"O vento assopra onde quer; e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem; nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito". (João 3:8)
1. Assim é todo aquele que é "nascido do Espírito", - isto é, nascido novamente, -- nascido de Deus? O que significa nascer novamente, ou nascer do Espírito? O que implica em se ser filho, ou uma criança de Deus, ou se ter o Espírito de adoção? Nós sabemos, que esses privilégios, pela misericórdia livre de Deus, são comumente anexos ao batismo (e que, por esta razão, é denominado por nosso Senhor, no verso precedente, aquele que é "nascido da água e do Espírito"); mas nós saberíamos quais são esses privilégios: O que é, afinal, o novo nascimento? 
2. Talvez, não seja necessário dar uma definição disso, já que as Escrituras dão nenhuma. Mas, como a questão é da mais profunda relevância para o filho do homem; desde que, "se o homem não nascer novamente", nascer do Espírito, "ele não poderá ver o reino de Deus"; eu proponho declarar as marcas de uma maneira mais clara, exatamente, como eu as encontro nas Escrituras. 
I.
1. A Primeira delas, e o alicerce de todas as restantes é a Fé. Assim diz Paulo: "Porque todos vós sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus" (Gal. 3:26). E, assim diz João: "Para eles, deu ele poder" (exousian, right or privilege, deveria ser traduzido melhor) "para se tornarem filhos de Deus, mesmo para eles que crêem em seu nome; os quais foram nascidos", quando eles acreditaram, "não do sangue, nem da vontade da carne", nem por uma geração natural, "nem da vontade do homem", como aquelas crianças adotadas pelos homens, em quem, nenhuma mudança interior, por meio disso, é forjada, "mas de Deus", (João 1:12-13). E, novamente, em sua Epístola Geral, (I João 5:1) "Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus, e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido". 
2. Mas, não é, tão somente, uma fé visionária ou especulativa, que aqui é falada pelos Apóstolos. Não é apenas a aquiescência dessa proposição, Jesus é o Cristo; nem, de fato, todas as proposições contidas em nosso credo, ou no Velho ou Novo Testamento. Não é meramente uma aquiescência de alguma, ou de todas essas coisas críveis, como críveis. Dizer isso era dizer, (o qual, quem poderia ouvir?) que o diabo nasceu de Deus; que ele tem essa fé. Ele, tremente, acredita, que Jesus é o Cristo, e que toda as Escrituras, tendo sido dadas, por inspiração de Deus, são verdadeiras, como Deus é verdadeiro. Não é apenas uma aquiescência da verdade divina, em cima do testemunho de Deus, ou em cima das evidências de milagres; porque ele também ouviu as palavras de sua boca, e soube que Ele era o testemunho fiel e verdadeiro. Ele não pôde receber o testemunho que Ele deu, por Ele próprio, ou do Pai que o enviou. Ele viu igualmente as poderosas obras que Cristo fez, e, por isso, acreditou que ele "veio de Deus". Ainda assim, não obstante, essa fé, ele ainda está "preso aos grilhões da escuridão, até o julgamento do grande dia". 
3. Porque tudo isso não é mais do que uma fé morta. A fé cristã verdadeira e viva, a qual, quem tem, é nascido de Deus, não é apenas uma aquiescência, um ato de entendimento; mas uma capacidade, que Deus tem forjado em nossos corações; "é a certeza em Deus de que seus pecados estão perdoados, através dos méritos de Cristo, e você está reconciliado para o favor de Deus". Isso implica que um homem, primeiro, tem que renunciar a si mesmo; para que seja "edificado em Cristo"; e, para que seja aceito, por meio dele, ele rejeita completamente toda a "convicção da carne"; e, "tendo nada a pagar", não tendo confiado em suas próprias obras, ou retidão de alguma espécie, ele vem até Deus, como um pecador perdido, miserável; assolando a si mesmo, condenando a si mesmo, incompleto, impotente; como alguém cuja boca foi terminantemente calada, e que está completamente "culpado diante de Deus". De tal senso de pecado (comumente chamado desespero, por aqueles que falam mal das coisas que eles não conhecem), da convicção plena, como nenhuma palavra pode expressar, de que apenas de Cristo vem a salvação, e do sincero desejo dessa salvação, deve proceder a fé viva, a confiança Nele, que, através de sua morte, pagou nosso resgate, e cumpriu a lei, em sua própria vida. Essa fé, por meio da qual somos nascidos de Deus, não é "apenas a crença em todos os artigos da nossa fé, mas também a confiança verdadeira da misericórdia de Deus, por meio de nosso Senhor, Jesus Cristo".
4. O fruto imediato e constante dessa fé, pela qual somos nascidos de Deus, e do qual não podemos, de modo algum, ser separados; não, nem por uma hora, é o poder sobre o pecado; -- poder sobre o pecado exterior, de toda a espécie; sobre as palavras e obras más; porque, onde quer que o sangue de Cristo seja assim aplicado, ele "purga a consciência das obras mortas"; -- e sobre o pecado interior; porque ele purifica o coração de todo desejo e temperamento iníquo. Esse fruto da fé, Paulo descreve amplamente, em seu sexto capítulo, de sua Epístola aos Romanos: "Como podemos nós", diz ele, "dizer que aquele, que, pela fé, está morto para o pecado, viva ainda algum tempo nele?". "Que, nosso velho homem estando crucificado com Cristo, o corpo do pecado estaria destruído, e que, dali em diante, não deveríamos servir mais ao pecado". – "Do mesmo modo, considerem-se mortos para o pecado, mas vivos para Deus, através de Jesus Cristo, nosso Senhor. Não permitam, daí, em diante, que o pecado reine", mesmo "em seus corpos mortais". "Porque o pecado não tem mais domínio sobre vocês". Deus estará agradecido, que vocês, que eram servos no pecado, agora, sendo livres dele, tornem-se servos da retidão. 
5. O mesmo privilégio inestimável dos filhos de Deus, é afirmado por João; particularmente, com respeito ao ramo anterior, isto é, o poder sobre o pecado externo. Depois de ter clamado, como alguém atônico, diante das profundezas da bondade de Deus: "Observe, que tipo de amor Deus tem outorgado sobre nós, para que possamos ser chamados de Filhos de Deus! Observe que, agora, somos os filhos de Deus: Mas ainda não aparece o que nós devemos ser; no entanto, nós sabemos que, quando ele aparecer, nós devemos ser como ele; porque assim como é, o veremos" (I João 3:1).  Mas alguns homens irão dizer: "Verdade: Quem quer que seja nascido de Deus não comete pecado habitualmente". Habitualmente! De onde vem isso? Eu não li a respeito. Isso não está escrito no Livro. Deus diz claramente: "Ele não comete pecado"; e tu acrescentas, habitualmente! Quem tu pensas que és, para retificares as palavras de Deus? Para que "acrescentes às palavras desse livro?" Toma cuidado, eu imploro a ti, para que Deus não "acrescente" a ti todos os flagelos que estão escritos nele! Especialmente, quando o comentário que tu acrescentas é tal, que desdiz completamente o texto: De maneira que, por meio desse método ardiloso de engodo, as promessas preciosas estão terminantemente perdidas; por meio desse ardil e subterfúgio de homens, a palavra de Deus é feita sem efeito algum. Toma cuidado, tu que, assim, tiras das palavras deste livro; que, removendo o significado e espírito inteiro delas, leves somente o que pode ser, realmente, denominado letra morta, para que Deus não remova tua parte do livro da vida!
6. Mas vamos deixar que o Apóstolo interprete suas próprias palavras, pelo teor total de seu discurso. No quinto verso, deste capítulo, ele diz: "E bem sabeis que ele", Cristo, "se manifestou para tirar os nossos pecados; e nele não há pecado". Qual é a inferência que ele esboça disso? (I João 3:6) "Qualquer que permanece nele não peca; qualquer que peca não o viu e nem o conhece". Para seu reforço nessa doutrina importante, ele estabelece como premissa uma precaução altamente necessária: "Filhinhos, ninguém vos engane. Quem pratica justiça é justo, assim como ele é justo" (verso7); porque muitos se esforçarão para persuadir você, de que pode ser injusto que você possa cometer pecado, e, ainda assim, ser filho de Deus! "Quem pratica justiça é justo, assim como ele é justo. Quem comete o pecado é do diabo, porque o diabo peca, desde o princípio". Então, segue, "Quem quer que nasça de Deus, não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar; porque é nascido de Deus. Nisso", acrescenta o Apóstolo, "são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo". Por essa marca clara (cometendo ou não cometendo pecado), é que eles são distinguidos uns dos outros. Para o mesmo efeito são as palavras em: (I João 5:18) "Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado, conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca".
7. Um outro fruto dessa fé viva é a paz. Porque, "sendo justificados, pela fé"; tendo todos nossos pecados apagados, "nós temos paz com Deus, através de nosso Senhor, Jesus Cristo". (Romanos 5:1). Isso, realmente, o próprio nosso Senhor, uma noite antes de sua morte, solenemente, legou em herança, para todos seus seguidores: (João 14:27) "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize". E Novamente: (João 16:33) "Tenho vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo!".  Essa é aquela "paz de Deus que excede a todo entendimento"; aquela serenidade da alma, a qual não é concebida no coração do homem natural, e não é possível, até mesmo, o homem espiritual proferir. E é a paz, que nem mesmo todos os poderes da terra e do inferno são capazes de tirar dele. Ondas e tempestades agitam-se sobre ela, mas não a estremecem; porque ela está fincada na rocha. Ela permanece, nos corações e mentes dos filhos de Deus, todo o tempo, e em todos os lugares. Mesmo que eles estejam na comodidade ou na dor; na doença ou na saúde; na abundância ou na privação, eles estão felizes em Deus. Em todas as ocasiões, eles aprenderam a estar satisfeitos; sim, dando graças a Deus, através de Cristo Jesus; estando seguro de que "o que quer que aconteça, é o melhor", porque é concernente à vontade Dele. De modo que, em todas as vicissitudes da vida seus corações "resistem, acreditando no Senhor".
II.
1. A Segunda marca espiritual daqueles que são nascidos de Deus, é a esperança.  Assim diz Pedro, falando a todos os filhos de Deus que estavam, então, espalhados: (I Pedro 1:3) "Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos".  A esperança vívida ou viva, diz o Apóstolo; porque há também a esperança morta: a esperança que não é de Deus, mas do inimigo de Deus e homem; como, evidentemente, aparece por seus frutos; porque, assim como é o fruto do orgulho, também é o pai de toda palavra e obra má; visto que todo homem que nele tem essa paz viva, é "santo como Ele que o chamou é santo": Todo homem que verdadeiramente disser para seu irmão em Cristo: "Amado, agora nós somos filhos de Deus, e podemos vê-lo como ele é", "purificou-se, assim como Ele é puro". 
  
  2. Essa esperança implica, Primeiro, no testemunho de nosso próprio espírito ou consciência, de que nós caminhamos "em simplicidade e sinceridade divina", Segundo, no testemunho do Espírito de Deus, "testemunhando com", ou para "nosso espírito, que nós somos os filhos de Deus", "e, se filhos, então seus herdeiros; herdeiros de Deus, e co-herdeiros com Cristo".
3. Vamos observar bem o que nos é aqui ensinado por Deus, no tocante a esse privilégio glorioso de seus filhos: De quem se trata a testemunha, de que se fala aqui?  Não é do nosso espírito, mas de um outro: do Espírito de Deus: É Ele quem "testemunha, com nosso espírito". E o que ele testemunha? "Que nós somos filhos de Deus", "e, se filhos, então, herdeiros; herdeiros de Deus, e co-herdeiros com Cristo", conforme (Romanos 8:16-17). "Assim sendo, se nós sofremos com ele; se nós negamos a nós mesmos; se nós tomamos nossa cruz diariamente; se nós suportamos, alegremente, perseguição ou reprovação, por causa do seu nome, é para que possamos ser glorificados juntos". Mas, em quem, o Espírito de Deus dá testemunho? Em todos os filhos de Deus. Por esse mesmo argumento, o Apóstolo prova, nos versos precedentes: "tantos", diz ele, "quantos são conduzidos pelo Espírito de Deus, estes são os filhos de Deus". "Porque você não recebeu o espírito da escravidão, novamente, para temer; mas você recebeu o Espírito de Adoção, por meio do qual clamamos, Aba, Pai!". E segue em: (Romanos 8:14-16) "O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus". 
4. A variação da frase, no décimo-quinto verso, merece nossa observação: "Porque não recebeste o espírito de escravidão, para, outra vez, estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual chamamos, aba, Pai". Sim, como os muitos que são filhos de Deus, têm recebido, na condição de filhos adotados, o mesmo Espírito de Adoção, por meio do qual, nós clamamos, Aba, Pai: Nós, os Apóstolos, Profetas, Professores (para que a palavra não seja impropriamente entendida), nós, através de quem você tem acreditado, os "ministros de Cristo, e administradores dos mistérios de Deus". Como nós e você temos um só Senhor, assim, um só Espírito: Como nós temos uma fé única, então, uma esperança única, também. Nós e você somos selados com o "Espírito único da promessa", a garantia de sua e da nossa herança: O mesmo Espírito sendo testemunha, com seu e nosso espírito, "que nós somos os filhos de Deus".  
5. E, assim, as Escrituras são cumpridas, "Abençoados são aqueles que murmuram, porque eles serão confortados". Porque é fácil acreditar que, embora aflições precedam esse testemunho de Deus com nosso espírito; (de fato, devem, em algum grau, enquanto nós gememos, debaixo do medo e do senso da ira de Deus, permanecendo em nós); ainda assim, tão logo, algum homem o sente, em si mesmo, "sua aflição transforma-se em alegria". O que quer que sua dor tenha sido; ainda assim, tão logo, aquela "hora chega, ele se lembra de não se angustiar mais, porque se alegra" de ser nascido de Deus. Pode ser que muitos de vocês tenham agora tristeza, porque vocês estão "alienados da comunidade de Israel"; porque vocês estão cônscios de que vocês não têm esse Espírito; de que vocês estão "sem esperança, e sem Deus no mundo". Mas, quando o Confortador vier, "então, seus corações se regozijarão"; sim, "a alegria de vocês será completa", e "essa alegria nenhum homem poderá tirar de vocês". (João 16:22) "Assim também vós, agora, na verdade, tendes tristeza; mais outra vez vos verei, e o vosso coração e alegrará, e a vossa alegria, ninguém vo-la tirará". "Nós nos alegramos em Deus", podemos, sim, dizer, "através de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem nós temos agora recebido a reparação"; "por meio de quem temos, agora, acesso a essa graça", esse estado de graça, do favor ou reconciliação com Deus, "por meio da qual nós permanecemos, e nos regozijamos na esperança da glória de Deus". (Romanos 5:2) "Pelo qual também temos entrada pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus". "Sim", diz Pedro, aqueles que Deus tem "criado novamente, na esperança viva, são mantidos pelo poder de Deus na salvação: Por meio da qual vocês se regozijam, grandemente, embora agora para o momento, possa ser que vocês estejam em aflição, através das tentações múltiplas; que a experimentação da fé de vocês possa ser encontrada na oração, e honra, e glória, no aparecimento de Jesus Cristo: em quem, embora vocês não vejam, ainda assim, regozijam-se com inexprimível alegria e glória completa". (Pedro 1:5-8) "Que, mediante a fé, estais guardados na virtude de Deus, para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo, em que vós, grandemente, vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejas por um pouco constritados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória na revelação de Jesus Cristo; ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrará com gozo inefável e glorioso".   Inexprimível, realmente! Não é para a língua do homem descrever essa alegria no Espírito Santo. Ela está "escondida no maná, que nenhum homem conhece; salvo aquele que o recebeu". Mas isso nós sabemos, não apenas permanece, mas transborda, nas profundezas da aflição. "Será que quando todo o conforto terreno falhar, as consolações de Deus serão pequenas?". De modo algum! Quando os sofrimentos abundarem, as consolações de seu Espírito serão ainda mais abundantes; de tal maneira que os filhos de Deus "rirão diante da destruição, quando ela vier". Diante da necessidade, do inferno, e da ameaça; sabendo que Ele que "tem a chave da morte e inferno", e que irá, brevemente, "lançá-los no abismo insondável"; ouvindo, mesmo agora, sua voz, vinda dos céus, dizendo, em (Apocalipse 21:3,4) "E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas". 
