podem mudar radicalmente; um homem gentil, equilibrado, pode se tornar amargo e excêntrico; um homem de bom gênio pode se tomar cínico e insensível. Mas com o Criador nada disso acontece. Ele nunca se torna menos verdadeiro, ou misericordioso, ou justo, ou melhor do que sempre foi. O caráter de. Deus é hoje, e sempre será, exatamente como era nos tempos bíblicos.
É instrutivo neste ponto trazer à lembrança as duas vezes em que Deus revelou seu "nome" no livro de Êxodo. O "nome" de Deus que foi revelado é, por certo, mais do que apenas uma etiqueta, trata-se da revelação do que Ele é em relação aos homens. Em Êxodo 3 nós lemos como Deus anunciou seu nome a Moisés, "Eu sou o que sou (v. 14) – uma frase na qual "" (Jeová – o Senhor) é na Verdade uma forma resumida (v. 15).
Este "nome" não é uma descrição de Deus, mas simplesmente a declaração de sua própria existência e de sua eterna imutabilidade; uma lembrança à humanidade de que Ele tem a vida em Si mesmo e que o que Ele é agora, será eternamente. Em Êxodo 34, entretanto, lemos como Deus "proclamou o nome do Senhor" a Moisés relacionando as várias facetas de seu caráter santo: "Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado; ainda que não inocenta o culpado; e visita a iniqüidade dos pais nos filhos" (v. 5).
Esta proclamação suplementa àquela de Êxodo 3 falando-nos o que de fato Jeová é; e a de Êxodo 3 suplementa esta falando-nos que Deus é para sempre o que naquele momento, há três mil anos, Ele disse a Moisés que era. O caráter moral de Deus é imutável. Assim Tiago, em uma passagem que trata da bondade e santidade de Deus, sua generosidade para com os homens e sua hostilidade para com o pecado, fala de Deus como aquele "em quem não pode existir variação ou sombra de mudança" (Tia. 1:17).
3) A verdade de Deus não muda.
Os homens às vezes falam coisas que realmente não querem dizer, simplesmente porque não conhecem suas próprias mentes; também, porque seus pontos de vista mudam, eles freqüentemente descobrem que não podem sustentar as coisas que disseram no passado. Todos nós às vezes temos de anular nossas próprias palavras porque deixaram de expressar o que realmente pensamos; às vezes temos de engolir nossas palavras porque a realidade dos fatos as nega. As palavras dos homens são instáveis, mas isso não acontece com as de Deus. Elas permanecem para sempre como expressões permanentemente válidas de sua mente e opinião. Nenhuma situação O induz a anular suas palavras; nenhuma mudança de suas próprias idéias requer dEle que elas sejam corrigidas.
Isaías escreve: "Toda a carne é erva... seca-se a erva... mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente" (Isa. 40: 6). Do mesmo modo o salmista diz, "Para sempre, ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu". "Todos os teus mandamentos são verdade... estabeleceste para sempre" (Sal. 119:89 e 151-52 ). A palavra traduzida por "verdade" no último verso tem a idéia de estabilidade. Quando lemos nossas Bíblias, precisamos portanto lembrar que Deus ainda cumpre todas as promessas, ordens, declarações de propósitos e palavras de admoestação que são endereçadas aos crentes do Novo Testamento. Elas não são relíquias de eras passadas, mas a revelação eternamente válida da mente de Deus para o seu povo em todas as gerações, enquanto este mundo existir. Assim como o Senhor mesmo disse: "A Escritura não pode falhar" (João 10:35), nada pode anular a verdade eterna de Deus.
4) Os caminhos de Deus não mudam.
Ele continua a agir para com as pecadores do modo como o fazia na história bíblica. Ele mostra ainda sua liberdade e poder, fazendo distinção entre os pecadores, agindo de modo que alguns ouçam o evangelho enquanto outros não são capazes de fazê-lo; e levando alguns a ouvi-lo e se arrependerem deixando outros na incredulidade; ensinando desse modo a seus santos que Ele não deve misericórdia a ninguém e que é inteiramente pela sua graça e não através do próprio esforço, que eles encontraram a vida. Ele abençoa aqueles a quem dedica seu amor de modo que se tornam humildes, para que toda a glória possa ser apenas sua. Ele odeia os pecados de seu povo, e usa todo o tipo de sofrimento e dor, quer internos ou externos, para desviar seus corações da transigência e da desobediência. Ele busca a convivência com seu povo e envia-lhe tanto alegrias como tristezas a fim de que deixem de amar a outras coisas para se ligarem inteiramente a Ele.
Deus ensina o crente a valorizar os dons prometidos, fazendo com que espere por eles, e obrigando-o a orar com insistência para obtê-los, antes que Ele os conceda. É desse modo que através das Escrituras Ele trata com seu povo e é da mesma maneira que Ele o faz nos dias de hoje. Seus objetivos e atos permanecem constantes. Nunca, em tempo, algum, Ele age em desacordo com seu caráter. Os caminhos dos homens, nós sabemos, são pateticamente inconstantes, mas não são assim os de Deus.
5) Os propósitos de Deus não mudam.
"A glória de Israel não mente tem. se arrepende", declara Samuel, "porquanto não é homem para que se arrependa" (I Sm 15:29). Balaão havia dito a mesma coisa: "Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa. Porventura tendo ele prometido não o fará? Ou tendo falado, não o cumprirá?" (Núm. 23:19). Arrepender significa fazer uma revisão daquilo que se julgou e mudar um plano de ação. Deus nunca faz isto; Ele não precisa, pois seus planos são baseados em um conhecimento e controle completos que se estende a todas as coisas no passado, presente e futuro de modo que não podem haver emergências repentinas ou desenvolvimentos inesperados que O tomem de surpresa.
"Uma de duas coisas fazem com que o homem mude de idéia e reveja seus planos: falta de previsão para antecipar todos os acontecimentos, ou falta de previsão para executá-los. Mas Deus que é tanto onisciente como onipotente nunca precisa rever seus decretos" (A. W. Pink).
"O conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração por todas as gerações" (Sal. 33:11). O que executa no tempo Ele planejou desde a eternidade e tudo o que planejou na eternidade realiza no tempo. Tudo aquilo que Ele tenha, pela sua palavra, se comprometido a realizar, será infalivelmente feito. Lemos assim a respeito da "imutabilidade do seu propósito" que levará ao gozo completo da herança prometida, e sobre o juramento imutável pelo qual Ele confirmou Seu desígnio a Abraão, o arquétipo do crente, tanto para a própria segurança de Abraão como para a nossa também (Heb. 6:17). Isso acontece com todos os planos anunciados por Deus. Eles não mudam nem parte alguma de seu plano eterno jamais mudará.
É verdade que existem alguns textos (Gênesis 6:6; 1 Samuel 15:11; 2 Sam. 24:16; Jonas 3:10; Joel 2:13), que falam sobre o fato de Deus ter-se arrependido. A referência em cada caso é sobre a anulação de um prévio tratamento dispensado a certos homens, como conseqüência da reação deles a esse tratamento. Mas não há sugestão de que essa reação não tenha sido prevista, ou que Deus tenha sido tomado de surpresa, e que não estivesse estabelecida em seu plano eterno. Não há mudança alguma em seu propósito eterno quando Ele começa a agir em relação a um homem de maneira diferente.
6) O Filho de Deus não muda.
Jesus Cristo "ontem e hoje é o mesmo e o será para sempre" (Heb. 13:8), e Seu toque ainda possui o antigo poder. Ainda permanece verdadeiro que "pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Heb. 7:25). Ele nunca muda. Este fato é forte consolação para todo o povo de Deus.
III
Onde está então o sentido de distância e de diferença entre os crentes dos tempos bíblicos e nós? Foi eliminado. Baseado em que? Baseado em que Deus não muda. Amizade com Ele, confiança em suas palavras, viver pela fé, "permanecendo nas promessas de Deus", são essencialmente as mesmas realidades para nós hoje em dia como o foram para os crentes do Velho ou do Novo Testamento.
Este pensamento nos traz conforto à medida que enfrentamos as perplexidades de cada dia; no meio de tantas mudanças e incertezas da vida em uma era nuclear, Deus e Seu Cristo permanecem os mesmos poderosos para salvar. Mas esse pensamento também traz um desafio que nos faz pensar. Se nosso Deus é o mesmo Deus dos crentes do Novo Testamento, como podemos justificar nossa satisfação com uma experiência de comunhão com Ele em um plano de conduta cristã tão inferior ao deles? Se Deus é o mesmo, esta é uma questão que nenhum de nós pode ignorar.
A MAJESTADE DE DEUS
A palavra "majestade" vem do latim, e significa grandeza. Quando atribuímos majestade a alguém, estamos reconhecendo grandeza nessa pessoa e expressamos nosso respeito por isso; como por exemplo quando falamos de "Sua Majestade", a Rainha.
Na Bíblia a palavra "majestade" é usada para expressar a idéia da grandeza de Deus, nosso Criador e Senhor. "O Senhor reina; está vestido de majestade... O teu trono está firme desde então; tu és desde a eternidade" (Sal. 93:1 e 2). "Meditarei no glorioso esplendor da tua majestade e nas tuas maravilhas". (Sal. 145:5). Pedro, recordando sua visão da glória real de Cristo na transfiguração, disse "nós. . . fomos testemunhas oculares da sua majestade" (II Ped. 1:16).