III.
1. A Terceira marca bíblica daqueles que são nascidos de Deus, e a maior de todas é o amor; como em (Romanos 5:5) "E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado no coração deles, pelo Espírito Santo que lhes foi dado". E, em (Gal. 4:6) "Porque eles são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho, em seus corações, clamando, Aba, Pai". Por esse Espírito, olhando, continuamente, para Deus, como o Pai reconciliador e amável, eles clamam a ele pelo seu pão diário, e todas as coisas necessárias; seja para suas almas ou corpos. Eles, continuamente, despejam o coração deles, diante de Deus, sabendo (I João 5:15) "que ele os ouve em tudo o que pedem; sabendo que alcançam as petições que lhe fazem". O prazer deles está em Deus. Ele é a alegria em seus corações; "escudo" e "grande galardão" deles. O desejo de suas almas é em direção a ele; "carne e bebida para fazer sua vontade"; e (Salmos 63:5) eles estão "satisfeitos como com tutano e gordura, enquanto as suas bocas louvam com alegres lábios". 
2. E, nesse sentido, também, (I João 5:1) "todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido".  Seu espírito regozija-se em Deus, seu Salvador. Ele "ama o Senhor Jesus Cristo com sinceridade". Ele está, então, "junto com o Senhor", como sendo um só espírito. Sua alma prende-se à dele, e O escolhe, como, completamente, adorável, o principal entre dez mil. Ele sabe e sente o que isso significa: (Cantares 2:16) "O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios". E (Salmos 45:2) "Tu és mais formoso do que os filho dos homens; a graça se derramou em teus lábios; por isso, Deus te abençoou para sempre". 
3. O fruto necessário desse amor de Deus é o amor ao próximo; de todas as almas que Deus tenha feito; sem excluir nossos inimigos; sem excluir aqueles que estão, agora, "despeitosamente usando e nos perseguindo"; um amor, por meio do qual, nós amamos todos os homens, como a nós mesmos; como amamos nossas próprias almas. Não somente isto, mas também, nosso Senhor expressou isso, ainda mais fortemente, nos ensinando a "amar o outro, como Ele nos amou". Assim sendo, o mandamento escrito nos corações de todos aqueles que amam a Deus, é nenhum outro do que esse: "Como eu tenho amado você, então, ame a seu próximo". Agora em (I João 3:16) "observamos o amor de Deus, em qual ele deu a sua vida por nós, e que nós devemos", então, como o Apóstolo, justamente, infere "dar a nossa vida pelos irmãos". Se nós nos sentimos prontos para fazer isso, então, nós, verdadeiramente, amamos o próximo. Então, (I João 3:14) "nós sabemos o que passamos da morte para a vida, porque amamos", assim, "os irmãos". E, (I João 4:13) "Nisso, conhecemos" que nós somos nascidos de Deus, que "habitamos nele, e ele em nós, porque ele nos deu de seu" amável "Espírito". Porque (I João 4:7) "o amor é de Deus; e todo aquele que", assim, "ama, é nascido de Deus, e conhece a Deus".      
4. Mas alguns podem possivelmente perguntar: Mas o Apóstolo não diz que "Esse é o amor de Deus, que guardemos os seus mandamentos?" (I João 5:3). Sim. E, esse é o amor ao nosso próximo também, no mesmo sentido como é o amor de Deus. Mas o que você pode deduzir disso? Que manter os mandamentos externos é tudo o que está implícito, em amar a Deus, com todo seu coração, com toda sua mente, e alma, e forças, e em amar seu próximo como a si mesmo? Que o amor de Deus não é uma afeição da alma, mas, meramente uma tarefa exterior? E que o amor ao nosso próximo não é uma disposição do coração, mas, meramente, o curso das obras exteriores? Para mencionar uma interpretação, tão grosseira, das palavras do Apóstolo, é confutá-lo suficientemente. O significado claro e incontestável do texto é que esse é o sinal ou a prova do amor de Deus, de que devemos manter o primeiro e grande mandamento, para podermos manter todo o restante deles. Porque o amor verdadeiro, uma vez, esparramado, em nossos corações, irá nos constranger a procedermos dessa forma; já que, quem quer que ame a Deus, com todo seu coração, não pode deixar de servi-lo com todas as suas forças.      
5. O Segundo fruto, então, do amor de Deus (tanto quanto ele pode ser distinguido disso), é a obediência universal a ele que amamos, e em conformidade com sua vontade; obediência a todos os mandos de Deus, interno e externo; obediência do coração e da vida; em todo temperamento, e em toda forma de conversação. E um dos temperamentos, que mais, obviamente, implica nisso é ser "zeloso das boas obras"; fazer o bem ao faminto e sedento de todas as maneira possíveis, a todos os homens; o regozijar-se em "dar e se dar a eles", por todo filho do homem; não buscando recompensa no mundo, mas apenas na ressurreição do justo. 
IV.
1. Dessa forma, eu coloquei claramente aquelas marcas do novo nascimento, como eu as encontrei nas Escrituras. Assim, o próprio Deus responde aquela questão importante: O que significa ser nascido de Deus? Tal que, se o apelo for feito aos profetas de Deus, é respondido: "todo aquele que é nascido do Espírito". Isto é, no julgamento do Espírito de Deus, para que seja filho ou criança de Deus: É, então, acreditar em Deus, através de Cristo, já que "não comete pecado", e se alegra todo o tempo, e em todas os lugares, com aquela "paz de Deus, o qual excede todo entendimento". É, então, esperar em Deus, através do Filho de seu amor, já que tem, não apenas, o "testemunho da consciência boa", mas também, do Espírito de Deus, "sendo testemunha com seu próprio espírito de que você é filho de Deus"; por esse motivo, não pode deixar de brotar a alegria Nele, através de quem você "recebeu a redenção". É, então, amar a Deus, que tem, assim, amado você, como você nunca amou alguma outra criatura. De modo que você é constrangido a amar todos os homens como a si mesmo; com um amor que não apenas queima em seu coração, mas arde em todas as suas ações e conversas, fazendo com que toda a sua vida seja uma "tarefa de amor", na obediência contínua desses mandamentos: "seja misericordioso, como Deus é misericordioso"; "seja santo, como eu, o Senhor, sou santo"; "seja perfeito, como seu Pai, que está nos céus, é perfeito". 
2. Quem, então, são vocês que são, assim, nascidos de Deus? Vocês "conhecem as coisas que são dadas a vocês de Deus". Vocês conhecem bem que são os filhos de Deus, e "podem assegurar seus corações diante dele". E cada um de vocês, que tem observado essas palavras, não pode deixar de sentir, e conhecer da verdade, se, nesse momento (responda a Deus, e não ao homem!), você é assim um filho de Deus, ou não. A questão não é, o que você foi feito no batismo; (sem usar sofisma); mas, o que você é agora? O Espírito de adoção está em seu coração? Ao seu próprio coração esse apelo deve ser feito. Eu não pergunto, se você era nascido da água e do Espírito; mas se você é agora o templo do Espírito Santo que habita você? Eu reconheço que você esteja "circuncidado com a circuncisão de Cristo"; (como Paulo enfaticamente denomina o batismo); mas o Espírito de Cristo da glória agora descansam sobre você? Ou "sua circuncisão transformou-se em incircuncisão?".
3. Não diga, então, em seu coração: "Eu estive, uma vez, batizado, entretanto, eu sou agora um filho de Deus". Ai de mim, esta conseqüência, de modo algum, será mantida. Quantos são os que são batizados, glutões, e beberrões; os que são batizados, mentirosos e praguejadores; os que são batizados, caluniadores e maledicentes; os batizados, devassos, ladrões, e extorsores? O que vocês pensam? Esses são agora filhos de Deus? Verdadeiramente, eu digo a vocês, quem quer que vocês sejam, aos quais algumas dessas características precedentes pertencem: "Vocês são como o pai de vocês, o diabo, e as obras que seu pai, vocês fazem". A vocês, eu clamo, em nome Dele, a quem vocês têm novamente crucificado, e em suas palavras, para seus predecessores circuncidados: "Vocês raça de víboras, como pretendem escapar da condenação do inferno?". 
4. Como de fato, exceto se vocês forem nascidos de novo!  Já que vocês estão agora mortos nas transgressões e pecados, vocês não podem nascer de novo; não existe um novo nascimento, mas, no batismo, vocês são selados, debaixo da condenação, para consigná-los ao inferno, sem ajuda, sem esperança. Talvez, alguns possam pensar que isso seja justo e certo. No zelo deles para com o Senhor dos hospedeiros, vocês podem dizer: "Sim, destruam os pecadores, os Amalecitas! Deixe esses Gibeonitas serem completamente destruídos! Eles não merecem menos!". Não; nem eu, nem você. Meu e seu deserto, assim como o deles, é o inferno; e isso é meramente misericórdia, liberdade; desmerecida misericórdia é que nós não estejamos agora no fogo inextinguível. Vocês podem dizer: "Mas nós somos lavados"; nós fomos nascidos novamente "da água e do Espírito". Dessa mesma forma, eram eles: Isso, entretanto, não quer dizer nada, afinal, mas que vocês podem ser agora mesmo como eles. Vocês não sabem que "quem é o mais altamente estimado dos homens é abominação para Deus?" Venham adiante, "santos do mundo", vocês que são homens honrados, e vejam quem irá atirar a primeira pedra neles, nesses miseráveis não adequados para viver sobre a terra; nessas prostitutas, adúlteros, e assassinos comuns. Mas, aprendam, primeiro, o que isto significa em: (I João 3:15) "Qualquer que aborrece a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem permanente nele a vida eterna". Em (Mateus 5:28) "Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela". Em (Tiago 4:4) "Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus".  
5. "Verdadeiramente, verdadeiramente, eu digo a vocês, que vocês", também, "devem nascer novamente". "A menos que vocês", também, "nasçam novamente, não verão o reino de Deus". Não confie mais no apoio de pessoas que não se deve confiar, que vocês foram nascidos novamente no batismo. Quem pode negar que vocês foram feitos filhos de Deus e, então, herdeiros do reino dos céus? Mas, não obstante isso, vocês são agora filhos do diabo. Conseqüentemente, vocês devem nascer de novo. E não permitam que Satanás coloque, em seus corações, contestar a palavra, quando ela é clara. Vocês ouviram quais são as marcas dos filhos de Deus: Todos vocês que não a têm em suas almas, batizados ou não, precisam recebê-las, ou, sem dúvida, irão perecer eternamente. E, se vocês foram batizados, vocês apenas devem esperar isso: que aqueles que foram feitos filhos de Deus pelo batismo, mas que agora são filhos do diabo, possam novamente receber o "poder de se tornar filhos de Deus"; que eles possam receber novamente o que eles perderam, o mesmo "Espírito de adoção, clamando em seus corações, Aba, Pai!" Amém, Senhor Jesus! Possa cada um que preparou seu coração novamente buscar a tua face, e receber novamente aquele "Espírito de adoção", e clamar alto: "Aba, Pai!". Permita que ele agora novamente tenha o poder, então, de acreditar em teu nome, para que se torne filho de Deus; para saber e sentir que ele tem "a redenção em teu sangue; e, até mesmo o perdão dos pecados"; e que ele "não pode cometer pecado, porque ele é nascido de Deus". Permita que ele agora seja "recriado na esperança viva", de modo a "purificar a si mesmo como tu és puro!", e "porque ele é filho", deixe o Espírito do amor e da glória descansar sobre ele, limpando-o "de toda impureza da carne e espírito", e ensinando-o a "aperfeiçoar a santidade, no temor de Deus!".
sábado, 19 de fevereiro de 2011
'ACORDA, TU QUE DORMES!'
'Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará'. 
(Efésios 5:14)
Ao discursar sobre essas palavras, eu devo, com a ajuda de Deus:- -
I. Descrever os que dormem, a quem elas são dirigidas:
II. Reforçar a exortação: 'Acorda, tu que dormes, e levanta-te de entre os mortos'.
III. Explicar a promessa feita a eles, quando acordarem e se erguerem: 'Cristo te iluminará'.
I
1. Primeiro, aos que dormem, com relação ao texto aqui falado: Por dormir, está-se referindo ao estado natural do homem; àquele sono profundo da alma, dentro do qual o pecado de Adão tem lançado todos que se originaram dele: Aquela inércia, indolência e estupidez, aquela inconsciência de sua real condição, para a qual cada homem vem ao mundo, e continua nele, até que a voz de Deus o desperte.
2. Agora, 'aqueles que dormem, dormem na noite'. O estado da natureza é um estado de completa escuridão; um estado em que 'as trevas cobrem a terra, e a densa escuridão, as pessoas'. O pobre pecador adormecido, por mais conhecimento que tenha para outras coisas, não tem para si mesmo: neste aspecto: 'ele sabe nada, ainda que devesse saber'. Ele não sabe que ele é um espírito caído, cuja única tarefa dele, neste presente mundo, é recuperar-se de sua queda, readquirir aquela imagem de Deus, na qual ele foi criado. Ele não vê necessidade para a coisa necessária, até mesmo, para aquela mudança interior universal, aquela do 'nascer do alto', simbolizada pelo batismo, que é o começo daquela total renovação; aquela santificação do espírito, alma e corpo, 'sem o que nenhum homem verá ao Senhor'.
3. Cheio de todas as enfermidades como ele está, ele se imagina em perfeita saúde. Rapidamente mergulhando na miséria e prisão, ele sonha que ele está em liberdade. Ele diz, 'Paz! Paz', enquanto o diabo, como 'um forte homem armado', tem a completa possessão de sua alma. Ele dorme na quietude, e descansa, embora o inferno se movimente, nas profundezas, para encontrá-lo; embora o abismo, de onde não há volta, tenha aberto sua boca para tragá-lo. O fogo está aceso ao redor dele, ainda assim, ele não sabe; sim, o fogo o queima, mas, ainda assim, ele não coloca isto no coração.