Em Hebreus, a frase "a majestade" é usada duas vezes em substituição à palavra "Deus"; como sabemos, Cristo em sua ascensão sentou-se "à direita da Majestade nas alturas", "nos céus à destra do. trono da Majestade" (Heb. 1:3; 8:1). A palavra "majestade" quando aplicada a Deus é sempre uma declaração de sua grandeza e um convite à adoração. O mesmo acontece quando a Bíblia se refere a Deus como estando "nas alturas" e "no céu"; o pensamento aqui expresso não é que Deus esteja distante de nós no espaço, mas que Ele está muito acima de nós em grandeza e, portanto, deve ser adorado. "Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado" (Sal. 48:1). "O Senhor é o Deus supremo e o grande Rei... Vinde, adoremos e prostremo-nos" (Sal. 95:3, 6). O instinto cristão de confiança e adoração é poderosamente estimulado pelo conhecimento da grandeza de Deus.
Mas é exatamente esse conhecimento que falta em grande escala aos cristãos de hoje; e essa é a razão de nossa fé tão frágil e nossa adoração tão débil. Somos homens modernos e estes, embora acalentem grandes idéias sobre o homem, via de regra têm poucas idéias sobre Deus. Quando o homem na igreja, sem pensar nos homens das ruas, usa a palavra "Deus", raramente tem em sua mente a idéia da majestade divina. Um livro recentemente editado Your God is too Small, tem um título bem atual. Estamos em pólos diferentes em relação aos nossos ancestrais evangélicos embora façamos nossa confissão de fé usando as mesmas palavras que eles usaram. Quando você começa a ler Lutero, Edwards, ou Whitefield, apesar de aceitar a mesma doutrina que eles aceitavam, em pouco tempo se surpreenderá pensando se realmente você tem qualquer familiaridade com o Deus poderoso que eles conheciam tão intimamente.
Hoje em dia, é dada grande ênfase à idéia de que Deus é pessoal, mas esta verdade é de tal modo enunciada que nos deixa a impressão que Deus é uma pessoa do mesmo tipo que nós somos – fraca, inadequada, ineficiente e um tanto patética. Mas este não é o Deus da Bíblia! Nossa vida pessoal é finita, é limitada em todas as direções: no espaço, no tempo, em conhecimento e em poder. Mas Deus não tem limites. Ele é eterno, infinito e poderoso. Ele nos tem em suas mãos; mas nós nunca O temos nas nossas. Como nós, Ele é pessoal; mas, diferente de nós, Ele é grande. Em todas as constantes afirmações da Bíblia a respeito do interesse pessoal de Deus por seu povo, e da bondade, carinho, simpatia, paciência e ansiosa compaixão que demonstra para com esse povo, ela não nos deixa perder de vista sua majestade e seu ilimitado domínio sobre todas as suas criaturas.
II
Para ilustrar esse ponto não precisamos ir além dos capítulos iniciais de Gênesis. Desde o começo da história bíblica, através da sabedoria da inspiração divina, a narrativa é feita de modo a inculcar em nós a dupla verdade: que o Deus a quem estamos sendo apresentados é pessoal e majestoso. Em nenhum outro lugar da Bíblia a natureza pessoal de Deus é expressa de modo tão vívido. Ele delibera consigo mesmo: "Façamos. . ." (Gên. 1:26). Ele leva os animais até Adão para que este lhes dê nomes (22:19). Ele passeia pelo jardim chamando por Adão (3:8). Ele faz perguntas às pessoas (3:11; 4:9; 16:8). Desce do céu para ver o que os homens estão fazendo (11:5; 18:20). Fica tão desgostoso com a fraqueza do homem que se arrepende de havê-lo feito (5:6). Representações de Deus como estas são necessárias para nos trazer à mente o fato de que o Deus com o qual estamos em comunhão não é um mero princípio cósmico, impessoal e indiferente, mas uma Pessoa que vive, pensa, sente, age, aprova o bem, desaprova o mal e está o tempo todo interessado em suas criaturas.
Entretanto, não vamos crer, por essas passagens, que o conhecimento e o poder de Deus sejam limitados, ou que Ele está normalmente ausente, desconhecendo portanto o que vai pelo mundo a não ser quando vem especialmente para investigar. Estes mesmos capítulos destroem tais idéias colocando diante de nós a grandeza de Deus de um modo tão vívido quanto a sua personalidade. O Deus do Gênesis é o Criador, trazendo ordem ao caos, criando a vida pela sua palavra, fazendo Adão do pó da terra e Eva de sua costela (cap. 1-2). E Ele é o Senhor de tudo que Ele mesmo fez. Ele amaldiçoa a terra e sujeita a humanidade à morte física, mudando desse modo o seu mundo original perfeito e em ordem (3:17); inunda a terra como castigo, destruindo toda a vida, menos a dos que estavam na Arca (cap. 6-8); confunde a linguagem dos homens e espalha os construtores de Babel (11:7); destrói Sodoma e Gomorra (aparentemente) por uma erupção vulcânica (19:24). Abraão o chama com exatidão: o "Juiz de toda a terra" (18:25), e corretamente adota o nome que Melquisedeque havia dado a Ele "Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra" (14:19-22). Ele está presente em todos os lugares e observa tudo: o assassinato feito por Caim (4:9), a corrupção da humanidade (6:5 ), a destituição de Hagar (16:7). Com razão Hagar o chamou "o Deus que Vê", e chamou a seu filho Ismael "Deus ouve", pois Deus na verdade vê e ouve e nada Lhe escapa. Ele mesmo Se chama "", "Deus Altíssimo'', e todas as suas ações ilustram a onipotência. que seu nome proclama. Ele prometeu a Abraão e sua mulher um filho quando já tinham 90 anos, e responde a Sara por sua incrédula – e, como ficou provado, injustificada – risada "Acaso há para Deus coisa demasiadamente difícil?" (18:14).
E não é apenas em momentos isolados que Deus controla os acontecimentos, toda a História está sob sua influência. A prova disso é dada pela sua predição detalhada do tremendo destino que Ele propõe realizar para a descendência de Abraão (12:1-3; 13:14-17; 15:13-21, etc.) Em poucas palavras, assim é a majestade de Deus, de acordo com os primeiros capítulos de Gênesis.
III
Como podemos formar uma idéia da grandeza de Deus? A Bíblia nos ensina que devemos tomar duas atitudes: a primeira é remover de nosso conceito de Deus limites que O tornariam pequeno. A segunda é compará-Lo com poderes e forças que consideramos grandes.
Para um exemplo do que está envolvido no primeiro passo veja o Salmo 139 onde o salmista medita na infinita e ilimitada natureza da presença, conhecimento e poder de Deus em relação aos homens. O homem, diz ele, está sempre na presença de Deus; você pode se separar de outros homens, mas jamais poderá fugir de seu Criador. "Tu me cercas por trás e por diante. ... Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?" Se subir ao céu, se descer ao inferno (isto é, ao fundo da terra), ou se fugir para o fim do mundo, ainda assim não poderei escapar da presença de Deus "lá estás também" (v. 5). Nem a escuridão, que me esconde da vista humana, me protegerá do olhar de Deus (v. 11).
E assim como não há limites para sua presença comigo, também não há limites para seu conhecimento a meu respeito. Assim como nunca estou só, também nunca deixo de ser notado. "Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto (todas as minhas ações e movimentos); de longe penetras os meus pensamentos (tudo o que se passa em minha mente)... e conheces todos os meus caminhos (todos os meus hábitos, planos, idéias, desejos, assim como minha vida até agora). Ainda a palavra não me chegou à língua (falada ou pensada) e tu, Senhor, já a conheces toda" (v. 1-4). Posso ocultar dos homens o meu coração, meu passado, e meus planos para o futuro, mas de Deus não posso esconder coisa alguma.
Posso falar de tal modo que as pessoas ao meu redor formem uma idéia bem diferente do que sou na realidade, mas nada do que eu diga ou faça pode enganar a Deus. Ele vê através de toda a minha reserva e pretensão. Ele me conhece como eu sou realmente, melhor mesmo do que eu me conheço. Um Deus de cuja presença e exame eu pudesse me evadir seria uma divindade comum e pequena. Mas o Deus verdadeiro é grande e terrível justamente porque está sempre comigo e seus olhos estão sempre sobre mim. Viver torna-se uma questão de grande importância quando você pensa que passa todos os momentos de sue vida sob as vistas e na companhia de um Criador onisciente e onipresente.
Isso entretanto, não é tudo. O Deus que tudo vê é também poderoso, a fonte de cujo poder me foi revelado pela admirável complexidade do meu próprio corpo, que Ele criou. Diante desta realidade a meditação do salmista se transforma em adoração: "Graças te dou visto que por modo assombrosamente me formaste; as tuas obras são admiráveis. . ." (v. 14).
Aqui temos então o primeiro passo para apreender a grandeza de Deus: compreender como sua sabedoria, sua presença e seu poder são ilimitados. Muitas outras passagens das Escrituras ensinam a mesma lição; especialmente Jó 38-41, capítulos nos quais o próprio Deus se aproveita da declaração de Eliú de que "Deus está cercado de tremenda majestade" (37:22), e coloca diante de Jó uma impressionante exposição de sua sabedoria e poder na natureza. A seguir, o Senhor pergunta a Jó se ele pode igualar tal "majestade" (40:10), e o convence de que se não lhe é possível fazer isso, ele não deve também procurar descobrir faltas no modo como Deus está conduzindo o seu problema, o qual também supera a compreensão do próprio Jó. Mas não podemos nos demorar mais neste ponto.
IV
Como um exemplo do que está envolvido no segundo passo veja Isaías 40:12 e os versos seguintes. Aqui Deus fala a pessoas cuja disposição é a mesma de muitos cristãos hoje em dia – desanimados, amedrontados, intimamente desapontados; pessoas que por muito tempo estão lutando contra a maré de dificuldades; pessoas que deixaram de crer que a causa de Cristo poderá prosperar outra vez. Agora veja como Deus, através de Seu profeta argumenta com eles.
Veja as obras que Eu tenho feito, Ele diz. Você poderia fazê-las? Homem algum poderia? "Quem na concha de sua mão mediu as águas, e tomou a medida dos céus a palmos, quem recolheu na terça parte de um efa o pó da terra e pesou os montes em romana e os outeiros em balanças de precisão?" (v, 12). Será que você é bastante sábio e poderoso para fazer coisas como essas? Mas Eu sou, ou não teria de modo algum feito este mundo. "Eis o seu Deus!"
Agora observe as nações, o profeta continua: as grandes forças nacionais à cuja mercê vocês sentem estar, Assíria, Egito, Babilônia – vocês têm medo delas e se preocupam porque seus exércitos e recursos excedem tanto aos que vocês possuem. Mas considerem como Deus se coloca em relação a essas forças poderosas que vocês temem tanto. "Eis que as nações são consideradas por ele como um pingo que cai de um balde e como um grão de pó na balança ... Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo." (v. 15, 17). Vocês tremem diante das nações porque são muito mais fracos que elas, mas Deus é tão maior que as nações que elas não são nada para Ele. "Eis o seu Deus!"
Agora observe o mundo. Considere seu tamanho, a sua variedade e complexidade; pense nos mais de três bilhões que o povoam no vasto céu acima. Que figuras insignificantes você e eu somos em comparação com o planeta onde vivemos! Entretanto, que é todo este planeta em comparação com Deus? "Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra, cujos moradores são como gafanhotos, é ele quem estende os céus como cortina e os desenrola como tenda para neles habitar" (v. 22). O mundo nos faz pequenos, mas Deus torna o mundo pequeno. O mundo é seu escabelo sobre o qual Ele senta com segurança. Ele é maior do que o mundo e tudo o que nele há; assim toda a fervilhante atividade de seus três bilhões de apressados habitantes não perturbam mais do que o chilreio e o pular dos gafanhotos no verão nos afetam. "Eis o seu Deus!"
Veja agora em quarto lugar os grandes homens do mundo os governantes cujas leis em política determinam o bem-estar de milhões; os pretensos dominadores do mundo, os ditadores e os construtores de impérios que têm em si o poder de lançar o mundo todo em guerra. Pense em Senaqueribe, e Nabucodonosor; pense em Alexandre, Napoleão, Hitler. Pense atualmente em Kosigni, em Nixon e Mao-Tse-tung. Você supõe que na realidade são esses grandes homens que determinam o andamento do mundo? Pense outra vez; pois Deus é maior do que todos os grandes homens do. mundo. Ele reduz a nada os príncipes, e torna em nulidade os juizes (governadores) da terra (v. 23), Ele é, como diz o Livro de Orações, "o único governador dos príncipes". "Eis o seu Deus!"
Mas ainda não terminamos.
Observe finalmente, as estrelas. Uma das experiências mais impressionantes que a humanidade conhece é permanecer sozinho em uma noite clara a observar as estrelas. Nada proporciona um maior sentido de distância e isolamento; nada mais nos faz sentir tão fortemente nossa própria pequenez e insignificância. E nós que vivemos na era espacial podemos suplementar esta experiência universal com o conhecimento científico dos atuais fatores envolvidos – milhões de estrelas, bilhões de anos-luz de distâncias. Nossas idéias vacilam, nossa imaginação não pode compreender; quando tentamos conceber a insondável profundidade do espaço, ficamos mentalmente estarrecidos e atordoados. Mas o que é isto para Deus? "Levantai ao alto os vossos olhos, e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de estrelas todas bem contadas as quais chama pelos seus nomes; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar" (v. 26). É Deus quem cria as estrelas; foi Deus quem as colocou no espaço; Ele é o Criador e Senhor delas; elas estão em suas mãos, e sujeitas à Sua vontade. Tal é o seu poder e sua majestade. "Eis o seu Deus!"
V
Deixemos agora que Isaías aplique a nós a doutrina da majestade de Deus fazendo-nos as três perguntas que ele, em nome de Deus fez aos israelitas desiludidos e derrotados.
1) "A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? – diz o Santo." (v. 25). Esta pergunta reprova idéias erradas a respeito de Deus. "Suas idéias a respeito de Deus são muito humanas", disse Lutero a Erasmo. Aqui é que muitos de nós nos desviamos. Nossos pensamentos a respeito de Deus não são suficientemente grandes; deixamos de reconhecer a realidade de seu poder e sabedoria sem limites. Como somos limitados e fracos, pensamos que, em alguns pontos, Deus também o é, e achamos difícil crer de modo diverso. Pensamos em Deus como sendo muito semelhante a nós. Corrija este engano, diz Deus; aprenda a reconhecer a majestade total de nosso incomparável Deus e Salvador.
2) "Por que pois dizes, ó Jacó, e tu falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao Senhor e o meu direito passa despercebido ao meu Deus?" (v. 27). Esta pergunta censura os pensamentos errados a respeito de nós mesmos. Deus não nos abandonou, assim como nunca abandona ninguém a quem tenha dedicado seu amor, nem Cristo, o Bom Pastor, jamais perde a direção de seu rebanho. É falso e irreverente acusar a Deus de esquecer, desprezar ou perder interesse pela situação e necessidades de seu próprio povo. Se você tem-se resignado com a idéia de que Deus o abandonou, busque a graça para se sentir envergonhado. Tal incredulidade pessimista desonra profundamente nosso grande Deus e Salvador.
3) "Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga?" (v. 28). Esta pergunta repreende nossa morosidade em crer na majestade de Deus. Deus nos humilhará pela nossa descrença. Qual é o problema? Ele pergunta: Será que você está pensando que Eu, o Criador, estou velho e cansado? Ninguém jamais lhe contou a verdade sobre Mim? Muitos de nós merecemos esta censura. Como somos lentos em crer em Deus como Deus, soberano que tudo vê e é poderoso! Como fazemos pouco da majestade de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo! Muitos de nós precisamos "confiar no Senhor", meditando em Sua majestade até que tenhamos nossas forças renovadas ao gravar estas coisas em nossos corações.
Na Bíblia a palavra "majestade" é usada para expressar a idéia da grandeza de Deus, nosso Criador e Senhor. "O Senhor reina; está vestido de majestade... O teu trono está firme desde então; tu és desde a eternidade" (Sal. 93:1 e 2). "Meditarei no glorioso esplendor da tua majestade e nas tuas maravilhas". (Sal. 145:5). Pedro, recordando sua visão da glória real de Cristo na transfiguração, disse "nós. . . fomos testemunhas oculares da sua majestade" (II Ped. 1:16).
Em Hebreus, a frase "a majestade" é usada duas vezes em substituição à palavra "Deus"; como sabemos, Cristo em sua ascensão sentou-se "à direita da Majestade nas alturas", "nos céus à destra do. trono da Majestade" (Heb. 1:3; 8:1). A palavra "majestade" quando aplicada a Deus é sempre uma declaração de sua grandeza e um convite à adoração. O mesmo acontece quando a Bíblia se refere a Deus como estando "nas alturas" e "no céu"; o pensamento aqui expresso não é que Deus esteja distante de nós no espaço, mas que Ele está muito acima de nós em grandeza e, portanto, deve ser adorado. "Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado" (Sal. 48:1). "O Senhor é o Deus supremo e o grande Rei... Vinde, adoremos e prostremo-nos" (Sal. 95:3, 6). O instinto cristão de confiança e adoração é poderosamente estimulado pelo conhecimento da grandeza de Deus.
Mas é exatamente esse conhecimento que falta em grande escala aos cristãos de hoje; e essa é a razão de nossa fé tão frágil e nossa adoração tão débil. Somos homens modernos e estes, embora acalentem grandes idéias sobre o homem, via de regra têm poucas idéias sobre Deus. Quando o homem na igreja, sem pensar nos homens das ruas, usa a palavra "Deus", raramente tem em sua mente a idéia da majestade divina. Um livro recentemente editado Your God is too Small, tem um título bem atual. Estamos em pólos diferentes em relação aos nossos ancestrais evangélicos embora façamos nossa confissão de fé usando as mesmas palavras que eles usaram. Quando você começa a ler Lutero, Edwards, ou Whitefield, apesar de aceitar a mesma doutrina que eles aceitavam, em pouco tempo se surpreenderá pensando se realmente você tem qualquer familiaridade com o Deus poderoso que eles conheciam tão intimamente.
Hoje em dia, é dada grande ênfase à idéia de que Deus é pessoal, mas esta verdade é de tal modo enunciada que nos deixa a impressão que Deus é uma pessoa do mesmo tipo que nós somos – fraca, inadequada, ineficiente e um tanto patética. Mas este não é o Deus da Bíblia! Nossa vida pessoal é finita, é limitada em todas as direções: no espaço, no tempo, em conhecimento e em poder. Mas Deus não tem limites. Ele é eterno, infinito e poderoso. Ele nos tem em suas mãos; mas nós nunca O temos nas nossas. Como nós, Ele é pessoal; mas, diferente de nós, Ele é grande. Em todas as constantes afirmações da Bíblia a respeito do interesse pessoal de Deus por seu povo, e da bondade, carinho, simpatia, paciência e ansiosa compaixão que demonstra para com esse povo, ela não nos deixa perder de vista sua majestade e seu ilimitado domínio sobre todas as suas criaturas.