4. Por aquele que dorme, entendemos, portanto, (e queira Deus, pudéssemos todos entender isto!) um pecador satisfeito nos seus pecados; contente em permanecer em seu estado de queda; viver e morrer, sem a imagem de Deus; alguém que é ignorante de sua enfermidade, assim como do remédio para ela; alguém que nunca foi avisado, ou nunca se preocupou com a voz de advertência de Deus, para 'fugir da ira que há de vir'; alguém que nunca percebeu que ele está em perigo do fogo do inferno, ou clamou, na sinceridade de sua alma, 'O que devo fazer para ser salvo?'.
5. Se esta pessoa adormecida for exteriormente corrupta, seu sono será o mais profundo, afinal: mesmo que ele seja um espírito indiferente às questões religiosas, 'nem frio, nem quente', mas um professor da religião de seus pais, quieto, racional, inofensivo, afável; ou mesmo, ele seja zeloso e ortodoxo, e, 'segundo a facção mais restrita de nossa religião', viva 'como um fariseu'; ou seja, de acordo com o relato bíblico, alguém que se autojustifica; alguém que estabelece a sua própria retidão, como o alicerce para sua aceitação com Deus.
6. Este é aquele que 'tendo a forma da santidade, nega o poder dela'; sim, e provavelmente a ultraja, onde quer que ela seja encontrada, como mera extravagância e ilusão. Enquanto isto, o desprezível auto-enganador agradece a Deus, já que ele 'não é como os outros homens; adúlteros, injustos, usurários': não, ele não faz mal a homem algum. Ele 'jejua, duas vezes por semana'; usa de todos os meios da graça; é constante na igreja e no sacramento; sim, e 'dá o dízimo de tudo que ele tem'; faz todo o bem que ele pode 'no tocante à retidão da lei'; ele está 'sem culpa': ele quer nada da santidade, a não ser o poder; nada da religião, a não ser o espírito; nada do Cristianismo, a não ser a verdade e a vida.
7. Mas você não sabe que, embora altamente estimado entre os homens, tal cristão é uma abominação aos olhos de Deus, e um herdeiro de cada infortúnio que o Filho de Deus, ontem, hoje, e para sempre, denuncia contra os 'escribas e fariseus, hipócritas?'. Ele 'limpou o lado de fora do copo e travessa', mas dentro está cheio de toda imundície. 'Uma doença diabólica aderida a ele ainda, de modo que suas partes interiores são a própria perversidade'. Nosso Senhor adequadamente o compara a um 'sepulcro caiado', que 'parece bonito por fora'; não obstante, 'está cheio de ossos de homens mortos, e de toda sorte de impureza'. Os ossos, na verdade, já estão secos; os tendões e a carne estão sobre eles, e a pele os cobre: mas não existe fôlego neles, não existe o Espírito do Deus vivo. E, 'se algum homem não tem o Espírito de Cristo, ele não é Dele'. 'Você é de Cristo, se o Espírito de Deus habitar em você': mas, se não, Deus sabe que você habita na morte, até mesmo, agora.
8. Esta é uma outra característica daquele que dorme, e de quem se fala aqui. Ele habita na morte, embora ele não saiba disto. Ele está morto para Deus, 'morto nas transgressões e pecados'. Uma vez que, 'estar carnalmente inclinado é estar morto'. Assim como está escrito, 'Através de um homem, o pecado entrou no mundo, e a morte, através do pecado; e então, a morte passou para todos os homens'; não apenas a morte temporal, mas, igualmente, a morte espiritual e eterna. 'No dia que tu comeres', disse Deus a Adão, 'tu certamente morrerás'; não fisicamente (exceto quando ele, então, se tornara imortal), mas espiritualmente: tu perderás a vida de tua alma; tu deverás morrer para Deus: tua vida, e felicidade essencial estarão separadas Dele.
9. Assim, primeiro, foi dissolvida a união vital de nossa alma com Deus; de tal maneira que, 'em meio à vida' natural, 'nós estamos' agora na 'morte' espiritual. E nisto permanecemos, até que o Segundo Adão se torna um Espírito vivificado para nós; até que ele se ergue dos mortos, a morte no pecado, no prazer, riquezas e honras. Mas, antes que sua alma morta possa viver, ele 'ouve' (ouve atentamente) 'a voz do Filho de Deus': ele se torna consciente de seu estado perdido, e recebe a sentença da morte em si mesmo. Ele se reconhece 'morto enquanto vive'; morto para Deus, para todas as coisas de Deus; tendo não mais poder para executar as ações de um cristão vivo, do um morto fisicamente, para executar as funções de um homem vivente.
10. E é mais certo que alguém morto no pecado não tem 'os sentidos exercitados, de maneira a discernir o bem e mal espiritual'. 'Tendo olhos, ele não vê; ele tem ouvidos, mas não ouve'. Ele não 'prova e vê que aquele Senhor é gracioso'. Ele 'não vê Deus em momento algum'; nem 'ouve sua voz', nem 'faz uso da palavra da vida'. Em vão, é o nome de Jesus, 'como o ungüento emanado, e todas as suas vestimentas com cheiro de mirra, aloés, e canela'. A alma que dorme na morte não tem percepção de quaisquer objetos deste tipo. Seu coração está 'insensível', e não entende qualquer uma dessas coisas.
11. E, assim, não tendo sentidos espirituais; não tendo aberturas para o conhecimento espiritual, o homem natural não recebe as coisas do Espírito de Deus; mais do que isto, ele está tão longe de recebê-las, que quem quer que seja espiritualmente preocupado é um mero tolo para ele. Ele não está satisfeito de ser extremamente ignorante das coisas espirituais, mas nega a existência delas. E a própria sensação espiritual é para ele a tolice do tolo. 'Como é', diz ele, 'que essas coisas podem ser?'. 'Como algum homem pode saber que está vivo para Deus?'. Assim como você sabe que seu corpo agora vive! Fé é a vida da alma; e se você não tem esta vida, habitando em você, você não necessita de marcas para evidenciar isto em si mesmo, mas daquela consciência divina, daquele testemunho de Deus, que é maior do que dez mil testemunhos humanos.
12. Se Ele não testemunha, agora, com teu espírito que tu és um filho de Deus, Ó, que Ele possa convencer a ti; tu, pobre pecador adormecido, pela Sua demonstração e poder, de que tu és um filho do diabo! Ó, que, como eu profetizo, possa existir agora 'um barulho e um abalo'; e 'os ossos' possam se 'juntar, cada osso a seu osso!'. Então, 'virá dos quatro ventos, Ó, Fôlego! E soprará neste pobre miserável, para que ele possa vive!'. E que vocês não endureçam teus corações e resistam ao Espírito Santo, que, até mesmo agora, está vindo para convencê-los de seus pecados, 'já que vocês não crêem no nome do Unigênito Filho de Deus'.
II
1. O motivo do 'acorda, tu que dormes, e levanta-te dos mortos': Deus chamou a ti agora, através da minha boca; e ordena a ti que conheças a ti mesmo, tu espírito caído, teu verdadeiro estado, e que apenas se preocupa com as coisas que estão abaixo. 'O que tu pretendes, Ó adormecido? Levanta-te. Atende ao teu Deus; se assim for, teu Deus pensará em ti, para que tu não pereças'. Uma poderosa tempestade está derramada em volta de ti, e tu estás mergulhado nas profundezas da perdição, no abismo dos julgamentos de Deus. Se tu quiseres escapar deles, lança-te dentro deles. 'Julga a ti mesmo, e tu não serás julgado pelo Senhor'.
2. Acorda, Acorda! Levanta-te neste exato momento, a fim de que tu não 'bebas, das mãos do Senhor, o copo de sua fúria'. Levanta-te, e segura no Senhor, o Senhor de tua Retidão, poderoso para salvar! 'Sacuda o pó de ti'. Por fim, deixe o terremoto das ameaças de Deus te abalarem. Acorda, e clama com o carcereiro trêmulo, 'O que devo fazer para ser liberto?'. E nunca descanse, até que tu creias no Senhor Jesus, com a fé que é o Seu dom, através da operação de Seu Espírito.
3. Se eu falo a algum de vocês mais do que a outro, é para ti que te julgas despreocupado quanto a essa exortação. 'Eu tenho uma mensagem de Deus para ti'. Em nome Dele, eu aconselho-te 'a fugir da ira vindoura'. Tua alma iníqua vê teu retrato na condenado Pedro, mentindo no escuro calabouço, entre os soldados, preso às duas algemas, os carcereiros, diante da porta, vigiando a prisão. A noite já está alta, e a manhã está à mão, quando tu serás conduzido para execução. E nestas circunstâncias terríveis, tu deverás dormir rapidamente; tu dormirás nos braços do diabo, à beira do precipício, na garganta da destruição eterna!
4. Ó, possa o Anjo do Senhor vir até ti, e a luz brilhar dentro de tua prisão! E que tu possas sentir o toque de uma Mão Poderosa, erguendo-te, com o clamor, 'Levanta-te rapidamente, prepara-te, e amarra tuas sandálias, joga tuas vestes sobre ti, e segue-Me'.
5. Acorda, tu, espírito eterno, do teu sonho de felicidade mundana! Deus não te criou para Si mesmo? Então, tu não podes descansar, até que tu descanses Nele. Retorna, tu, viandante! Fuja de volta para tua arca. Este não é teu lar. Não pensa em construir tabernáculos aqui. Tu não passas de um estranho, um hóspede sobre a terra; uma criatura de um dia, mas daqui a pouco partindo para um estado permanente. Apressa-te! A eternidade está à mão. A eternidade depende deste momento. Uma eternidade de felicidade, ou uma eternidade de miséria.
6. Qual o estado de tua alma? Se Deus, enquanto eu ainda estou falando, a requeresse de ti, será que tu estarias pronto para encontrares a morte e o julgamento? Podes tu estar diante dos olhos de Deus; tu és tão 'puro de olhos que não podes ver a iniqüidade?'. (Habacuque 1:13). Serás tu 'parceiro da herança dos santos na luz?'. (Colossense 1:12). Tens 'lutado a boa luta, e mantido a fé?'. (I Timóteo 6:12). Tens assegurado a única coisa necessária? Tens recuperado a imagem de Deus, até mesmo a retidão e a santidade verdadeira? Tens te despojado do velho homem, e colocado o novo no lugar? Estás de acordo com Cristo?
7. Tens tu óleo na candeia? Graça no teu coração? 'Tu amas o Senhor teu Deus, com todo teu coração, e com toda tua mente e toda tua alma, e com todas as tuas forças?'. Está em ti aquela mente que também estava em Jesus Cristo? Tu és um cristão, de fato; ou seja, uma nova criatura? As coisas velhas já se passaram, e todas as coisas se tornaram novas?
8. És tu 'parceiro da natureza divina?'. Tu sabes que 'Cristo está em ti, exceto se tu fores réprobo?'. Tu sabes que Deus 'habita em ti, e tu em Deus, através do Espírito Dele, e que Ele deu a ti?'. Tu sabes que 'teu corpo é o templo do Espírito Santo, o qual tu tens de Deus?'. Tens o testemunho em ti mesmo? A garantia de tua herança? Tu tens 'recebido o Espírito santo?'. Ou tu foges à questão, não sabendo, 'se existe algum Espírito Santo?'.
9. Se isto ofende a ti, estejas seguro de que tu nem és um cristão, nem desejas ser um. Mais do que isto, mesmo teu prazer tornou-se pecado; e tu solenemente tens zombado de Deus, neste mesmo dia, orando pela inspiração do Espírito Santo, quando tu não crês que existiu alguma coisa assim para ser recebida.
10. Ainda assim, na autoridade da Palavra de Deus, e de nossa própria igreja, eu devo repetir a questão: 'Tu já recebeste o Espírito Santo?'. Se tu não recebeste, tu não és ainda um cristão. Porque um cristão é um homem que está 'ungido com o Espírito Santo e com o poder'. Tu ainda não foste feito um parceiro da religião pura e imaculada. Tu sabes o que é a religião? – que ela é a participação da natureza divina; a vida de Deus na alma do homem; Cristo formado no coração; 'Cristo em ti, a esperança da glória'; felicidade e santidade; o céu iniciado na terra; 'um reino de Deus, dentro de ti; não carne e bebida'; não coisas exteriores; 'mas a retidão, paz, e a alegria no Espírito santo'; um reino eterno trazido para dentro de tua alma; 'a paz de Deus que ultrapassa todo entendimento'; 'a alegria inexplicável, e cheia de glória?'.
11. Tu sabes que 'em Jesus Cristo, nem a circuncisão tem proveito algum, nem a incircunscisão; mas a fé que é operada pelo amor'; mas a nova criação? Vês a necessidade daquela mudança interior; daquele nascimento espiritual; daquela vida de entre os mortos; daquela santidade? Estás totalmente convencido de que sem ela, nenhum homem verá o Senhor? Estás te esforçando em busca dela? – 'aplicando toda diligência, para tornares teu chamado e eleição, verdadeiros'; 'operando tua salvação com medo e tremor', 'agonizando para entrares pelo portão estreito?'. Estás tranqüilo com respeito à tua alma? Podes dizer ao Pesquisador dos corações, 'Tu, Ó, Deus, és o que eu há muito procurava! Senhor, tu sabes todas as coisas; Tu sabes que eu amo a Ti!'.
12. Tu esperas ser salvo. Mas que motivo tens tu para teres esperança? Será porque tu não tens causado mal? Ou, porque tu tens feito o bem? Ou, porque tu não és, como os outros homens; és sábio, ou culto, ou honesto, e moralmente bom; estimado pelos homens, e de uma reputação justa? Ai de mim! Tudo isto nunca irá levar-te até Deus. Ele considera isto mais brilhante do que a vaidade. Tu conheces Jesus Cristo a quem Ele enviou? Ele te ensinou que 'pela graça somos salvos, através da fé; e isto, não pelos nossos meios: mas pelo dom de Deus: não pelas obras, a fim de que nenhum homem se vanglorie?'. Tens recebido as palavras fiéis, como todo o alicerce de tua esperança, 'de que Jesus Cristo veio para o mundo, para salvar os pecadores?'. Tu tens aprendido que isto significa, 'Eu não vim chamar o justo, mas os pecadores ao arrependimento?'. Eu não fui enviado, a não ser para as ovelhas perdidas? Tu já estás (aquele que ouve, que entenda!) perdido, morto e condenado? Conheces teus desertos? Conheces tuas necessidades? És 'pobre em espírito?'. Murmuras por Deus, e recusa-te a seres confortado? É o pródigo 'volte a si', e fique satisfeito, embora que sendo considerado 'fora de si', por aqueles que estão ainda se alimentando dos restos, que Ele tem deixado? Tu tens desejado viver devotadamente em Jesus Cristo? Tu sofres, portanto, perseguição? Os homens dizem toda forma de mal contra ti, falsamente, por causa do Filho do Homem?
13. Que em todas essas questões, tu possas ouvir a voz daquele que acorda o morto; e sinta aquele martelar da Palavra, que parte as pedras em pedaços! 'Se ouvires a voz dele hoje, enquanto é chamado hoje, não endureça teu coração'. Agora, 'acorda, tu que dormes', na morte espiritual, para que tu não durmas na morte eterna! Conscientiza-te de teu estado perdido, e 'ergue-te dos mortos'. Deixa tuas velhas companhias no pecado e morte. Segue Jesus, e deixa os mortos enterrarem seus mortos. 'Salva a ti mesmo desta geração perversa'. 'Sai do meio deles, fica de fora, e não toca em coisa impura, e o Senhor irá receber a ti'. 'Cristo irá te dar a luz'.
III
1. Esta promessa, eu vou finalmente explicar. E quão encorajadora consideração é esta, a de que quem quer que tu sejas, que obedeças ao chamado Dele, tu não terás buscado tua face em vão! Se, até mesmo agora, tu 'acordas, e te ergues dos mortos', ele se verá inclinado a 'dar a ti a luz'. 'O Senhor dará a ti graça e glória'; a luz de sua graça aqui, e a luz de sua glória, quando tu receberás a coroa que se desvaneceu. 'Tua luz deverá irromper como a manhã; e a tua escuridão será como o sol do meio-dia'. 'Deus, que ordenou que a luz brilhasse na escuridão, deverá brilhar em teu coração; para dar o conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo'. Sobre aqueles que temem, o Senhor 'fará o Sol da Retidão se erguer com cura em suas asas'. E naquele dia será dito a ti: 'Levanta, brilha; porque tua luz está vindo, e a glória de Deus está sobre ti'. Porque Cristo revelará a si mesmo em ti: e ele é a Luz verdadeira.
2. Deus é luz, e dará a si mesmo a todo pecador desperto que esperou por Ele; e tu serás, então, o templo do Deus vivo, e Cristo deverá 'habitar em teu coração, pela fé'; e 'estando enraizado e alicerçado no amor, tu serás capaz de compreender com todos os santos, o que é a largura, comprimento, profundidade de altura daquele amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento'.
3. Você verá seu chamado, irmão. Nós seremos chamados a estarmos 'na habitação de Deus, através de seu Espírito'; e, através de seu Espírito, habitando em nós, para sermos santos aqui e parceiros da herança dos santos na luz. Tão excessivamente grandes são as promessas que são dadas a nós; efetivamente dadas a nós que cremos! Porque, pela fé, 'nós recebemos, não o espírito do mundo, mas o Espírito que é de Deus'. – a soma de todas as promessas – 'para que possamos conhecer as coisas que nos são livremente dadas por Deus'.
4. O Espírito de Cristo é aquele grande dom de Deus, que em diversos momentos, e de diversas maneiras, Ele tem prometido ao homem, e tem concedido, desde o tempo em que Cristo foi glorificado. Aquelas promessas, antes feita aos antepassados, ele tem assim cumprido: 'Ainda porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis as minhas ordenanças, e as observeis. (Ezequiel 36:27). 'Porque derramarei água sobre o sedento, e correntes sobre a terra seca; derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade, e a minha bênção sobre a tua descendência' (Isaías 44:3).
5. Vocês todos podem ser testemunhas vivas dessas coisas; da remissão dos pecados, e do dom do Espírito Santo. 'Se tu podes crer, todas as coisas são possíveis a ele que crê'. 'Quem, entre vocês, teme ao Senhor, e', ainda assim, caminha 'na escuridão, e não tem a luz?'. Eu pergunto a ti, em nome de Jesus: Tu crês que os braços dele não são curtos, afinal? Que ele é ainda poderoso para salvar? Que Ele é o mesmo ontem, hoje, e para sempre? Que Ele tem agora poder sobre a terra para perdoar os pecados? 'Filho, alegra-te; teus pecados foram perdoados'. Deus, por causa de Cristo, perdoou a ti. Recebe isto, 'não como a palavra do homem; mas como ela é, a palavra de Deus'; tu estás justificado livremente pela fé. Tu serás santificado também, através da fé, que está em Jesus, e colocarás o teu selo, até mesmo tu; 'Aquele que nos foi dado por Deus na vida eterna, e esta vida está em seu Filho'.
6. Homens e irmãos, deixem-me falar livremente a vocês, e permitir-lhes a palavra de exortação, mesmo do menos estimado na igreja. A consciência de vocês são suas testemunhas no Espírito Santo, de que essas coisas são assim; portanto, vocês experimentaram que o Senhor é gracioso. 'Esta é a vida eterna: conhecer o único Deus verdadeiro, e Jesus Cristo, a quem Ele enviou'. Este conhecimento experimental, e apenas este, é o Cristianismo verdadeiro. Ele é um cristão que recebeu o Espírito de Cristo. Ele não é um cristão que não O recebeu. Nem é possível recebê-Lo, e não saber disto. Porque, até aquele dia' (quando ele virá, diz nosso Senhor), 'vocês deverão saber que eu estou no Meu Pai, e vocês estão em Mim, e Eu em vocês'. Este é aquele 'Espírito da Verdade, a quem o mundo não pode receber, porque ele não O vê; nem O conhece: mas vocês O conhecem; já que Ele habita convosco, e deverá estar em vocês'. (João 14:17).
7. O mundo não pode recebê-Lo, e rejeita extremamente a Promessa do Pai, contradizendo e blasfemando. Mas cada espírito que não confesse, este não é de Deus. Sim, 'este é aquele espírito de Anticristo, o qual vocês ouviram viria para o mundo; e mesmo agora está no mundo'. É Anticristo quem quer que negue a inspiração do Espírito Santo, ou aquele Espírito de Deus que é o privilégio comum de todos os crentes; a bênção do evangelho; o inexprimível dom; a promessa universal; o critério de um cristão verdadeiro.
8. Em nada os ajuda dizer: 'Nós não negamos a assistência do Espírito de Deus; mas apenas esta inspiração; este receber do Espírito Santo: e estar consciente disto. É apenas esta consciência do Espírito; este ser movido pelo Espírito; ou preenchido com Ele, que nós negamos existir, em qualquer parte da religião perfeita'. Mas em apenas negar isto, vocês negam todas as Escrituras; toda a verdade, e promessa e testemunho de Deus.
9. Mesmo nossa excelente igreja conhece nada desta distinção diabólica; mas fala claramente da 'consciência do Espírito de Cristo' [Artigo 17]; do ser 'movido pelo Espírito Santo'. [Ofício dos Sacerdotes consagrados] e do conhecer e 'sentir que não existe outro nome do que o de Jesus', [Visitação do Doente], por meio do qual podemos receber vida e salvação. Ela nos ensina a orar pela 'inspiração do Espírito Santo'. [coleta: oração que na missa precede a epístola, antes da Comunhão Santa]; sim, e que nós podemos ser 'preenchidos com o Espírito Santo' [Ordem da Confirmação]. Mais ainda: que cada Presbítero dela professa receber o Espírito Santo, pela imposição de mãos. Portanto, negar qualquer um desses, é, em efeito, renunciar à Igreja da Inglaterra, assim como toda a Revelação Cristã.
10. Mas 'a sabedoria de Deus' foi sempre 'tolice para os homens'. Não é de se admirar, então, que o grande mistério do evangelho pudesse agora também ser 'oculto do sábio e prudente', assim como, nos dias dos antepassados; para que ele fosse quase universalmente negado, ridicularizado, e demolido, como mero frenesi; e para que todos que se atreveram a admiti-lo ainda sejam estigmatizados com os nomes de loucos e entusiastas! Este é 'aquele se apostatar', que viria – aquela apostasia geral de todas as ordens e graus de homens, que nós, até mesmo agora, constatamos tem se espalhado sobre a terra. 'Percorram, de um lado a outro, as ruas de Jerusalém, e vejam se vocês podem encontrar um homem'; um homem que ame o Senhor seu Deus, com todo seu coração, e O serve com todas as suas forças. Como nossa própria terra pranteia (para que não vejamos mais além), debaixo da inundação de iniqüidade'! Que vilanias de todos os tipos são cometidas, dia a dia; sim, tão freqüentemente, com impunidade, por aqueles que pecam com a mão direita, e gloriam-se de sua vergonha! Quem pode somar as pragas, maldições, blasfêmias profanas; a mentira, calúnia, maledicência; a quebra do Sabbath, glutonaria, bebedeira, vingança; as prostituições, adultérios, e várias impurezas; as fraudes, injustiça, opressão, extorsão, que se espalham sobre a terra como uma inundação?
11. E mesmo em meio àqueles que se mantiveram puros daquelas abominações mais grosseiras; quanta ira e orgulho; quanta indolência e ócio; quanta fraqueza e efeminação; quanta luxúria e auto-indulgência; quanta cobiça e ambição; quanta sede de reconhecimento; quanto amor do mundo; quanto temor do homem, é encontrado! Entretanto, quão pouco da verdadeira religião! Porque, onde está aquele que ama a Deus, ou ao seu próximo, como Ele nos ordenou? Por um lado, estão aqueles que não têm tanto da forma de santidade; por outro, aqueles que têm apenas a forma: lá se situa o notório, e pintado, sepulcro. De modo que, no mesmo feito, quem quer que fosse honestamente observar qualquer público reunindo-se (eu temo que esses, em nossas igrejas, não devem ser esperados), poderia facilmente perceber que, uma parte seria Saduceus, e a outra, Fariseus'; uma tendo quase tão pouco entendimento sobre a religião, como se não existisse 'ressurreição, nem anjo, nem espírito'; e a outra, fazendo dela uma forma sem vida, uma sucessão entorpecida de manifestações externas, sem tanto a fé verdadeira, quanto o amor de Deus, ou a alegria do Espírito Santo!
12. Deus permitisse, eu gostaria que nos excluíssemos dessa condição! 'Irmãos, o desejo de meu coração, e oração a Deus, por vocês, é que vocês possam ser salvos' deste transbordamento de iniqüidade; e que aqui suas ondas orgulhosas permaneçam! Mas é desta forma, na verdade? Deus sabe que não; sim, e nossa consciência, também. Nós não temos nos mantidos puros. Nós somos também corruptos e abomináveis; e poucos existem que entendem um pouco mais; poucos que adoram a Deus em espírito e verdade. Nós também somos 'uma geração que não fixa seus corações corretamente, e cujo espírito não se adere firmemente a Deus'. Ele nos designou, de fato, para sermos 'o sal da terra; mas se o sal tiver perdido o seu sabor, ele será, dali pra frente, bom para nada; a não ser, para ser lançado fora, e pisoteado pelos homens'.
13. E 'eu não deverei ver, por causa dessas coisas, diz o Senhor? Minha alma não se vingará de tal nação como esta?'. Sim. Nós não sabemos, quão logo Ele poderá dizer à espada: 'Espada, vá através desta terra!'. Ele nos deu muito tempo, para que nos arrependêssemos. Ele nos deixou sozinhos este ano também: mas Ele nos acautela e nos desperta, trovejando. Seus julgamentos estão nos arredores da terra; e nós temos todas as razões para esperar a maior colheita de todas, até mesmo aquela de que Ele 'viria a nós rapidamente, e removeria nosso castiçal de seu lugar, exceto, se nos arrependêssemos e realizássemos as primeiras obras'; a menos que retornemos aos princípios da Reforma, a verdade e simplicidade do evangelho. Talvez, estejamos agora resistindo ao ultimo empenho da graça divina em nos salvar. Talvez, tenhamos quase 'preenchido a medida de nossas iniqüidades', rejeitando o conselho de Deus, contra nós mesmos, e expulsando Seus mensageiros.
14. Ó, Deus, 'durante Tua ira, tenha misericórdia!'. Seja glorificado em nossa reforma, não em nossa destruição! 'ouve o açoite, e ele que o designou!'. Agora que Teus 'julgamentos estão nos arredores da terra', que os habitantes do mundo 'aprendam a retidão!'.
15. Chegou a hora, meus irmãos, de acordarmos do sono, antes que 'a grande trombeta do Senhor seja soprada', e nossa terra se torne um campo de sangue. Ó, que nós possamos rapidamente ver as coisas que são feitas para nossa paz, antes que elas desapareçam de nossos olhos! 'Volta-te a nós, Ó, bom Senhor, e permite que Tua ira cesse. Ó, Senhor, vê dos céus, observa e visita esta vinha'; e nos faze saber 'a hora de nossa visitação'. 'Ajuda-nos, Ó, Deus da nossa salvação, para a glória de Teu nome! Liberta-nos, e é misericordioso para com nossos pecados, por causa de Teu nome! E, assim, nós não nos afastaremos de Ti. Ó, permite que vivamos, e sermos chamados pelo Teu nome. Volta para nós novamente, Ó Senhor dos Exércitos! Mostra a luz de Teu semblante, e seremos completos'.
'Agora, junto a Ele que é capaz de fazer abundantemente mais acima de tudo que possamos pedir ou pensar, de acordo com o poder que opera em nós; a Ele seja a glória na Igreja, por de Cristo Jesus, através de todos os tempos; mundo sem fim. – Amém!'.
(Efésios 5:14)
Ao discursar sobre essas palavras, eu devo, com a ajuda de Deus:- -
I. Descrever os que dormem, a quem elas são dirigidas:
II. Reforçar a exortação: 'Acorda, tu que dormes, e levanta-te de entre os mortos'.
III. Explicar a promessa feita a eles, quando acordarem e se erguerem: 'Cristo te iluminará'.
I
1. Primeiro, aos que dormem, com relação ao texto aqui falado: Por dormir, está-se referindo ao estado natural do homem; àquele sono profundo da alma, dentro do qual o pecado de Adão tem lançado todos que se originaram dele: Aquela inércia, indolência e estupidez, aquela inconsciência de sua real condição, para a qual cada homem vem ao mundo, e continua nele, até que a voz de Deus o desperte.
2. Agora, 'aqueles que dormem, dormem na noite'. O estado da natureza é um estado de completa escuridão; um estado em que 'as trevas cobrem a terra, e a densa escuridão, as pessoas'. O pobre pecador adormecido, por mais conhecimento que tenha para outras coisas, não tem para si mesmo: neste aspecto: 'ele sabe nada, ainda que devesse saber'. Ele não sabe que ele é um espírito caído, cuja única tarefa dele, neste presente mundo, é recuperar-se de sua queda, readquirir aquela imagem de Deus, na qual ele foi criado. Ele não vê necessidade para a coisa necessária, até mesmo, para aquela mudança interior universal, aquela do 'nascer do alto', simbolizada pelo batismo, que é o começo daquela total renovação; aquela santificação do espírito, alma e corpo, 'sem o que nenhum homem verá ao Senhor'.