II
Para ilustrar esse ponto não precisamos ir além dos capítulos iniciais de Gênesis. Desde o começo da história bíblica, através da sabedoria da inspiração divina, a narrativa é feita de modo a inculcar em nós a dupla verdade: que o Deus a quem estamos sendo apresentados é pessoal e majestoso. Em nenhum outro lugar da Bíblia a natureza pessoal de Deus é expressa de modo tão vívido. Ele delibera consigo mesmo: "Façamos. . ." (Gên. 1:26). Ele leva os animais até Adão para que este lhes dê nomes (22:19). Ele passeia pelo jardim chamando por Adão (3:8). Ele faz perguntas às pessoas (3:11; 4:9; 16:8). Desce do céu para ver o que os homens estão fazendo (11:5; 18:20). Fica tão desgostoso com a fraqueza do homem que se arrepende de havê-lo feito (5:6). Representações de Deus como estas são necessárias para nos trazer à mente o fato de que o Deus com o qual estamos em comunhão não é um mero princípio cósmico, impessoal e indiferente, mas uma Pessoa que vive, pensa, sente, age, aprova o bem, desaprova o mal e está o tempo todo interessado em suas criaturas.
Entretanto, não vamos crer, por essas passagens, que o conhecimento e o poder de Deus sejam limitados, ou que Ele está normalmente ausente, desconhecendo portanto o que vai pelo mundo a não ser quando vem especialmente para investigar. Estes mesmos capítulos destroem tais idéias colocando diante de nós a grandeza de Deus de um modo tão vívido quanto a sua personalidade. O Deus do Gênesis é o Criador, trazendo ordem ao caos, criando a vida pela sua palavra, fazendo Adão do pó da terra e Eva de sua costela (cap. 1-2). E Ele é o Senhor de tudo que Ele mesmo fez. Ele amaldiçoa a terra e sujeita a humanidade à morte física, mudando desse modo o seu mundo original perfeito e em ordem (3:17); inunda a terra como castigo, destruindo toda a vida, menos a dos que estavam na Arca (cap. 6-8); confunde a linguagem dos homens e espalha os construtores de Babel (11:7); destrói Sodoma e Gomorra (aparentemente) por uma erupção vulcânica (19:24). Abraão o chama com exatidão: o "Juiz de toda a terra" (18:25), e corretamente adota o nome que Melquisedeque havia dado a Ele "Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra" (14:19-22). Ele está presente em todos os lugares e observa tudo: o assassinato feito por Caim (4:9), a corrupção da humanidade (6:5 ), a destituição de Hagar (16:7). Com razão Hagar o chamou "o Deus que Vê", e chamou a seu filho Ismael "Deus ouve", pois Deus na verdade vê e ouve e nada Lhe escapa. Ele mesmo Se chama "", "Deus Altíssimo'', e todas as suas ações ilustram a onipotência. que seu nome proclama. Ele prometeu a Abraão e sua mulher um filho quando já tinham 90 anos, e responde a Sara por sua incrédula – e, como ficou provado, injustificada – risada "Acaso há para Deus coisa demasiadamente difícil?" (18:14).
E não é apenas em momentos isolados que Deus controla os acontecimentos, toda a História está sob sua influência. A prova disso é dada pela sua predição detalhada do tremendo destino que Ele propõe realizar para a descendência de Abraão (12:1-3; 13:14-17; 15:13-21, etc.) Em poucas palavras, assim é a majestade de Deus, de acordo com os primeiros capítulos de Gênesis.
III
Como podemos formar uma idéia da grandeza de Deus? A Bíblia nos ensina que devemos tomar duas atitudes: a primeira é remover de nosso conceito de Deus limites que O tornariam pequeno. A segunda é compará-Lo com poderes e forças que consideramos grandes.
Para um exemplo do que está envolvido no primeiro passo veja o Salmo 139 onde o salmista medita na infinita e ilimitada natureza da presença, conhecimento e poder de Deus em relação aos homens. O homem, diz ele, está sempre na presença de Deus; você pode se separar de outros homens, mas jamais poderá fugir de seu Criador. "Tu me cercas por trás e por diante. ... Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?" Se subir ao céu, se descer ao inferno (isto é, ao fundo da terra), ou se fugir para o fim do mundo, ainda assim não poderei escapar da presença de Deus "lá estás também" (v. 5). Nem a escuridão, que me esconde da vista humana, me protegerá do olhar de Deus (v. 11).
E assim como não há limites para sua presença comigo, também não há limites para seu conhecimento a meu respeito. Assim como nunca estou só, também nunca deixo de ser notado. "Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto (todas as minhas ações e movimentos); de longe penetras os meus pensamentos (tudo o que se passa em minha mente)... e conheces todos os meus caminhos (todos os meus hábitos, planos, idéias, desejos, assim como minha vida até agora). Ainda a palavra não me chegou à língua (falada ou pensada) e tu, Senhor, já a conheces toda" (v. 1-4). Posso ocultar dos homens o meu coração, meu passado, e meus planos para o futuro, mas de Deus não posso esconder coisa alguma.
Posso falar de tal modo que as pessoas ao meu redor formem uma idéia bem diferente do que sou na realidade, mas nada do que eu diga ou faça pode enganar a Deus. Ele vê através de toda a minha reserva e pretensão. Ele me conhece como eu sou realmente, melhor mesmo do que eu me conheço. Um Deus de cuja presença e exame eu pudesse me evadir seria uma divindade comum e pequena. Mas o Deus verdadeiro é grande e terrível justamente porque está sempre comigo e seus olhos estão sempre sobre mim. Viver torna-se uma questão de grande importância quando você pensa que passa todos os momentos de sue vida sob as vistas e na companhia de um Criador onisciente e onipresente.
Isso entretanto, não é tudo. O Deus que tudo vê é também poderoso, a fonte de cujo poder me foi revelado pela admirável complexidade do meu próprio corpo, que Ele criou. Diante desta realidade a meditação do salmista se transforma em adoração: "Graças te dou visto que por modo assombrosamente me formaste; as tuas obras são admiráveis. . ." (v. 14).
Aqui temos então o primeiro passo para apreender a grandeza de Deus: compreender como sua sabedoria, sua presença e seu poder são ilimitados. Muitas outras passagens das Escrituras ensinam a mesma lição; especialmente Jó 38-41, capítulos nos quais o próprio Deus se aproveita da declaração de Eliú de que "Deus está cercado de tremenda majestade" (37:22), e coloca diante de Jó uma impressionante exposição de sua sabedoria e poder na natureza. A seguir, o Senhor pergunta a Jó se ele pode igualar tal "majestade" (40:10), e o convence de que se não lhe é possível fazer isso, ele não deve também procurar descobrir faltas no modo como Deus está conduzindo o seu problema, o qual também supera a compreensão do próprio Jó. Mas não podemos nos demorar mais neste ponto.
IV
Como um exemplo do que está envolvido no segundo passo veja Isaías 40:12 e os versos seguintes. Aqui Deus fala a pessoas cuja disposição é a mesma de muitos cristãos hoje em dia – desanimados, amedrontados, intimamente desapontados; pessoas que por muito tempo estão lutando contra a maré de dificuldades; pessoas que deixaram de crer que a causa de Cristo poderá prosperar outra vez. Agora veja como Deus, através de Seu profeta argumenta com eles.
Veja as obras que Eu tenho feito, Ele diz. Você poderia fazê-las? Homem algum poderia? "Quem na concha de sua mão mediu as águas, e tomou a medida dos céus a palmos, quem recolheu na terça parte de um efa o pó da terra e pesou os montes em romana e os outeiros em balanças de precisão?" (v, 12). Será que você é bastante sábio e poderoso para fazer coisas como essas? Mas Eu sou, ou não teria de modo algum feito este mundo. "Eis o seu Deus!"
Agora observe as nações, o profeta continua: as grandes forças nacionais à cuja mercê vocês sentem estar, Assíria, Egito, Babilônia – vocês têm medo delas e se preocupam porque seus exércitos e recursos excedem tanto aos que vocês possuem. Mas considerem como Deus se coloca em relação a essas forças poderosas que vocês temem tanto. "Eis que as nações são consideradas por ele como um pingo que cai de um balde e como um grão de pó na balança ... Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo." (v. 15, 17). Vocês tremem diante das nações porque são muito mais fracos que elas, mas Deus é tão maior que as nações que elas não são nada para Ele. "Eis o seu Deus!"
Agora observe o mundo. Considere seu tamanho, a sua variedade e complexidade; pense nos mais de três bilhões que o povoam no vasto céu acima. Que figuras insignificantes você e eu somos em comparação com o planeta onde vivemos! Entretanto, que é todo este planeta em comparação com Deus? "Ele é o que está assentado sobre a redondeza da terra, cujos moradores são como gafanhotos, é ele quem estende os céus como cortina e os desenrola como tenda para neles habitar" (v. 22). O mundo nos faz pequenos, mas Deus torna o mundo pequeno. O mundo é seu escabelo sobre o qual Ele senta com segurança. Ele é maior do que o mundo e tudo o que nele há; assim toda a fervilhante atividade de seus três bilhões de apressados habitantes não perturbam mais do que o chilreio e o pular dos gafanhotos no verão nos afetam. "Eis o seu Deus!"