3. Cheio de todas as enfermidades como ele está, ele se imagina em perfeita saúde. Rapidamente mergulhando na miséria e prisão, ele sonha que ele está em liberdade. Ele diz, 'Paz! Paz', enquanto o diabo, como 'um forte homem armado', tem a completa possessão de sua alma. Ele dorme na quietude, e descansa, embora o inferno se movimente, nas profundezas, para encontrá-lo; embora o abismo, de onde não há volta, tenha aberto sua boca para tragá-lo. O fogo está aceso ao redor dele, ainda assim, ele não sabe; sim, o fogo o queima, mas, ainda assim, ele não coloca isto no coração.
4. Por aquele que dorme, entendemos, portanto, (e queira Deus, pudéssemos todos entender isto!) um pecador satisfeito nos seus pecados; contente em permanecer em seu estado de queda; viver e morrer, sem a imagem de Deus; alguém que é ignorante de sua enfermidade, assim como do remédio para ela; alguém que nunca foi avisado, ou nunca se preocupou com a voz de advertência de Deus, para 'fugir da ira que há de vir'; alguém que nunca percebeu que ele está em perigo do fogo do inferno, ou clamou, na sinceridade de sua alma, 'O que devo fazer para ser salvo?'.
5. Se esta pessoa adormecida for exteriormente corrupta, seu sono será o mais profundo, afinal: mesmo que ele seja um espírito indiferente às questões religiosas, 'nem frio, nem quente', mas um professor da religião de seus pais, quieto, racional, inofensivo, afável; ou mesmo, ele seja zeloso e ortodoxo, e, 'segundo a facção mais restrita de nossa religião', viva 'como um fariseu'; ou seja, de acordo com o relato bíblico, alguém que se autojustifica; alguém que estabelece a sua própria retidão, como o alicerce para sua aceitação com Deus.
6. Este é aquele que 'tendo a forma da santidade, nega o poder dela'; sim, e provavelmente a ultraja, onde quer que ela seja encontrada, como mera extravagância e ilusão. Enquanto isto, o desprezível auto-enganador agradece a Deus, já que ele 'não é como os outros homens; adúlteros, injustos, usurários': não, ele não faz mal a homem algum. Ele 'jejua, duas vezes por semana'; usa de todos os meios da graça; é constante na igreja e no sacramento; sim, e 'dá o dízimo de tudo que ele tem'; faz todo o bem que ele pode 'no tocante à retidão da lei'; ele está 'sem culpa': ele quer nada da santidade, a não ser o poder; nada da religião, a não ser o espírito; nada do Cristianismo, a não ser a verdade e a vida.
7. Mas você não sabe que, embora altamente estimado entre os homens, tal cristão é uma abominação aos olhos de Deus, e um herdeiro de cada infortúnio que o Filho de Deus, ontem, hoje, e para sempre, denuncia contra os 'escribas e fariseus, hipócritas?'. Ele 'limpou o lado de fora do copo e travessa', mas dentro está cheio de toda imundície. 'Uma doença diabólica aderida a ele ainda, de modo que suas partes interiores são a própria perversidade'. Nosso Senhor adequadamente o compara a um 'sepulcro caiado', que 'parece bonito por fora'; não obstante, 'está cheio de ossos de homens mortos, e de toda sorte de impureza'. Os ossos, na verdade, já estão secos; os tendões e a carne estão sobre eles, e a pele os cobre: mas não existe fôlego neles, não existe o Espírito do Deus vivo. E, 'se algum homem não tem o Espírito de Cristo, ele não é Dele'. 'Você é de Cristo, se o Espírito de Deus habitar em você': mas, se não, Deus sabe que você habita na morte, até mesmo, agora.
8. Esta é uma outra característica daquele que dorme, e de quem se fala aqui. Ele habita na morte, embora ele não saiba disto. Ele está morto para Deus, 'morto nas transgressões e pecados'. Uma vez que, 'estar carnalmente inclinado é estar morto'. Assim como está escrito, 'Através de um homem, o pecado entrou no mundo, e a morte, através do pecado; e então, a morte passou para todos os homens'; não apenas a morte temporal, mas, igualmente, a morte espiritual e eterna. 'No dia que tu comeres', disse Deus a Adão, 'tu certamente morrerás'; não fisicamente (exceto quando ele, então, se tornara imortal), mas espiritualmente: tu perderás a vida de tua alma; tu deverás morrer para Deus: tua vida, e felicidade essencial estarão separadas Dele.
9. Assim, primeiro, foi dissolvida a união vital de nossa alma com Deus; de tal maneira que, 'em meio à vida' natural, 'nós estamos' agora na 'morte' espiritual. E nisto permanecemos, até que o Segundo Adão se torna um Espírito vivificado para nós; até que ele se ergue dos mortos, a morte no pecado, no prazer, riquezas e honras. Mas, antes que sua alma morta possa viver, ele 'ouve' (ouve atentamente) 'a voz do Filho de Deus': ele se torna consciente de seu estado perdido, e recebe a sentença da morte em si mesmo. Ele se reconhece 'morto enquanto vive'; morto para Deus, para todas as coisas de Deus; tendo não mais poder para executar as ações de um cristão vivo, do um morto fisicamente, para executar as funções de um homem vivente.
10. E é mais certo que alguém morto no pecado não tem 'os sentidos exercitados, de maneira a discernir o bem e mal espiritual'. 'Tendo olhos, ele não vê; ele tem ouvidos, mas não ouve'. Ele não 'prova e vê que aquele Senhor é gracioso'. Ele 'não vê Deus em momento algum'; nem 'ouve sua voz', nem 'faz uso da palavra da vida'. Em vão, é o nome de Jesus, 'como o ungüento emanado, e todas as suas vestimentas com cheiro de mirra, aloés, e canela'. A alma que dorme na morte não tem percepção de quaisquer objetos deste tipo. Seu coração está 'insensível', e não entende qualquer uma dessas coisas.
11. E, assim, não tendo sentidos espirituais; não tendo aberturas para o conhecimento espiritual, o homem natural não recebe as coisas do Espírito de Deus; mais do que isto, ele está tão longe de recebê-las, que quem quer que seja espiritualmente preocupado é um mero tolo para ele. Ele não está satisfeito de ser extremamente ignorante das coisas espirituais, mas nega a existência delas. E a própria sensação espiritual é para ele a tolice do tolo. 'Como é', diz ele, 'que essas coisas podem ser?'. 'Como algum homem pode saber que está vivo para Deus?'. Assim como você sabe que seu corpo agora vive! Fé é a vida da alma; e se você não tem esta vida, habitando em você, você não necessita de marcas para evidenciar isto em si mesmo, mas daquela consciência divina, daquele testemunho de Deus, que é maior do que dez mil testemunhos humanos.
12. Se Ele não testemunha, agora, com teu espírito que tu és um filho de Deus, Ó, que Ele possa convencer a ti; tu, pobre pecador adormecido, pela Sua demonstração e poder, de que tu és um filho do diabo! Ó, que, como eu profetizo, possa existir agora 'um barulho e um abalo'; e 'os ossos' possam se 'juntar, cada osso a seu osso!'. Então, 'virá dos quatro ventos, Ó, Fôlego! E soprará neste pobre miserável, para que ele possa vive!'. E que vocês não endureçam teus corações e resistam ao Espírito Santo, que, até mesmo agora, está vindo para convencê-los de seus pecados, 'já que vocês não crêem no nome do Unigênito Filho de Deus'.
II
1. O motivo do 'acorda, tu que dormes, e levanta-te dos mortos': Deus chamou a ti agora, através da minha boca; e ordena a ti que conheças a ti mesmo, tu espírito caído, teu verdadeiro estado, e que apenas se preocupa com as coisas que estão abaixo. 'O que tu pretendes, Ó adormecido? Levanta-te. Atende ao teu Deus; se assim for, teu Deus pensará em ti, para que tu não pereças'. Uma poderosa tempestade está derramada em volta de ti, e tu estás mergulhado nas profundezas da perdição, no abismo dos julgamentos de Deus. Se tu quiseres escapar deles, lança-te dentro deles. 'Julga a ti mesmo, e tu não serás julgado pelo Senhor'.
2. Acorda, Acorda! Levanta-te neste exato momento, a fim de que tu não 'bebas, das mãos do Senhor, o copo de sua fúria'. Levanta-te, e segura no Senhor, o Senhor de tua Retidão, poderoso para salvar! 'Sacuda o pó de ti'. Por fim, deixe o terremoto das ameaças de Deus te abalarem. Acorda, e clama com o carcereiro trêmulo, 'O que devo fazer para ser liberto?'. E nunca descanse, até que tu creias no Senhor Jesus, com a fé que é o Seu dom, através da operação de Seu Espírito.
3. Se eu falo a algum de vocês mais do que a outro, é para ti que te julgas despreocupado quanto a essa exortação. 'Eu tenho uma mensagem de Deus para ti'. Em nome Dele, eu aconselho-te 'a fugir da ira vindoura'. Tua alma iníqua vê teu retrato na condenado Pedro, mentindo no escuro calabouço, entre os soldados, preso às duas algemas, os carcereiros, diante da porta, vigiando a prisão. A noite já está alta, e a manhã está à mão, quando tu serás conduzido para execução. E nestas circunstâncias terríveis, tu deverás dormir rapidamente; tu dormirás nos braços do diabo, à beira do precipício, na garganta da destruição eterna!
4. Ó, possa o Anjo do Senhor vir até ti, e a luz brilhar dentro de tua prisão! E que tu possas sentir o toque de uma Mão Poderosa, erguendo-te, com o clamor, 'Levanta-te rapidamente, prepara-te, e amarra tuas sandálias, joga tuas vestes sobre ti, e segue-Me'.
5. Acorda, tu, espírito eterno, do teu sonho de felicidade mundana! Deus não te criou para Si mesmo? Então, tu não podes descansar, até que tu descanses Nele. Retorna, tu, viandante! Fuja de volta para tua arca. Este não é teu lar. Não pensa em construir tabernáculos aqui. Tu não passas de um estranho, um hóspede sobre a terra; uma criatura de um dia, mas daqui a pouco partindo para um estado permanente. Apressa-te! A eternidade está à mão. A eternidade depende deste momento. Uma eternidade de felicidade, ou uma eternidade de miséria.
6. Qual o estado de tua alma? Se Deus, enquanto eu ainda estou falando, a requeresse de ti, será que tu estarias pronto para encontrares a morte e o julgamento? Podes tu estar diante dos olhos de Deus; tu és tão 'puro de olhos que não podes ver a iniqüidade?'. (Habacuque 1:13). Serás tu 'parceiro da herança dos santos na luz?'. (Colossense 1:12). Tens 'lutado a boa luta, e mantido a fé?'. (I Timóteo 6:12). Tens assegurado a única coisa necessária? Tens recuperado a imagem de Deus, até mesmo a retidão e a santidade verdadeira? Tens te despojado do velho homem, e colocado o novo no lugar? Estás de acordo com Cristo?
7. Tens tu óleo na candeia? Graça no teu coração? 'Tu amas o Senhor teu Deus, com todo teu coração, e com toda tua mente e toda tua alma, e com todas as tuas forças?'. Está em ti aquela mente que também estava em Jesus Cristo? Tu és um cristão, de fato; ou seja, uma nova criatura? As coisas velhas já se passaram, e todas as coisas se tornaram novas?
8. És tu 'parceiro da natureza divina?'. Tu sabes que 'Cristo está em ti, exceto se tu fores réprobo?'. Tu sabes que Deus 'habita em ti, e tu em Deus, através do Espírito Dele, e que Ele deu a ti?'. Tu sabes que 'teu corpo é o templo do Espírito Santo, o qual tu tens de Deus?'. Tens o testemunho em ti mesmo? A garantia de tua herança? Tu tens 'recebido o Espírito santo?'. Ou tu foges à questão, não sabendo, 'se existe algum Espírito Santo?'.
9. Se isto ofende a ti, estejas seguro de que tu nem és um cristão, nem desejas ser um. Mais do que isto, mesmo teu prazer tornou-se pecado; e tu solenemente tens zombado de Deus, neste mesmo dia, orando pela inspiração do Espírito Santo, quando tu não crês que existiu alguma coisa assim para ser recebida.
10. Ainda assim, na autoridade da Palavra de Deus, e de nossa própria igreja, eu devo repetir a questão: 'Tu já recebeste o Espírito Santo?'. Se tu não recebeste, tu não és ainda um cristão. Porque um cristão é um homem que está 'ungido com o Espírito Santo e com o poder'. Tu ainda não foste feito um parceiro da religião pura e imaculada. Tu sabes o que é a religião? – que ela é a participação da natureza divina; a vida de Deus na alma do homem; Cristo formado no coração; 'Cristo em ti, a esperança da glória'; felicidade e santidade; o céu iniciado na terra; 'um reino de Deus, dentro de ti; não carne e bebida'; não coisas exteriores; 'mas a retidão, paz, e a alegria no Espírito santo'; um reino eterno trazido para dentro de tua alma; 'a paz de Deus que ultrapassa todo entendimento'; 'a alegria inexplicável, e cheia de glória?'.
11. Tu sabes que 'em Jesus Cristo, nem a circuncisão tem proveito algum, nem a incircunscisão; mas a fé que é operada pelo amor'; mas a nova criação? Vês a necessidade daquela mudança interior; daquele nascimento espiritual; daquela vida de entre os mortos; daquela santidade? Estás totalmente convencido de que sem ela, nenhum homem verá o Senhor? Estás te esforçando em busca dela? – 'aplicando toda diligência, para tornares teu chamado e eleição, verdadeiros'; 'operando tua salvação com medo e tremor', 'agonizando para entrares pelo portão estreito?'. Estás tranqüilo com respeito à tua alma? Podes dizer ao Pesquisador dos corações, 'Tu, Ó, Deus, és o que eu há muito procurava! Senhor, tu sabes todas as coisas; Tu sabes que eu amo a Ti!'.
12. Tu esperas ser salvo. Mas que motivo tens tu para teres esperança? Será porque tu não tens causado mal? Ou, porque tu tens feito o bem? Ou, porque tu não és, como os outros homens; és sábio, ou culto, ou honesto, e moralmente bom; estimado pelos homens, e de uma reputação justa? Ai de mim! Tudo isto nunca irá levar-te até Deus. Ele considera isto mais brilhante do que a vaidade. Tu conheces Jesus Cristo a quem Ele enviou? Ele te ensinou que 'pela graça somos salvos, através da fé; e isto, não pelos nossos meios: mas pelo dom de Deus: não pelas obras, a fim de que nenhum homem se vanglorie?'. Tens recebido as palavras fiéis, como todo o alicerce de tua esperança, 'de que Jesus Cristo veio para o mundo, para salvar os pecadores?'. Tu tens aprendido que isto significa, 'Eu não vim chamar o justo, mas os pecadores ao arrependimento?'. Eu não fui enviado, a não ser para as ovelhas perdidas? Tu já estás (aquele que ouve, que entenda!) perdido, morto e condenado? Conheces teus desertos? Conheces tuas necessidades? És 'pobre em espírito?'. Murmuras por Deus, e recusa-te a seres confortado? É o pródigo 'volte a si', e fique satisfeito, embora que sendo considerado 'fora de si', por aqueles que estão ainda se alimentando dos restos, que Ele tem deixado? Tu tens desejado viver devotadamente em Jesus Cristo? Tu sofres, portanto, perseguição? Os homens dizem toda forma de mal contra ti, falsamente, por causa do Filho do Homem?