Veja agora em quarto lugar os grandes homens do mundo os governantes cujas leis em política determinam o bem-estar de milhões; os pretensos dominadores do mundo, os ditadores e os construtores de impérios que têm em si o poder de lançar o mundo todo em guerra. Pense em Senaqueribe, e Nabucodonosor; pense em Alexandre, Napoleão, Hitler. Pense atualmente em Kosigni, em Nixon e Mao-Tse-tung. Você supõe que na realidade são esses grandes homens que determinam o andamento do mundo? Pense outra vez; pois Deus é maior do que todos os grandes homens do. mundo. Ele reduz a nada os príncipes, e torna em nulidade os juizes (governadores) da terra (v. 23), Ele é, como diz o Livro de Orações, "o único governador dos príncipes". "Eis o seu Deus!"
Mas ainda não terminamos.
Observe finalmente, as estrelas. Uma das experiências mais impressionantes que a humanidade conhece é permanecer sozinho em uma noite clara a observar as estrelas. Nada proporciona um maior sentido de distância e isolamento; nada mais nos faz sentir tão fortemente nossa própria pequenez e insignificância. E nós que vivemos na era espacial podemos suplementar esta experiência universal com o conhecimento científico dos atuais fatores envolvidos – milhões de estrelas, bilhões de anos-luz de distâncias. Nossas idéias vacilam, nossa imaginação não pode compreender; quando tentamos conceber a insondável profundidade do espaço, ficamos mentalmente estarrecidos e atordoados. Mas o que é isto para Deus? "Levantai ao alto os vossos olhos, e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de estrelas todas bem contadas as quais chama pelos seus nomes; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar" (v. 26). É Deus quem cria as estrelas; foi Deus quem as colocou no espaço; Ele é o Criador e Senhor delas; elas estão em suas mãos, e sujeitas à Sua vontade. Tal é o seu poder e sua majestade. "Eis o seu Deus!"
V
Deixemos agora que Isaías aplique a nós a doutrina da majestade de Deus fazendo-nos as três perguntas que ele, em nome de Deus fez aos israelitas desiludidos e derrotados.
1) "A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? – diz o Santo." (v. 25). Esta pergunta reprova idéias erradas a respeito de Deus. "Suas idéias a respeito de Deus são muito humanas", disse Lutero a Erasmo. Aqui é que muitos de nós nos desviamos. Nossos pensamentos a respeito de Deus não são suficientemente grandes; deixamos de reconhecer a realidade de seu poder e sabedoria sem limites. Como somos limitados e fracos, pensamos que, em alguns pontos, Deus também o é, e achamos difícil crer de modo diverso. Pensamos em Deus como sendo muito semelhante a nós. Corrija este engano, diz Deus; aprenda a reconhecer a majestade total de nosso incomparável Deus e Salvador.
2) "Por que pois dizes, ó Jacó, e tu falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao Senhor e o meu direito passa despercebido ao meu Deus?" (v. 27). Esta pergunta censura os pensamentos errados a respeito de nós mesmos. Deus não nos abandonou, assim como nunca abandona ninguém a quem tenha dedicado seu amor, nem Cristo, o Bom Pastor, jamais perde a direção de seu rebanho. É falso e irreverente acusar a Deus de esquecer, desprezar ou perder interesse pela situação e necessidades de seu próprio povo. Se você tem-se resignado com a idéia de que Deus o abandonou, busque a graça para se sentir envergonhado. Tal incredulidade pessimista desonra profundamente nosso grande Deus e Salvador.
3) "Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga?" (v. 28). Esta pergunta repreende nossa morosidade em crer na majestade de Deus. Deus nos humilhará pela nossa descrença. Qual é o problema? Ele pergunta: Será que você está pensando que Eu, o Criador, estou velho e cansado? Ninguém jamais lhe contou a verdade sobre Mim? Muitos de nós merecemos esta censura. Como somos lentos em crer em Deus como Deus, soberano que tudo vê e é poderoso! Como fazemos pouco da majestade de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo! Muitos de nós precisamos "confiar no Senhor", meditando em Sua majestade até que tenhamos nossas forças renovadas ao gravar estas coisas em nossos corações.
O ÚNICO E VERDADEIRO DEUS
I
O que a palavra "idolatria" sugere à sua mente? Selvagens rastejando diante de um poste-ídolo? Estátuas com faces cruéis nos templos hindus? Danças religiosas dos sacerdotes de Baal ao redor do altar levantado por Elias? Tudo isto certamente é idolatria, de um modo bem claro, mas precisamos pensar que existem formas bem mais sutis de idolatria.
Veja o segundo mandamento. Ele diz "Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso..." (Êxo. 20:4-5). Sobre o que este mandamento está falando?
Se estivesse isolado, seria natural supor que se refere à adoração de imagens de outros deuses além de Jeová – os ídolos da Babilônia, por exemplo, que Isaías ridicularizou (Isa. 44:9; 46:1), ou o paganismo do mundo greco-romano dos tempos de Paulo, sobre os quais ele escreveu em Romanos 1:23-25: "E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem do homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes, e répteis.., pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador..." Mas em seu contexto, é bem pouco provável que o segundo mandamento esteja se referindo a este tipo de idolatria, pois se assim fosse apenas estaria repetindo o pensamento do primeiro mandamento sem acrescentar nada a ele.
Assim sendo, tomamos o segundo mandamento – como tem sido sempre feito – como indicando para nós o princípio de que (citando Charles Hodge) "a idolatria consiste não apenas na adoração de deuses falsos, mas também na adoração do verdadeiro Deus através de imagens". Na aplicação cristã isto quer dizer que não devemos fazer uso de qualquer representação visual ou gravuras do Deus Triúno, ou de nenhuma pessoa da Trindade com a finalidade de adoração. O mandamento não se refere então ao objeto de nossa adoração, mas à maneira como esta é feita; o que ele diz é que nenhum estátua ou figura daquele que adoramos deve ser usada como auxílio a esta adoração.
Parece estranho à primeira vista, que tal proibição esteja colocada entre os dez princípios básicos da religião bíblica, pois não vemos, de imediato, muita razão. para isso. Que mal pode haver, perguntamos, se o adorador rodear-se de estátuas e quadros se eles o ajudam a elevar seu coração a Deus? Acostumamo-nos a tratar este problema como se estas coisas devessem ser usadas ou não, de acordo com o temperamento e o gosto pessoal de cada um. Sabemos que muitas pessoas têm crucifixos e figuras de Cristo em seus quartos e elas dizem que olhar para esses objetos ajuda a focalizar seus pensamentos em Cristo. Sabemos que muitas pessoas dizem ser capazes de adorar com mais liberdade e facilidade em igrejas cheias de tais ornamentos do que em igrejas sem eles.
Bem, que há de errado nisso? Que mal essas coisas podem causar? Se as pessoas as acham realmente úteis, que há de mais para se dizer? Que propósito há em proibi-las? Diante desta perplexidade, alguém poderá sugerir que o segundo mandamento se aplica apenas a representações imorais ou degradantes de Deus, tiradas dos cultos pagãos e a nada mais. Mas as palavras do mandamento eliminam tal suposição. Deus diz categoricamente: "Não farás para ti imagem de escultura nem alguma semelhança" para ser usada em adoração. Esta afirmação categórica proíbe tão apenas o uso de figuras e estátuas que mostram Deus como um animal, mas também o uso de figuras e imagens que O mostram como a mais elevada criatura que conhecemos – o homem. Proíbe também o uso de figuras e imagens de Jesus Cristo Como um homem, embora o próprio Jesus tenta sido e permaneça um Homem; pois toda figura ou imagem é necessariamente feita com a "semelhança" do homem ideal, como o imaginamos, e portanto, está sob a proibição imposta pelo mandamento.
Historicamente, os cristãos divergem a respeito do segundo mandamento, no caso de proibir o uso de figuras de Jesus com o propósito de ensinar e instruir" (por exemplo, na Escola Dominical), e a questão não é fácil de resolver; mas não há dúvida alguma de que o segundo mandamento nos obriga a dissociar nossa adoração tanto pública como particular, de qualquer figura ou estátua de Jesus, assim como de qualquer representação de Seu Pai.
Mas qual é, neste caso, a razão para esta proibição tão ampla? Pela ênfase dada ao próprio mandamento com as assustadoras sanções ligadas a ele (proclamando o zelo de Deus; punindo com severidade os transgressores) supõe-se que deve ser de importância crucial. Mas será realmente? A resposta é sim. A Bíblia mostra que a glória de Deus e o bem espiritual do homem estão diretamente ligados a ele. Duas linhas de pensamento se apresentam diante de nós e juntas poderão explicar amplamente porque este mandamento deve ser tão enfaticamente destacado. Estas linhas de pensamento não se relacionam com o auxílio real ou imaginário das imagens, mas com a verdade delas. São as seguintes:
1) As imagens desonram a Deus, pois obscurecem a Sua glória. A semelhança das coisas celestes (sol, lua, estrelas) ou terrestres (homens, animal, pássaro, inseto) e marítimas (peixes, mamíferos, crustáceos) não é exatamente a semelhança de seu Criador.