13. Que em todas essas questões, tu possas ouvir a voz daquele que acorda o morto; e sinta aquele martelar da Palavra, que parte as pedras em pedaços! 'Se ouvires a voz dele hoje, enquanto é chamado hoje, não endureça teu coração'. Agora, 'acorda, tu que dormes', na morte espiritual, para que tu não durmas na morte eterna! Conscientiza-te de teu estado perdido, e 'ergue-te dos mortos'. Deixa tuas velhas companhias no pecado e morte. Segue Jesus, e deixa os mortos enterrarem seus mortos. 'Salva a ti mesmo desta geração perversa'. 'Sai do meio deles, fica de fora, e não toca em coisa impura, e o Senhor irá receber a ti'. 'Cristo irá te dar a luz'.
III
1. Esta promessa, eu vou finalmente explicar. E quão encorajadora consideração é esta, a de que quem quer que tu sejas, que obedeças ao chamado Dele, tu não terás buscado tua face em vão! Se, até mesmo agora, tu 'acordas, e te ergues dos mortos', ele se verá inclinado a 'dar a ti a luz'. 'O Senhor dará a ti graça e glória'; a luz de sua graça aqui, e a luz de sua glória, quando tu receberás a coroa que se desvaneceu. 'Tua luz deverá irromper como a manhã; e a tua escuridão será como o sol do meio-dia'. 'Deus, que ordenou que a luz brilhasse na escuridão, deverá brilhar em teu coração; para dar o conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo'. Sobre aqueles que temem, o Senhor 'fará o Sol da Retidão se erguer com cura em suas asas'. E naquele dia será dito a ti: 'Levanta, brilha; porque tua luz está vindo, e a glória de Deus está sobre ti'. Porque Cristo revelará a si mesmo em ti: e ele é a Luz verdadeira.
2. Deus é luz, e dará a si mesmo a todo pecador desperto que esperou por Ele; e tu serás, então, o templo do Deus vivo, e Cristo deverá 'habitar em teu coração, pela fé'; e 'estando enraizado e alicerçado no amor, tu serás capaz de compreender com todos os santos, o que é a largura, comprimento, profundidade de altura daquele amor de Cristo que ultrapassa o conhecimento'.
3. Você verá seu chamado, irmão. Nós seremos chamados a estarmos 'na habitação de Deus, através de seu Espírito'; e, através de seu Espírito, habitando em nós, para sermos santos aqui e parceiros da herança dos santos na luz. Tão excessivamente grandes são as promessas que são dadas a nós; efetivamente dadas a nós que cremos! Porque, pela fé, 'nós recebemos, não o espírito do mundo, mas o Espírito que é de Deus'. – a soma de todas as promessas – 'para que possamos conhecer as coisas que nos são livremente dadas por Deus'.
4. O Espírito de Cristo é aquele grande dom de Deus, que em diversos momentos, e de diversas maneiras, Ele tem prometido ao homem, e tem concedido, desde o tempo em que Cristo foi glorificado. Aquelas promessas, antes feita aos antepassados, ele tem assim cumprido: 'Ainda porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis as minhas ordenanças, e as observeis. (Ezequiel 36:27). 'Porque derramarei água sobre o sedento, e correntes sobre a terra seca; derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade, e a minha bênção sobre a tua descendência' (Isaías 44:3).
5. Vocês todos podem ser testemunhas vivas dessas coisas; da remissão dos pecados, e do dom do Espírito Santo. 'Se tu podes crer, todas as coisas são possíveis a ele que crê'. 'Quem, entre vocês, teme ao Senhor, e', ainda assim, caminha 'na escuridão, e não tem a luz?'. Eu pergunto a ti, em nome de Jesus: Tu crês que os braços dele não são curtos, afinal? Que ele é ainda poderoso para salvar? Que Ele é o mesmo ontem, hoje, e para sempre? Que Ele tem agora poder sobre a terra para perdoar os pecados? 'Filho, alegra-te; teus pecados foram perdoados'. Deus, por causa de Cristo, perdoou a ti. Recebe isto, 'não como a palavra do homem; mas como ela é, a palavra de Deus'; tu estás justificado livremente pela fé. Tu serás santificado também, através da fé, que está em Jesus, e colocarás o teu selo, até mesmo tu; 'Aquele que nos foi dado por Deus na vida eterna, e esta vida está em seu Filho'.
6. Homens e irmãos, deixem-me falar livremente a vocês, e permitir-lhes a palavra de exortação, mesmo do menos estimado na igreja. A consciência de vocês são suas testemunhas no Espírito Santo, de que essas coisas são assim; portanto, vocês experimentaram que o Senhor é gracioso. 'Esta é a vida eterna: conhecer o único Deus verdadeiro, e Jesus Cristo, a quem Ele enviou'. Este conhecimento experimental, e apenas este, é o Cristianismo verdadeiro. Ele é um cristão que recebeu o Espírito de Cristo. Ele não é um cristão que não O recebeu. Nem é possível recebê-Lo, e não saber disto. Porque, até aquele dia' (quando ele virá, diz nosso Senhor), 'vocês deverão saber que eu estou no Meu Pai, e vocês estão em Mim, e Eu em vocês'. Este é aquele 'Espírito da Verdade, a quem o mundo não pode receber, porque ele não O vê; nem O conhece: mas vocês O conhecem; já que Ele habita convosco, e deverá estar em vocês'. (João 14:17).
7. O mundo não pode recebê-Lo, e rejeita extremamente a Promessa do Pai, contradizendo e blasfemando. Mas cada espírito que não confesse, este não é de Deus. Sim, 'este é aquele espírito de Anticristo, o qual vocês ouviram viria para o mundo; e mesmo agora está no mundo'. É Anticristo quem quer que negue a inspiração do Espírito Santo, ou aquele Espírito de Deus que é o privilégio comum de todos os crentes; a bênção do evangelho; o inexprimível dom; a promessa universal; o critério de um cristão verdadeiro.
8. Em nada os ajuda dizer: 'Nós não negamos a assistência do Espírito de Deus; mas apenas esta inspiração; este receber do Espírito Santo: e estar consciente disto. É apenas esta consciência do Espírito; este ser movido pelo Espírito; ou preenchido com Ele, que nós negamos existir, em qualquer parte da religião perfeita'. Mas em apenas negar isto, vocês negam todas as Escrituras; toda a verdade, e promessa e testemunho de Deus.
9. Mesmo nossa excelente igreja conhece nada desta distinção diabólica; mas fala claramente da 'consciência do Espírito de Cristo' [Artigo 17]; do ser 'movido pelo Espírito Santo'. [Ofício dos Sacerdotes consagrados] e do conhecer e 'sentir que não existe outro nome do que o de Jesus', [Visitação do Doente], por meio do qual podemos receber vida e salvação. Ela nos ensina a orar pela 'inspiração do Espírito Santo'. [coleta: oração que na missa precede a epístola, antes da Comunhão Santa]; sim, e que nós podemos ser 'preenchidos com o Espírito Santo' [Ordem da Confirmação]. Mais ainda: que cada Presbítero dela professa receber o Espírito Santo, pela imposição de mãos. Portanto, negar qualquer um desses, é, em efeito, renunciar à Igreja da Inglaterra, assim como toda a Revelação Cristã.
10. Mas 'a sabedoria de Deus' foi sempre 'tolice para os homens'. Não é de se admirar, então, que o grande mistério do evangelho pudesse agora também ser 'oculto do sábio e prudente', assim como, nos dias dos antepassados; para que ele fosse quase universalmente negado, ridicularizado, e demolido, como mero frenesi; e para que todos que se atreveram a admiti-lo ainda sejam estigmatizados com os nomes de loucos e entusiastas! Este é 'aquele se apostatar', que viria – aquela apostasia geral de todas as ordens e graus de homens, que nós, até mesmo agora, constatamos tem se espalhado sobre a terra. 'Percorram, de um lado a outro, as ruas de Jerusalém, e vejam se vocês podem encontrar um homem'; um homem que ame o Senhor seu Deus, com todo seu coração, e O serve com todas as suas forças. Como nossa própria terra pranteia (para que não vejamos mais além), debaixo da inundação de iniqüidade'! Que vilanias de todos os tipos são cometidas, dia a dia; sim, tão freqüentemente, com impunidade, por aqueles que pecam com a mão direita, e gloriam-se de sua vergonha! Quem pode somar as pragas, maldições, blasfêmias profanas; a mentira, calúnia, maledicência; a quebra do Sabbath, glutonaria, bebedeira, vingança; as prostituições, adultérios, e várias impurezas; as fraudes, injustiça, opressão, extorsão, que se espalham sobre a terra como uma inundação?
11. E mesmo em meio àqueles que se mantiveram puros daquelas abominações mais grosseiras; quanta ira e orgulho; quanta indolência e ócio; quanta fraqueza e efeminação; quanta luxúria e auto-indulgência; quanta cobiça e ambição; quanta sede de reconhecimento; quanto amor do mundo; quanto temor do homem, é encontrado! Entretanto, quão pouco da verdadeira religião! Porque, onde está aquele que ama a Deus, ou ao seu próximo, como Ele nos ordenou? Por um lado, estão aqueles que não têm tanto da forma de santidade; por outro, aqueles que têm apenas a forma: lá se situa o notório, e pintado, sepulcro. De modo que, no mesmo feito, quem quer que fosse honestamente observar qualquer público reunindo-se (eu temo que esses, em nossas igrejas, não devem ser esperados), poderia facilmente perceber que, uma parte seria Saduceus, e a outra, Fariseus'; uma tendo quase tão pouco entendimento sobre a religião, como se não existisse 'ressurreição, nem anjo, nem espírito'; e a outra, fazendo dela uma forma sem vida, uma sucessão entorpecida de manifestações externas, sem tanto a fé verdadeira, quanto o amor de Deus, ou a alegria do Espírito Santo!
12. Deus permitisse, eu gostaria que nos excluíssemos dessa condição! 'Irmãos, o desejo de meu coração, e oração a Deus, por vocês, é que vocês possam ser salvos' deste transbordamento de iniqüidade; e que aqui suas ondas orgulhosas permaneçam! Mas é desta forma, na verdade? Deus sabe que não; sim, e nossa consciência, também. Nós não temos nos mantidos puros. Nós somos também corruptos e abomináveis; e poucos existem que entendem um pouco mais; poucos que adoram a Deus em espírito e verdade. Nós também somos 'uma geração que não fixa seus corações corretamente, e cujo espírito não se adere firmemente a Deus'. Ele nos designou, de fato, para sermos 'o sal da terra; mas se o sal tiver perdido o seu sabor, ele será, dali pra frente, bom para nada; a não ser, para ser lançado fora, e pisoteado pelos homens'.
13. E 'eu não deverei ver, por causa dessas coisas, diz o Senhor? Minha alma não se vingará de tal nação como esta?'. Sim. Nós não sabemos, quão logo Ele poderá dizer à espada: 'Espada, vá através desta terra!'. Ele nos deu muito tempo, para que nos arrependêssemos. Ele nos deixou sozinhos este ano também: mas Ele nos acautela e nos desperta, trovejando. Seus julgamentos estão nos arredores da terra; e nós temos todas as razões para esperar a maior colheita de todas, até mesmo aquela de que Ele 'viria a nós rapidamente, e removeria nosso castiçal de seu lugar, exceto, se nos arrependêssemos e realizássemos as primeiras obras'; a menos que retornemos aos princípios da Reforma, a verdade e simplicidade do evangelho. Talvez, estejamos agora resistindo ao ultimo empenho da graça divina em nos salvar. Talvez, tenhamos quase 'preenchido a medida de nossas iniqüidades', rejeitando o conselho de Deus, contra nós mesmos, e expulsando Seus mensageiros.
14. Ó, Deus, 'durante Tua ira, tenha misericórdia!'. Seja glorificado em nossa reforma, não em nossa destruição! 'ouve o açoite, e ele que o designou!'. Agora que Teus 'julgamentos estão nos arredores da terra', que os habitantes do mundo 'aprendam a retidão!'.
15. Chegou a hora, meus irmãos, de acordarmos do sono, antes que 'a grande trombeta do Senhor seja soprada', e nossa terra se torne um campo de sangue. Ó, que nós possamos rapidamente ver as coisas que são feitas para nossa paz, antes que elas desapareçam de nossos olhos! 'Volta-te a nós, Ó, bom Senhor, e permite que Tua ira cesse. Ó, Senhor, vê dos céus, observa e visita esta vinha'; e nos faze saber 'a hora de nossa visitação'. 'Ajuda-nos, Ó, Deus da nossa salvação, para a glória de Teu nome! Liberta-nos, e é misericordioso para com nossos pecados, por causa de Teu nome! E, assim, nós não nos afastaremos de Ti. Ó, permite que vivamos, e sermos chamados pelo Teu nome. Volta para nós novamente, Ó Senhor dos Exércitos! Mostra a luz de Teu semblante, e seremos completos'.
'Agora, junto a Ele que é capaz de fazer abundantemente mais acima de tudo que possamos pedir ou pensar, de acordo com o poder que opera em nós; a Ele seja a glória na Igreja, por de Cristo Jesus, através de todos os tempos; mundo sem fim. – Amém!'.
A Soberania de Deus Remove a Vanglória
“Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Romanos 9.15). 
Nessas palavras, o Senhor reivindica, da forma mais clara possível, o direito de outorgar ou reter sua misericórdia, de conformidade com sua própria vontade. Assim como um monarca está investido da prerrogativa de conceder vida ou morte, assim também o Juiz de toda a terra tem o direito de poupar ou condenar o culpado, conforme Lhe parecer melhor.
Os homens, por causa de seus pecados, perderam todo o direito diante de Deus e, portanto, merecem a perdição eterna. E, se todos eles buscarem seus direitos na presença dEle, não encontrarão qualquer fundamento para suas reivindicações. Se o Senhor age para salvar alguém, Ele o faz de modo que os objetivos de sua justiça não sejam distorcidos. No entanto, se Ele acha melhor deixar os condenados sofrerem a justa sentença, ninguém pode chamá-Lo a juízo. Tolos e imprudentes são todos os discursos que se referem aos direitos dos homens serem colocados na mesma condição diante de Deus. Igno- rantes, se não forem algo pior, são as contenções contra a graça dis- criminadora de Deus; tais contenções expressam a rebeldia da natureza humana orgulhosa contra o trono e a autoridade de Jeová.
Quando Deus nos mostra nossa ruína completa, nosso infeliz merecimento e a justiça do veredicto divino contra o pecado, nunca mais contestamos a verdade de que o Senhor não tinha qualquer obrigação de salvar-nos; não murmuramos diante do fato de que Ele resolveu salvar outros, como se estivesse nos causando dano, mas sentimos que, se Ele desejou volver-se para nós, isso foi um ato espontâ- neo de bondade imerecida da parte dEle, pelo que bendiremos para sempre o seu nome.
Como poderão aqueles que são objeto da divina eleição adorar de forma suficiente a graça de Deus? Eles não têm motivo para se gloriarem, pois a soberania divina exclui com eficácia qualquer motivo. Somente o Senhor deve ser glorificado; a própria noção do mérito humano será lançada na vergonha eterna. Nas Escrituras, não existe uma doutrina que seja mais humilhante ao homem do que a da eleição; uma doutrina que mais promova a gratidão e, conseqüentemente, seja mais san- tificadora. Os crentes não devem temê-la, e sim regozijarem-se nela, em adoração.
Nessas palavras, o Senhor reivindica, da forma mais clara possível, o direito de outorgar ou reter sua misericórdia, de conformidade com sua própria vontade. Assim como um monarca está investido da prerrogativa de conceder vida ou morte, assim também o Juiz de toda a terra tem o direito de poupar ou condenar o culpado, conforme Lhe parecer melhor.
Os homens, por causa de seus pecados, perderam todo o direito diante de Deus e, portanto, merecem a perdição eterna. E, se todos eles buscarem seus direitos na presença dEle, não encontrarão qualquer fundamento para suas reivindicações. Se o Senhor age para salvar alguém, Ele o faz de modo que os objetivos de sua justiça não sejam distorcidos. No entanto, se Ele acha melhor deixar os condenados sofrerem a justa sentença, ninguém pode chamá-Lo a juízo. Tolos e imprudentes são todos os discursos que se referem aos direitos dos homens serem colocados na mesma condição diante de Deus. Igno- rantes, se não forem algo pior, são as contenções contra a graça dis- criminadora de Deus; tais contenções expressam a rebeldia da natureza humana orgulhosa contra o trono e a autoridade de Jeová.
Quando Deus nos mostra nossa ruína completa, nosso infeliz merecimento e a justiça do veredicto divino contra o pecado, nunca mais contestamos a verdade de que o Senhor não tinha qualquer obrigação de salvar-nos; não murmuramos diante do fato de que Ele resolveu salvar outros, como se estivesse nos causando dano, mas sentimos que, se Ele desejou volver-se para nós, isso foi um ato espontâ- neo de bondade imerecida da parte dEle, pelo que bendiremos para sempre o seu nome.
Como poderão aqueles que são objeto da divina eleição adorar de forma suficiente a graça de Deus? Eles não têm motivo para se gloriarem, pois a soberania divina exclui com eficácia qualquer motivo. Somente o Senhor deve ser glorificado; a própria noção do mérito humano será lançada na vergonha eterna. Nas Escrituras, não existe uma doutrina que seja mais humilhante ao homem do que a da eleição; uma doutrina que mais promova a gratidão e, conseqüentemente, seja mais san- tificadora. Os crentes não devem temê-la, e sim regozijarem-se nela, em adoração.
A vida do homem é um Sonho
"Como faz com um sonho o que acordo, assim, ó Senhor, quando tu acordares, desprezarás a aparência deles".(Salmos 73:20)
1. Qualquer um que considere os versos antecedentes irá, facilmente, observar que o salmista está falando diretamente ao mal que prospera da maldade deles. É muito comum para esses, esquecerem, completamente, que eles são criaturas de um dia; para viver como se eles nunca fossem morrer; como se as condições presentes deles fosse durar para sempre; ou, pelo menos, como se eles estivessem, incontestavelmente, certos de que eles "teriam muitos bens armazenados para muitos anos": De maneira que eles poderiam, seguramente, dizer: "alma, toma teu bem-estar; coma, e beba, e se case". Mas quão miserável equívoco é esse! Quão freqüentemente Deus diz tal coisa para alguém: "Tu, tolo! Essa noite, eles irão requerer a tua alma!" Bem, então, pode ser dito para eles: "Ó, quão de repente eles se consomem!" — perecem, e vêm, para o fim temível. Sim, "como um sonho, em que alguém acorda; assim, tu fazes a imagem deles desaparecer da cidade".
2. Mas eu iria, no momento, levar esse pensamento para mais longe; eu poderia considerar isso, em um sentido geral, e mostrar quão próximas semelhanças há entre a vida humana e o sonho. O poeta antigo carrega a comparação mais longe ainda, quando ele chama a vida de "o sonho de uma sombra". E assim Cowley, quando ele clama, "Ó vida, tu és o irmão mais novo do nada!" Da mesma forma, então, nós confundimos um com o outro! Mas, deixando esses e outros vôos poéticos de lado, eu iria seriamente inquirir, onde essa semelhança se estende; onde a analogia entre um e outro, propriamente, consiste.
3. Com esse objetivo, eu iria inquirir, Primeiro: O que é um sonho? Você irá perguntar? "Quem é que não sabe isso?". Não seria melhor, você perguntar: Quem sabe? Existe alguma coisa mais misteriosa na natureza? Quem há que não tem experimentado isso; que não tem sonhado milhares de vezes? Ainda que ele não seja mais capaz de explicar a natureza dele, do que ele seja para alcançar os céus. Quem pode dar algum relato claro e satisfatório do pai dos sonhos, o sono? É verdade, muitos médicos têm atentado para isso, mas eles têm atentado em vão. Eles têm falado eruditamente, sobre ele, mas têm deixado o assunto, pelo menos, tão encoberto, quanto ele estava antes. Eles nos têm disto sobre algumas propriedades e efeitos, mas nenhum pode nos dizer qual a essência dele.
4. De qualquer maneira, nós sabemos a origem dos sonhos, e isto com alguns graus de certeza. Não pode existir dúvida, mas alguns deles se erguem da constituição presente do corpo; enquanto outros são, provavelmente, ocasionados pelas paixões da mente. Novamente: Nós somos, claramente, informados, nas Escrituras, que alguns são causados pela operação dos bons anjos; como outros, indubitavelmente, são devido ao poder e malícia de anjos do mal (se nós podemos ousar supor que haja algum como agora; ou, pelo menos, que eles não têm coisa alguma a fazer no mundo). Da mesma fonte de informações divinas de conhecimento, nós aprendemos que, em algumas ocasiões extraordinárias, o grande Pai dos espíritos tem manifestado a si mesmo para os espíritos humanos, "em sonhos e visões da noite". Mas qual desses, afinal, ergue-se da influência natural, e qual da influência sobrenatural, nós somos, muitas vezes, incapazes de determinar.
5. E como nós podemos, certamente, distinguir entre nossos sonhos e nossos pensamentos acordados? Que critério há, pelo qual, nós podemos, seguramente, saber, se nós estamos acordados ou dormindo? É verdade, tão logo, despertamos do sono, nós sabemos que nós estivemos em um sonho, e agora estamos acordados. Mas como nós podemos saber que um sonho é tal, enquanto nós continuamos nele? O que é o sonho? Para dar um relato grosseiro e superficial, não filosófico dele: É uma série de pessoas e coisas apresentadas à nossa mente, durante o sono, e que não tem existência, mas apenas em nossa própria imaginação. Um sonho, entretanto, é uma espécie de digressão da vida real. Parece ser uma forma de eco do que temos dito ou feito, quando estávamos acordados. Nós podemos dizer que o sonho é um fragmento da vida, desconectado de suas extremidades; e não conectado com a parte que vem antes, ou com a parte que se segue depois? E há algum caminho melhor para distinguir nossos sonhos de nossos pensamentos acordados, do que por essa mesma circunstância? É uma espécie de parênteses, inseridos na vida; como aquele em um discurso, em que se segue bem, com, ou sem ele. Por esse intermédio, nós, infalivelmente, conhecemos um sonho; — por estar desconectado de suas extremidades; por não ter uma conexão apropriada com as coisas reais, tanto das que precedem, como das que se seguem à vida.
6. Não é necessário provar que há uma semelhança próxima entre esses sonhos passageiros e os sonhos da vida. Seria mais útil ilustrar essa verdade importante; colocá-la em uma luz, tão mais esclarecedora, quanto for possível. Vamos, então, seriamente, considerar em algumas particularidades óbvias, o caso de alguém que está acordado fora da vida, e abrindo seus olhos na eternidade.
7. Vamos, então, propor uma situação: Supor que nós temos, diante de nós, alguém que tenha justamente passado para o mundo dos espíritos. Não poderia você dirigir-se a alguma alma recém-nascida, de alguma maneira, tal como esta? Você tem sido um habitante da terra por quarenta, talvez, cinqüenta ou sessenta anos. Mas, agora, Deus ergueu sua voz? "Acorda, tu que dormes!". Você acorda; levanta-se; você não tem mais o que fazer com essas pobres sombras passageiras. "Levanta, e tira, de ti mesmo, o pó!" Veja, tudo aqui é real! Tudo é permanente; tudo é eterno! Muito mais estável do que as fundações da terra; sim, do que os pilares desse mais baixo céu. Agora que seus olhos estão abertos, veja quão, inexprimivelmente, diferentes são todas as coisas que estão agora ao seu redor! Qual a diferença que você percebe em si mesmo? Onde está seu corpo — sua casa de barro? Onde estão os seus membros, suas mãos, pés, sua cabeça? Lá, eles se deitam, frios e insensíveis! Nenhuma raiva, daqui por diante, ou vergonha devem enrubescer o barro inocente; está extinta toda a chama animal, as paixões desapareceram. Que mudança aconteceu no espírito imortal! Você vê tudo à sua volta; mas como? Não, com os olhos da carne e sangue! Você ouve; mas não, por um fluxo de ar ondeante, golpeando em uma membrana estendida. Você sente; mas de uma maneira maravilhosa! Você não tem nervos para conduzir o fogo etéreo para os sentidos comuns; ou melhor, você não é agora todo olho, e todo ouvido, e todo sentimento, e toda percepção? Quão diferentes são, agora que você está, totalmente acordado, os objetos ao seu redor! Onde estão as casas, e jardins, e campos e cidades, as quais você recentemente viu? Onde estão os rios, os mares e as colinas eternas? Estavam elas, então, apenas, em um sonho, que o poeta descreve: "A Terra tem essa variedade dos céus, de prazer situado, em colinas e vales?" Não, eu duvido que tudo isso tenha desaparecido como fumaça, no momento em que você despertou fora do seu corpo.
8. Quão estranho deve ser, não apenas a maneira da existência aparecer, e o lugar onde você está (se é que ele pode ser chamado de lugar; embora quem pode definir ou descrever o mundo espiritual?), mas os habitantes daquela região desconhecida! Se eles fazem parte do número dos espíritos que são infelizes, "porque não mantiveram sua primeira classe", ou daqueles santos, que ainda "ministram a seus herdeiros da salvação". Quão estranhas são as ocupações daqueles espíritos com os quais você está cercado! Quão amargo é o gosto daqueles que ainda sonham encima da terra! "Eu não tenho gosto", diz um desses, (de uma sagacidade muito aplaudida, e que, recentemente deixou seu corpo) "para sentar-me numa nuvem, o dia todo, e cantar louvores para Deus". Nós podemos, facilmente, acreditar nele; e não há perigo, da sua existência ser colocada para esta preocupação. Não obstante, isso não é problema para aqueles que não cessam, dia e noite, e, continuamente, cantam: "Santo, santo, Senhor Deus do Sabbath!".
9. Suponha que esse seja o caso com qualquer um de vocês que esteja agora diante de Deus. E pode ser amanhã; talvez, essa noite; talvez, hoje mesmo, sua "alma possa ser requerida de você"; o sonho da vida possa terminar, e você possa acordar na ampla eternidade! Veja, lá se estende a pobre carcaça inanimada, brevemente, semeada na corrupção e desonra! Mas, onde está o espírito imortal, incorruptível? Lá, ele se situa, desnudo, diante dos olhos de Deus! Nesse meio tempo, no que se tornaram todas as ocupações, com as quais você tem estado, zelosamente, comprometido? Que proveito tem você de todo esse trabalho e cuidado? O seu dinheiro o seguiu? Não! Você teve de deixá-lo para trás; — para você, é a mesma coisa, como se ele tivesse desaparecido no ar. Os seus trajes alegres e ricos seguiram você? Seu corpo está coberto com pó e podridão! Sua alma, de fato, é coberta com a imortalidade! Mas, ó, que imortalidade? É a imortalidade da alegria e da glória; ou da vergonha e do eterno desprezo? Onde estão a honra e a pompa, do rico e do poderoso; o aplauso que cercou você? Tudo se foi; tudo desapareceu; "como uma sombra que se dissipou". "O jogo terminou", diz Monsieur Moultray, quando ele viu o projétil perfurar as têmporas de seu mestre morto. [Charles XII, Rei da Suécia, no cerco de Frederickshall]. E que preocupação teve o cortesão com isso? Não mais do que teria na conclusão de uma farsa ou dança. Mas, enquanto o bufão dormiu e descansou, o mesmo não aconteceu com o monarca. Embora ele não estivesse impressionado com coisa alguma na terra, ele deveria estar, nos mesmos portões do inferno. Valores vãos! No momento da morte, ele agarrou o cabo de sua espada! Mas, onde ele estava, no momento seguinte, quando a espada caiu de sua mão, e a alma saiu de seu corpo? Assim, terminou o esplêndido sonho da realeza, — da glória de destruir cidades, e de conquistar reinos!
10. "Como o poderoso está tombado, e as armas de guerra pereceram!" Quais as armas que são assim terríveis, entre nós, para os habitantes da eternidade? Como o sábio, o douto, o poeta e o julgador estão caídos, e a glória deles desaparecida! Como é com a beleza que acaba, assim, também, é com o ídolo recente que a multidão contempla! Em tão completo sentido, sãos as "filhas da música trazidas abaixo", e todos os instrumentos esquecidos disso! Você está agora convencido de que (de acordo com o provérbio Hebraico), "um cão vivo é melhor do que um leão morto?" Para que aqueles que vivem saibam; sim, devam saber, a menos que eles, obstinadamente, rejeitem que "eles devam morrer; mas os mortos não sabem coisa alguma" que poderá aliviar a dor, ou diminuir a miséria deles. Também "que a esperança, o medo e o desejo deles", tudo pereceu; todos eles sumiram; "eles não têm porção alguma, nas coisas que eles tinham feito, debaixo do sol!".
11. Onde, de fato, está a esperança daqueles que, recentemente, estavam deitando profundas conspirações, e dizendo: "Hoje, ou amanhã, nós iremos para tal cidade, e continuaremos por lá um ano, e traficaremos, e obteremos ganho?" Quão totalmente eles se esqueceram daquela sábia advertência: "Você não sabe coisa alguma do que será no amanhã! Porque, o que é a sua vida? Ela é um vapor que surgiu, por um tempo, e agora desapareceu!" Onde estão todas as suas ocupações? Onde estão os seus cuidados, preocupações e compromissos mundanos? Todos esses sumiram, como fumaça; e sua alma permaneceu. E como isso pode ser qualificado para o proveito desse novo mundo? Ele tem prazer por causa dos objetos e das apreciações do mundo invisível? As suas afeições estão desatadas das coisas abaixo, e fixadas nas coisas do alto, — fixadas no lugar, onde Jesus se senta à direita de Deus? Então, quão feliz você é; e, quando Ele que o ama aparecer, "você irá também aparecer com Ele na glória!".