"A verdadeira imagem de Deus", escreveu Calvino, "não é encontrada em todo o mundo; conseqüentemente... sua glória é profanada, e sua verdade corrompida pela mentira, sempre que Ele é apresentado aos nossos olhos de uma forma visível... Portanto, projetar qualquer imagem de Deus é em si mesmo ímpio; porque por essa corrupção sua majestade fica adulterada, e Ele é imaginado diferente do que é na realidade.
"O ponto aqui não é apenas que a imagem representa Deus como tendo corpo e membros, o que na realidade Ele não tem. Se fosse apenas esta a objeção a imagens, a representação de Cristo não seria errada, mas a realidade é muito mais profunda. O ponto focal da objeção a figuras e imagens é que inevitavelmente elas ocultam quase toda, senão toda a verdade sobre a natureza pessoal e o caráter do Ser divino que representam.
Para ilustrar: Arão fez um bezerro de ouro (isto é, a imagem de um boi). A intenção foi ter um símbolo visível de Jeová, o Deus poderoso que havia tirado Israel do Egito. Não há dúvida de que a intenção era honrar a Deus, criando um símbolo de sua grande força. Mas, não é difícil ver como esse símbolo é de fato um insulto a Ele, pois que idéia de seu caráter moral, sua justiça, bondade e paciência, poderia alguém fazer olhando para a sua imagem representada por um boi? Assim a imagem de Arão escondeu a glória de Jeová. De um modo semelhante, o patético do crucifixo obscurece a glória de Cristo, pois esconde o fato de sua divindade, sua vitória na cruz, e seu reino presente. Ele mostra sua fraqueza humana, mas esconde sua força divina; descreve a realidade de sua dor, porém não mostra a r4alidade de sua alegria e força. Em ambos os casos o símbolo é sem valor por aquilo que deixa de representar. O mesmo acontece com todas as outras representações vistais da divindade.
O que quer que pensemos a respeito da arte religiosa de um ponte, de vista cultural, não devemos olhar para figuras de Deus a fim de que nos mostrem sua glória e que nos levem à adoração, pois na verdade a sua glória jamais é encontrada nesses quadros. Por isso é que Deus acrescentou no segundo mandamento uma referência a Si mesmo como "zeloso" para se vingar daqueles que O desobedecem: pois o "ciúme" de Deus, na Bíblia, é seu zelo em manter sua própria glória, que é posta em jogo quando imagens são usadas na adoração.
Em Isaías 40:18 depois de haver declarado vivamente a grandeza incomensurável de Deus, é feita a pergunta: "Com quem comparareis a Deus? ou que cousa semelhante confrontareis com ele?" A pergunta não espera uma resposta, apenas um silêncio reservado. Seu propósito é lembrado que é tão absurdo quanto ímpio pensar que uma imagem modelada, como precisam ser, de acordo com alguma criatura, possa ter qualquer semelhança aceitável com o Criador.
Esta não é a única razão pela qual somos proibidos de usar imagens na adoração.
2 – As imagens enganam os homens. Elas projetam idéias falsas a respeito de Deus. O modo inadequado como O representam perverte nossos pensamentos a Seu respeito, e incutem em nossas mentes erros de todos os tipos sobre seu caráter e vontade. Ao fazer a imagem de Deus na forma de um bezerro, Arão levou os israelitas a pensarem nEle como um Ser que pedia ser adorado através de frenética devassidão. Conseqüentemente, a "festa do Senhor" que Arão organizou (Êxo. 32:5) transformou-se em uma orgia vergonhosa. Ainda mais, a história tem provado com fatos que o uso do crucifixo como auxílio para a oração tem levado o povo a pensar que devoção é meditar sobre os sofrimentos corporais de Cristo; e isso os torna mórbidos em relação ao valor espiritual da dor física, impedindo-os de conhecer o Salvador ressurreto.
Estes exemplos mostram como as imagens falsificaram a verdade de Deus na mente dos homens. Psicologicamente, é certo que se seus pensamentos estiverem habitualmente focalizados em uma imagem ou figura dAquele a quem suas orações são dirigidas, você pensará nEle e orará a Ele como a imagem O representa. Assim, neste sentido, você estará "se curvando" e "adorando" sua imagem; e na mesma medida em que essa imagem falha em representar a verdade sobre Deus, você estará também deixando de adorar a Deus em verdade.
É por isso que Deus nos proíbe de fazer uso de imagens e figuras em nossa adoração.
II
A compreensão de que imagens e figuras de Deus afetam nossos pensamentos sobre Deus leva a um campo mais avançado no qual se aplica a proibição do segundo mandamento. Ele tanto nos proíbe moldar imagens de Deus como também criar mentalmente imagens de Deus. Imaginar Deus em nossa mente pode ser uma infração tão real do segundo mandamento quanto imaginá-lo mediante o trabalho de nossas mãos.
Ouvimos freqüentemente expressões como esta: "Eu gosto de pensar em Deus como o grande Arquiteto (ou Matemático, ou Artista)". "Eu não penso em Deus como um Juiz: gosto de pensar nEle simplesmente como um Pai." Sabemos por experiência como essas expressões servem de prelúdio à negação de alguma coisa que a Bíblia nos diz a respeito de Deus. É necessário que se diga com a maior ênfase possível que quem se considera livre para pensar em Deus como gosta está infringindo o segundo mandamento. Na melhor das hipóteses, podem pensar em Deus apenas como um homem, talvez um homem ideal ou um super-homem, mas Deus não se iguala a nenhum tipo humano. Nós fomos feitos à sua imagem, porém não podemos pensar nEle de acordo com a nossa imagem, pois pensar em Deus desse modo é ser ignorante a seu respeito, não O conhecendo.
Toda teologia especulativa, que se baseia em arrazoados filosóficos em vez da revelação bíblica, está errada. Paulo nos conta onde termina este tipo de teologia: "o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria" (1 Cor. 1:21). Seguir a imaginação no campo da teologia é um modo de se manter ignorante a respeito de Deus, tornar-se um adorador de imagens – o ídolo neste caso seria uma falsa imagem mental de Deus criada pela especulação e imaginação.
Tendo em vista este fato, o propósito positivo do segundo mandamento torna-se claro. Negativamente, é uma exortação contra os modos de adoração e a prática religiosa que nos levam a desonrar a Deus e a falsificar sua verdade. Positivamente, convoca-nos a reconhecer que Deus, o Criador, é transcendente, misterioso e inescrutável, além do limite de qualquer conjectura filosófica de que sejamos capazes; e, como conseqüência, um chamado para que nos humilhemos para ouvi-lo e aprender dEle, deixando que Ele mesmo nos ensine como é e como devemos pensar nEle. "Meus pensamentos não são os vossos pensamentos", Ele nos diz, "nem os vossos caminhos os meus caminhos... Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos «ais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos" (Isa. 55:8-9) .
Paulo fala do mesmo modo: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os teus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem, pois. conheceu a mente do Senhor?" (Rom. 11:33-34).
Deus não é como nós. Sua sabedoria, seus objetivos, sua escala de valores, seu modo de proceder difere tanto do nosso que não temos possibilidade de comparar nossos caminhos com os seus ou inferi-los por analogia segundo a idéia que fazemos do homem ideal. Não podemos conhecê-lo a menos que Ele fale e conte a seu próprio respeito. Mas, em realidade, Ele tem falado. Falou aos seus profetas e apóstolos e através deles, e tem falado nas palavras e atos de seu próprio Filho. Através de sua revelação, a que temos acesso pelas Sagradas Escrituras, podemos formar uma noção verdadeira sobre Deus; sem ela nunca o faremos. Parece assim que a força positiva do segundo mandamento é exigir que formemos nossa idéia sobre Deus com base na sua Santa Palavra e não em qualquer outra fonte.
Pelo modo como foi enunciado, parece claro que este é o impulso positivo do mandamento. Tendo proibido que se fizessem e se adorassem imagens, Deus se declarou "zeloso" em punir, não apenas os adoradores de imagens, mas todos os que O "odeiam", no sentido de desobedecerem os seus mandamentos como um todo.
Pelo contexto, seria natural e esperada uma ameaça apenas aos que usam imagens; por que então a ameaça de Deus é generalizada? Certamente é para que saibamos que aqueles que fazem imagens e as usam para adoração, e assim inevitavelmente extraem delas a sua teologia, terão na verdade a tendência de negligenciar em todos os pontos a vontade de Deus revelada. A mente que aceita imagens não aprendeu ainda a amar e a aceitar a Palavra de Deus. Aqueles que esperam que as imagens feitas pelos homens, materiais ou mentais, possam levá-los a Deus, por certo não tomarão nenhuma parte de sua revelação tão seriamente como deveriam.
Em Deuteronômio 4, o próprio Moisés interpreta a proibição de imagens na adoração, exatamente deste mesmo modo, opondo a fabricação de imagens à atenção aos mandamentos e à Palavra de Deus, como se essas duas coisas excluíssem completamente uma à outra. Ele lembra ao povo que embora tivessem tido sinais da presença de Deus no Sinai não viram nenhuma representação visível do próprio Deus, mas apenas ouviram sua voz: e os exortou a continuar vivendo como se estivessem aos pés da montanha, com a própria palavra de Deus soando aos seus ouvidos para dirigi-los, e sem qualquer suposta imagem de Deus diante de seus olhos para distraí-los.
A idéia é clara. Deus não apresentou a eles um símbolo visível de Si mesmo, mas falou com eles; não devendo eles, portanto, agora, procurar um símbolo visível de Deus, mas simplesmente obedecer às suas palavras. Se se disser que Moisés estava com medo de que os israelitas tomassem emprestados modelos de imagens das nações idólatras que os rodeavam, nossa resposta é sem dúvida positiva e este é exatamente o ponto: todas as imagens de Deus feitas pelos homens, quer sejam moldadas ou mentais são realmente emprestadas de um mundo sem Deus e pecador, e com certeza não estarão de acordo com a Palavra santa do próprio Deus. Fazer uma imagem de Deus é buscar inspiração em recursos humanos e não no próprio Deus, sendo este realmente o erro ao se fabricar imagens.
III
A questão que surge diante de nós dentro desta linha de pensamento que estamos seguindo é esta: Até que ponto estamos guardando o segundo mandamento? Por certo não temos imagens de bezerros em nossas igrejas, e, provavelmente não temos também um crucifixo em casa (embora poisamos ter alguma figura de Cristo em nossas paredes, que mereciam uma reflexão mais cuidadosa); mas, temos certeza que o Deus que adoramos é o Deus da Bíblia, o Jeová Triúno? Adoramos o único e verdadeiro Deus? Ou nossas idéias a seu respeito mostram que na realidade não cremos no Deus cristão, mas em algum outro da mesma forma que o muçulmano, o judeu e o testemunha de Jeová não crêem no Deus dos cristãos, mas em algum outro?
Você pode dizer: Como posso saber? Bem, o teste é este. O Deus da Bíblia falou em Seu Filho. A luz do conhecimento de sua glória nos é dada na face de Jesus Cristo. Será que olho habitualmente para a pessoa e para a obra do Senhor Jesus Cristo como revelação da verdade final sobre a natureza e a grandeza de Deus? Vejo todos os propósitos de Deus centralizados nEle?
Se fui capacitado para ver isto e em minha mente e meu coração posso ir até o Calvário e apropriar-me da solução do Calvário, posso então saber que verdadeiramente adoro o Deus verdadeiro, que Ele é o meu Deus, e que eu já estou gozando a vida eterna de acordo com a definição do próprio Senhor: "e a vida eterna é esta: que te conheçam a ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem enviaste" (João 17:3).
O que a palavra "idolatria" sugere à sua mente? Selvagens rastejando diante de um poste-ídolo? Estátuas com faces cruéis nos templos hindus? Danças religiosas dos sacerdotes de Baal ao redor do altar levantado por Elias? Tudo isto certamente é idolatria, de um modo bem claro, mas precisamos pensar que existem formas bem mais sutis de idolatria.
Veja o segundo mandamento. Ele diz "Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor teu Deus, Deus zeloso..." (Êxo. 20:4-5). Sobre o que este mandamento está falando?
Se estivesse isolado, seria natural supor que se refere à adoração de imagens de outros deuses além de Jeová – os ídolos da Babilônia, por exemplo, que Isaías ridicularizou (Isa. 44:9; 46:1), ou o paganismo do mundo greco-romano dos tempos de Paulo, sobre os quais ele escreveu em Romanos 1:23-25: "E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem do homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes, e répteis.., pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador..." Mas em seu contexto, é bem pouco provável que o segundo mandamento esteja se referindo a este tipo de idolatria, pois se assim fosse apenas estaria repetindo o pensamento do primeiro mandamento sem acrescentar nada a ele.
Assim sendo, tomamos o segundo mandamento – como tem sido sempre feito – como indicando para nós o princípio de que (citando Charles Hodge) "a idolatria consiste não apenas na adoração de deuses falsos, mas também na adoração do verdadeiro Deus através de imagens". Na aplicação cristã isto quer dizer que não devemos fazer uso de qualquer representação visual ou gravuras do Deus Triúno, ou de nenhuma pessoa da Trindade com a finalidade de adoração. O mandamento não se refere então ao objeto de nossa adoração, mas à maneira como esta é feita; o que ele diz é que nenhum estátua ou figura daquele que adoramos deve ser usada como auxílio a esta adoração.
Parece estranho à primeira vista, que tal proibição esteja colocada entre os dez princípios básicos da religião bíblica, pois não vemos, de imediato, muita razão. para isso. Que mal pode haver, perguntamos, se o adorador rodear-se de estátuas e quadros se eles o ajudam a elevar seu coração a Deus? Acostumamo-nos a tratar este problema como se estas coisas devessem ser usadas ou não, de acordo com o temperamento e o gosto pessoal de cada um. Sabemos que muitas pessoas têm crucifixos e figuras de Cristo em seus quartos e elas dizem que olhar para esses objetos ajuda a focalizar seus pensamentos em Cristo. Sabemos que muitas pessoas dizem ser capazes de adorar com mais liberdade e facilidade em igrejas cheias de tais ornamentos do que em igrejas sem eles.
Bem, que há de errado nisso? Que mal essas coisas podem causar? Se as pessoas as acham realmente úteis, que há de mais para se dizer? Que propósito há em proibi-las? Diante desta perplexidade, alguém poderá sugerir que o segundo mandamento se aplica apenas a representações imorais ou degradantes de Deus, tiradas dos cultos pagãos e a nada mais. Mas as palavras do mandamento eliminam tal suposição. Deus diz categoricamente: "Não farás para ti imagem de escultura nem alguma semelhança" para ser usada em adoração. Esta afirmação categórica proíbe tão apenas o uso de figuras e estátuas que mostram Deus como um animal, mas também o uso de figuras e imagens que O mostram como a mais elevada criatura que conhecemos – o homem. Proíbe também o uso de figuras e imagens de Jesus Cristo Como um homem, embora o próprio Jesus tenta sido e permaneça um Homem; pois toda figura ou imagem é necessariamente feita com a "semelhança" do homem ideal, como o imaginamos, e portanto, está sob a proibição imposta pelo mandamento.
Historicamente, os cristãos divergem a respeito do segundo mandamento, no caso de proibir o uso de figuras de Jesus com o propósito de ensinar e instruir" (por exemplo, na Escola Dominical), e a questão não é fácil de resolver; mas não há dúvida alguma de que o segundo mandamento nos obriga a dissociar nossa adoração tanto pública como particular, de qualquer figura ou estátua de Jesus, assim como de qualquer representação de Seu Pai.
Mas qual é, neste caso, a razão para esta proibição tão ampla? Pela ênfase dada ao próprio mandamento com as assustadoras sanções ligadas a ele (proclamando o zelo de Deus; punindo com severidade os transgressores) supõe-se que deve ser de importância crucial. Mas será realmente? A resposta é sim. A Bíblia mostra que a glória de Deus e o bem espiritual do homem estão diretamente ligados a ele. Duas linhas de pensamento se apresentam diante de nós e juntas poderão explicar amplamente porque este mandamento deve ser tão enfaticamente destacado. Estas linhas de pensamento não se relacionam com o auxílio real ou imaginário das imagens, mas com a verdade delas. São as seguintes:
1) As imagens desonram a Deus, pois obscurecem a Sua glória. A semelhança das coisas celestes (sol, lua, estrelas) ou terrestres (homens, animal, pássaro, inseto) e marítimas (peixes, mamíferos, crustáceos) não é exatamente a semelhança de seu Criador.
"A verdadeira imagem de Deus", escreveu Calvino, "não é encontrada em todo o mundo; conseqüentemente... sua glória é profanada, e sua verdade corrompida pela mentira, sempre que Ele é apresentado aos nossos olhos de uma forma visível... Portanto, projetar qualquer imagem de Deus é em si mesmo ímpio; porque por essa corrupção sua majestade fica adulterada, e Ele é imaginado diferente do que é na realidade.
"O ponto aqui não é apenas que a imagem representa Deus como tendo corpo e membros, o que na realidade Ele não tem. Se fosse apenas esta a objeção a imagens, a representação de Cristo não seria errada, mas a realidade é muito mais profunda. O ponto focal da objeção a figuras e imagens é que inevitavelmente elas ocultam quase toda, senão toda a verdade sobre a natureza pessoal e o caráter do Ser divino que representam.
Para ilustrar: Arão fez um bezerro de ouro (isto é, a imagem de um boi). A intenção foi ter um símbolo visível de Jeová, o Deus poderoso que havia tirado Israel do Egito. Não há dúvida de que a intenção era honrar a Deus, criando um símbolo de sua grande força. Mas, não é difícil ver como esse símbolo é de fato um insulto a Ele, pois que idéia de seu caráter moral, sua justiça, bondade e paciência, poderia alguém fazer olhando para a sua imagem representada por um boi? Assim a imagem de Arão escondeu a glória de Jeová. De um modo semelhante, o patético do crucifixo obscurece a glória de Cristo, pois esconde o fato de sua divindade, sua vitória na cruz, e seu reino presente. Ele mostra sua fraqueza humana, mas esconde sua força divina; descreve a realidade de sua dor, porém não mostra a r4alidade de sua alegria e força. Em ambos os casos o símbolo é sem valor por aquilo que deixa de representar. O mesmo acontece com todas as outras representações vistais da divindade.
O que quer que pensemos a respeito da arte religiosa de um ponte, de vista cultural, não devemos olhar para figuras de Deus a fim de que nos mostrem sua glória e que nos levem à adoração, pois na verdade a sua glória jamais é encontrada nesses quadros. Por isso é que Deus acrescentou no segundo mandamento uma referência a Si mesmo como "zeloso" para se vingar daqueles que O desobedecem: pois o "ciúme" de Deus, na Bíblia, é seu zelo em manter sua própria glória, que é posta em jogo quando imagens são usadas na adoração.
Em Isaías 40:18 depois de haver declarado vivamente a grandeza incomensurável de Deus, é feita a pergunta: "Com quem comparareis a Deus? ou que cousa semelhante confrontareis com ele?" A pergunta não espera uma resposta, apenas um silêncio reservado. Seu propósito é lembrado que é tão absurdo quanto ímpio pensar que uma imagem modelada, como precisam ser, de acordo com alguma criatura, possa ter qualquer semelhança aceitável com o Criador.
Esta não é a única razão pela qual somos proibidos de usar imagens na adoração.
2 – As imagens enganam os homens. Elas projetam idéias falsas a respeito de Deus. O modo inadequado como O representam perverte nossos pensamentos a Seu respeito, e incutem em nossas mentes erros de todos os tipos sobre seu caráter e vontade. Ao fazer a imagem de Deus na forma de um bezerro, Arão levou os israelitas a pensarem nEle como um Ser que pedia ser adorado através de frenética devassidão. Conseqüentemente, a "festa do Senhor" que Arão organizou (Êxo. 32:5) transformou-se em uma orgia vergonhosa. Ainda mais, a história tem provado com fatos que o uso do crucifixo como auxílio para a oração tem levado o povo a pensar que devoção é meditar sobre os sofrimentos corporais de Cristo; e isso os torna mórbidos em relação ao valor espiritual da dor física, impedindo-os de conhecer o Salvador ressurreto.
Estes exemplos mostram como as imagens falsificaram a verdade de Deus na mente dos homens. Psicologicamente, é certo que se seus pensamentos estiverem habitualmente focalizados em uma imagem ou figura dAquele a quem suas orações são dirigidas, você pensará nEle e orará a Ele como a imagem O representa. Assim, neste sentido, você estará "se curvando" e "adorando" sua imagem; e na mesma medida em que essa imagem falha em representar a verdade sobre Deus, você estará também deixando de adorar a Deus em verdade.
É por isso que Deus nos proíbe de fazer uso de imagens e figuras em nossa adoração.
II
A compreensão de que imagens e figuras de Deus afetam nossos pensamentos sobre Deus leva a um campo mais avançado no qual se aplica a proibição do segundo mandamento. Ele tanto nos proíbe moldar imagens de Deus como também criar mentalmente imagens de Deus. Imaginar Deus em nossa mente pode ser uma infração tão real do segundo mandamento quanto imaginá-lo mediante o trabalho de nossas mãos.
Ouvimos freqüentemente expressões como esta: "Eu gosto de pensar em Deus como o grande Arquiteto (ou Matemático, ou Artista)". "Eu não penso em Deus como um Juiz: gosto de pensar nEle simplesmente como um Pai." Sabemos por experiência como essas expressões servem de prelúdio à negação de alguma coisa que a Bíblia nos diz a respeito de Deus. É necessário que se diga com a maior ênfase possível que quem se considera livre para pensar em Deus como gosta está infringindo o segundo mandamento. Na melhor das hipóteses, podem pensar em Deus apenas como um homem, talvez um homem ideal ou um super-homem, mas Deus não se iguala a nenhum tipo humano. Nós fomos feitos à sua imagem, porém não podemos pensar nEle de acordo com a nossa imagem, pois pensar em Deus desse modo é ser ignorante a seu respeito, não O conhecendo.
Toda teologia especulativa, que se baseia em arrazoados filosóficos em vez da revelação bíblica, está errada. Paulo nos conta onde termina este tipo de teologia: "o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria" (1 Cor. 1:21). Seguir a imaginação no campo da teologia é um modo de se manter ignorante a respeito de Deus, tornar-se um adorador de imagens – o ídolo neste caso seria uma falsa imagem mental de Deus criada pela especulação e imaginação.
Tendo em vista este fato, o propósito positivo do segundo mandamento torna-se claro. Negativamente, é uma exortação contra os modos de adoração e a prática religiosa que nos levam a desonrar a Deus e a falsificar sua verdade. Positivamente, convoca-nos a reconhecer que Deus, o Criador, é transcendente, misterioso e inescrutável, além do limite de qualquer conjectura filosófica de que sejamos capazes; e, como conseqüência, um chamado para que nos humilhemos para ouvi-lo e aprender dEle, deixando que Ele mesmo nos ensine como é e como devemos pensar nEle. "Meus pensamentos não são os vossos pensamentos", Ele nos diz, "nem os vossos caminhos os meus caminhos... Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos «ais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos" (Isa. 55:8-9) .
Paulo fala do mesmo modo: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os teus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem, pois. conheceu a mente do Senhor?" (Rom. 11:33-34).
Deus não é como nós. Sua sabedoria, seus objetivos, sua escala de valores, seu modo de proceder difere tanto do nosso que não temos possibilidade de comparar nossos caminhos com os seus ou inferi-los por analogia segundo a idéia que fazemos do homem ideal. Não podemos conhecê-lo a menos que Ele fale e conte a seu próprio respeito. Mas, em realidade, Ele tem falado. Falou aos seus profetas e apóstolos e através deles, e tem falado nas palavras e atos de seu próprio Filho. Através de sua revelação, a que temos acesso pelas Sagradas Escrituras, podemos formar uma noção verdadeira sobre Deus; sem ela nunca o faremos. Parece assim que a força positiva do segundo mandamento é exigir que formemos nossa idéia sobre Deus com base na sua Santa Palavra e não em qualquer outra fonte.
Pelo modo como foi enunciado, parece claro que este é o impulso positivo do mandamento. Tendo proibido que se fizessem e se adorassem imagens, Deus se declarou "zeloso" em punir, não apenas os adoradores de imagens, mas todos os que O "odeiam", no sentido de desobedecerem os seus mandamentos como um todo.
Pelo contexto, seria natural e esperada uma ameaça apenas aos que usam imagens; por que então a ameaça de Deus é generalizada? Certamente é para que saibamos que aqueles que fazem imagens e as usam para adoração, e assim inevitavelmente extraem delas a sua teologia, terão na verdade a tendência de negligenciar em todos os pontos a vontade de Deus revelada. A mente que aceita imagens não aprendeu ainda a amar e a aceitar a Palavra de Deus. Aqueles que esperam que as imagens feitas pelos homens, materiais ou mentais, possam levá-los a Deus, por certo não tomarão nenhuma parte de sua revelação tão seriamente como deveriam.
Em Deuteronômio 4, o próprio Moisés interpreta a proibição de imagens na adoração, exatamente deste mesmo modo, opondo a fabricação de imagens à atenção aos mandamentos e à Palavra de Deus, como se essas duas coisas excluíssem completamente uma à outra. Ele lembra ao povo que embora tivessem tido sinais da presença de Deus no Sinai não viram nenhuma representação visível do próprio Deus, mas apenas ouviram sua voz: e os exortou a continuar vivendo como se estivessem aos pés da montanha, com a própria palavra de Deus soando aos seus ouvidos para dirigi-los, e sem qualquer suposta imagem de Deus diante de seus olhos para distraí-los.
A idéia é clara. Deus não apresentou a eles um símbolo visível de Si mesmo, mas falou com eles; não devendo eles, portanto, agora, procurar um símbolo visível de Deus, mas simplesmente obedecer às suas palavras. Se se disser que Moisés estava com medo de que os israelitas tomassem emprestados modelos de imagens das nações idólatras que os rodeavam, nossa resposta é sem dúvida positiva e este é exatamente o ponto: todas as imagens de Deus feitas pelos homens, quer sejam moldadas ou mentais são realmente emprestadas de um mundo sem Deus e pecador, e com certeza não estarão de acordo com a Palavra santa do próprio Deus. Fazer uma imagem de Deus é buscar inspiração em recursos humanos e não no próprio Deus, sendo este realmente o erro ao se fabricar imagens.
III
A questão que surge diante de nós dentro desta linha de pensamento que estamos seguindo é esta: Até que ponto estamos guardando o segundo mandamento? Por certo não temos imagens de bezerros em nossas igrejas, e, provavelmente não temos também um crucifixo em casa (embora poisamos ter alguma figura de Cristo em nossas paredes, que mereciam uma reflexão mais cuidadosa); mas, temos certeza que o Deus que adoramos é o Deus da Bíblia, o Jeová Triúno? Adoramos o único e verdadeiro Deus? Ou nossas idéias a seu respeito mostram que na realidade não cremos no Deus cristão, mas em algum outro da mesma forma que o muçulmano, o judeu e o testemunha de Jeová não crêem no Deus dos cristãos, mas em algum outro?
Você pode dizer: Como posso saber? Bem, o teste é este. O Deus da Bíblia falou em Seu Filho. A luz do conhecimento de sua glória nos é dada na face de Jesus Cristo. Será que olho habitualmente para a pessoa e para a obra do Senhor Jesus Cristo como revelação da verdade final sobre a natureza e a grandeza de Deus? Vejo todos os propósitos de Deus centralizados nEle?
Se fui capacitado para ver isto e em minha mente e meu coração posso ir até o Calvário e apropriar-me da solução do Calvário, posso então saber que verdadeiramente adoro o Deus verdadeiro, que Ele é o meu Deus, e que eu já estou gozando a vida eterna de acordo com a definição do próprio Senhor: "e a vida eterna é esta: que te conheçam a ti o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem enviaste" (João 17:3).
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