12. Mas como você tem prazer na companhia que o cerca? Suas companhias antigas se foram; grande parte delas, provavelmente, separadas de você, para nunca retornarem. As suas companhias presentes são os anjos da luz? Espíritos ministeriais, que, não deixam de sussurrar: "Nós somos enviados para conduzir-te por sobre os abismos no seio de Abraão". E quem esses são? Algumas das almas dos retos, que tu, anteriormente, socorreste com "o espírito de cobiça da iniqüidade"; e que agora estão encarregadas pelo Senhor comum de receber-te, dando as boas-vindas "na sua habitação eterna". De maneira que os anjos da escuridão, rapidamente, discirnam que eles não têm parte em você. E, assim, têm que pairar, a alguma distância, ou desaparecer, em desespero. Esses felizes espíritos são os mesmos que se familiarizaram consigo; os mesmos que viajaram com você abaixo, e que suportaram uma parte das suas tentações; e que, junto com você, lutaram a boa luta da fé e se agarraram à vida eterna? Já que vocês choraram juntos, podem, então, regozijarem-se, juntos. Talvez, com o propósito de aumentar a sua gratidão por estar "livre da terrível morte". Eles podem dar a você uma visão do império abaixo; daquelas regiões de tristeza, e sombras dolorosas, onde a paz e o descanso não podem habitar. Veja, por outro lado, as mansões, as quais, foram "preparadas para você, desde a criação do mundo!".
Ó, que diferença, entre o sonho que é passado, e a cena real, que é agora presente consigo! Observe! Veja! Não há necessidade do sol, neste dia, que nunca é seguido pela noite; onde as belezas de Jesus exibem a luz pura e permanente! Olhe para baixo! Que prisão existe lá! "Retorcendo-se no fogo alto, baixo e circundante!" E que habitantes! Que formas repugnantes e temerosas, emblemas da ira contra Deus e homem, da inveja, da fúria, do desespero, fixados neles, — restando a eles ranger os dentes para Aquele, que eles desprezaram, durante tanto tempo! Conforta a eles ver, enquanto isso, através do abismo imenso, os retos, no seio de Abraão? Que lugar é aquele! "Qual a casa de Deus, eterna nos céus!" A Terra é apenas escabelo aos pés Dele. Sim! O firmamento espaçoso ao alto, e todo o céu azul e etéreo. Quando, então, nós podemos dizer para seus habitantes: "Proclamem as glórias de nosso Senhor, dispersas, através de todas as ruas divinas; de cujos tesouros ilimitados, pode dispor de tão rico pavimento para os seus pés". E ainda, quão inconsiderável é a glória daquela casa, comparada com aquela de seu grande Habitante! Devido a quem, todos os primogênitos filhos da luz, anjos, arcanjos e todas as companhias dos céus, cheias de luz, tanto quanto cheias de amor, não ousam se aproximar, mas, com ambas as asas, velam os próprios olhos!
13. Quão maravilhoso, então, agora que o sonho da vida está terminado; agora que vocês estão completamente acordados, façam todas essas cenas aparecerem! Até mesmo tal visão que nunca entrou, ou pôde entrar em seus corações para ser concebida! Como são todos aqueles que "acordaram depois da imagem dele, agora satisfeito com ela!" Eles têm agora uma porção, real, sólida, incorruptível, "que desvaneceram. Entretanto, quão completamente desprezíveis são aqueles que (para acenar para todas as outras considerações) têm escolhido, para suas porções, aquelas sombras transitórias, que agora estão desaparecidas, e os têm deixado no abismo da miséria real, que deverá permanecer, por toda a eternidade!".
14. Agora, considerando que todo filho do homem que ainda esteja sobre a terra, deva, cedo ou tarde, acordar desse sonho, e entrar na vida real; quão, infinitamente, concerne, a cada um de nós, atendermos a isso, diante da nossa grande mudança que chega! Da mesma importância, é estar, continuamente, sensível da condição em que você se situa! Quão recomendável é, por todos os meios possíveis, relacionar as idéias de tempo e eternidade! De modo a associá-las, para que o pensamento de uma, nunca recorra a sua mente, sem o pensamento de outra! É nossa mais alta sabedoria associar as idéias do mundo visível e invisível; de maneira a relacionar a existência temporal e espiritual, mortal e imortal. Realmente, em nossos sonhos comuns nós, usualmente, não sabemos que estamos dormindo, enquanto no meio deles. Nem temos conhecimento dele, enquanto no meio desse sonho a que chamamos vida. Mas você pode estar consciente dele agora. Deus concede que você possa, antes que você acorde em uma mortalha de fogo!
15. Esse alicerce admirável, por associar, assim, as idéias de tempo e eternidade, do mundo visível e invisível, está colocado, na mesma natureza da religião! Porque, o que é religião? —Eu quero dizer, a religião bíblica? Porque todas as outras são os mais inúteis de todos os sonhos! Qual é a mesma raiz dessa religião? É Emanuel, Deus conosco! Deus no homem! Céu associado com a terra! A inexprimível união do mortal com o imortal. Porque "verdadeiramente, nosso companheiro" (possam todos os cristãos dizer) "é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo. Deus tem dado a nós vida eterna; e essa vida está em seu Filho". O que se segue? "Ele, que tem o Filho, tem vida: E ele que não tem o Filho de Deus, não tem vida".
16. Mas como devemos reter um senso constante disso? Eu tenho, freqüentemente, pensado, nas horas em que estou caminhando, "Agora, quando eu dormir, e ver tais e tais coisas, eu irei me lembrar que isso foi apenas um sonho". Ainda que eu não possa, enquanto o sonho durar; e, provavelmente, ninguém possa. Mas, é outra coisa, com o sonho da vida; que nós lembramos de ser tal, mesmo enquanto ele dura. E se nós nos esquecemos (como nós, de fato, estamos aptos a fazer), um amigo pode nos lembrar disso. É muito estar desejoso de que tal amigo esteja sempre por perto; alguém que, possa, freqüentemente, soprar em nossas orelhas: "Acorda, tu que dormes, e levanta-te de entre os mortos!" Logo você irá acordar para a vida real. Você irá se colocar, um espírito desnudo, diante da face do grande Deus! Veja que você agora apreendeu, depressa, que a "vida eterna", a qual ele tem dado a você, está em seu Filho!
17. Quão, admiravelmente, essa vida de Deus diversifica dentro do todo da religião, — eu quero dizer, da religião bíblica! Tão logo Deus revela seu Filho, no coração do pecador, ele está capacitado para dizer, "A vida que eu agora vivo, eu vivo pela fé, no Filho de Deus, que me amou e deu a si mesmo por mim!" Ele, então, "regozija-se na esperança da glória de Deus", sempre, com alegria inexprimível. E, em conseqüência, dessa fé e esperança, o amor de Deus está derramado em todo seu coração; que, enche a alma, com amor por toda a humanidade, "é o executor da lei".
18. E quão, maravilhosamente, a fé, a esperança e o amor, conectam Deus com o homem, e tempo com eternidade! Em consideração disso, nós podemos, corajosamente, dizer:
Desapareça, então, mundo de sombras;
Desapareçam as coisas passadas;
Senhor, apareça! Apareça para nos alegrar,
Com a alvorada do dia infindável!
Ó, conclua essa história mortal,
Jogue esse universo à distância!
Venha, Rei eterno da glória,
Agora desça, e tome a tua igreja!
1. Qualquer um que considere os versos antecedentes irá, facilmente, observar que o salmista está falando diretamente ao mal que prospera da maldade deles. É muito comum para esses, esquecerem, completamente, que eles são criaturas de um dia; para viver como se eles nunca fossem morrer; como se as condições presentes deles fosse durar para sempre; ou, pelo menos, como se eles estivessem, incontestavelmente, certos de que eles "teriam muitos bens armazenados para muitos anos": De maneira que eles poderiam, seguramente, dizer: "alma, toma teu bem-estar; coma, e beba, e se case". Mas quão miserável equívoco é esse! Quão freqüentemente Deus diz tal coisa para alguém: "Tu, tolo! Essa noite, eles irão requerer a tua alma!" Bem, então, pode ser dito para eles: "Ó, quão de repente eles se consomem!" — perecem, e vêm, para o fim temível. Sim, "como um sonho, em que alguém acorda; assim, tu fazes a imagem deles desaparecer da cidade".
2. Mas eu iria, no momento, levar esse pensamento para mais longe; eu poderia considerar isso, em um sentido geral, e mostrar quão próximas semelhanças há entre a vida humana e o sonho. O poeta antigo carrega a comparação mais longe ainda, quando ele chama a vida de "o sonho de uma sombra". E assim Cowley, quando ele clama, "Ó vida, tu és o irmão mais novo do nada!" Da mesma forma, então, nós confundimos um com o outro! Mas, deixando esses e outros vôos poéticos de lado, eu iria seriamente inquirir, onde essa semelhança se estende; onde a analogia entre um e outro, propriamente, consiste.
3. Com esse objetivo, eu iria inquirir, Primeiro: O que é um sonho? Você irá perguntar? "Quem é que não sabe isso?". Não seria melhor, você perguntar: Quem sabe? Existe alguma coisa mais misteriosa na natureza? Quem há que não tem experimentado isso; que não tem sonhado milhares de vezes? Ainda que ele não seja mais capaz de explicar a natureza dele, do que ele seja para alcançar os céus. Quem pode dar algum relato claro e satisfatório do pai dos sonhos, o sono? É verdade, muitos médicos têm atentado para isso, mas eles têm atentado em vão. Eles têm falado eruditamente, sobre ele, mas têm deixado o assunto, pelo menos, tão encoberto, quanto ele estava antes. Eles nos têm disto sobre algumas propriedades e efeitos, mas nenhum pode nos dizer qual a essência dele.
4. De qualquer maneira, nós sabemos a origem dos sonhos, e isto com alguns graus de certeza. Não pode existir dúvida, mas alguns deles se erguem da constituição presente do corpo; enquanto outros são, provavelmente, ocasionados pelas paixões da mente. Novamente: Nós somos, claramente, informados, nas Escrituras, que alguns são causados pela operação dos bons anjos; como outros, indubitavelmente, são devido ao poder e malícia de anjos do mal (se nós podemos ousar supor que haja algum como agora; ou, pelo menos, que eles não têm coisa alguma a fazer no mundo). Da mesma fonte de informações divinas de conhecimento, nós aprendemos que, em algumas ocasiões extraordinárias, o grande Pai dos espíritos tem manifestado a si mesmo para os espíritos humanos, "em sonhos e visões da noite". Mas qual desses, afinal, ergue-se da influência natural, e qual da influência sobrenatural, nós somos, muitas vezes, incapazes de determinar.
5. E como nós podemos, certamente, distinguir entre nossos sonhos e nossos pensamentos acordados? Que critério há, pelo qual, nós podemos, seguramente, saber, se nós estamos acordados ou dormindo? É verdade, tão logo, despertamos do sono, nós sabemos que nós estivemos em um sonho, e agora estamos acordados. Mas como nós podemos saber que um sonho é tal, enquanto nós continuamos nele? O que é o sonho? Para dar um relato grosseiro e superficial, não filosófico dele: É uma série de pessoas e coisas apresentadas à nossa mente, durante o sono, e que não tem existência, mas apenas em nossa própria imaginação. Um sonho, entretanto, é uma espécie de digressão da vida real. Parece ser uma forma de eco do que temos dito ou feito, quando estávamos acordados. Nós podemos dizer que o sonho é um fragmento da vida, desconectado de suas extremidades; e não conectado com a parte que vem antes, ou com a parte que se segue depois? E há algum caminho melhor para distinguir nossos sonhos de nossos pensamentos acordados, do que por essa mesma circunstância? É uma espécie de parênteses, inseridos na vida; como aquele em um discurso, em que se segue bem, com, ou sem ele. Por esse intermédio, nós, infalivelmente, conhecemos um sonho; — por estar desconectado de suas extremidades; por não ter uma conexão apropriada com as coisas reais, tanto das que precedem, como das que se seguem à vida.
6. Não é necessário provar que há uma semelhança próxima entre esses sonhos passageiros e os sonhos da vida. Seria mais útil ilustrar essa verdade importante; colocá-la em uma luz, tão mais esclarecedora, quanto for possível. Vamos, então, seriamente, considerar em algumas particularidades óbvias, o caso de alguém que está acordado fora da vida, e abrindo seus olhos na eternidade.
7. Vamos, então, propor uma situação: Supor que nós temos, diante de nós, alguém que tenha justamente passado para o mundo dos espíritos. Não poderia você dirigir-se a alguma alma recém-nascida, de alguma maneira, tal como esta? Você tem sido um habitante da terra por quarenta, talvez, cinqüenta ou sessenta anos. Mas, agora, Deus ergueu sua voz? "Acorda, tu que dormes!". Você acorda; levanta-se; você não tem mais o que fazer com essas pobres sombras passageiras. "Levanta, e tira, de ti mesmo, o pó!" Veja, tudo aqui é real! Tudo é permanente; tudo é eterno! Muito mais estável do que as fundações da terra; sim, do que os pilares desse mais baixo céu. Agora que seus olhos estão abertos, veja quão, inexprimivelmente, diferentes são todas as coisas que estão agora ao seu redor! Qual a diferença que você percebe em si mesmo? Onde está seu corpo — sua casa de barro? Onde estão os seus membros, suas mãos, pés, sua cabeça? Lá, eles se deitam, frios e insensíveis! Nenhuma raiva, daqui por diante, ou vergonha devem enrubescer o barro inocente; está extinta toda a chama animal, as paixões desapareceram. Que mudança aconteceu no espírito imortal! Você vê tudo à sua volta; mas como? Não, com os olhos da carne e sangue! Você ouve; mas não, por um fluxo de ar ondeante, golpeando em uma membrana estendida. Você sente; mas de uma maneira maravilhosa! Você não tem nervos para conduzir o fogo etéreo para os sentidos comuns; ou melhor, você não é agora todo olho, e todo ouvido, e todo sentimento, e toda percepção? Quão diferentes são, agora que você está, totalmente acordado, os objetos ao seu redor! Onde estão as casas, e jardins, e campos e cidades, as quais você recentemente viu? Onde estão os rios, os mares e as colinas eternas? Estavam elas, então, apenas, em um sonho, que o poeta descreve: "A Terra tem essa variedade dos céus, de prazer situado, em colinas e vales?" Não, eu duvido que tudo isso tenha desaparecido como fumaça, no momento em que você despertou fora do seu corpo.
8. Quão estranho deve ser, não apenas a maneira da existência aparecer, e o lugar onde você está (se é que ele pode ser chamado de lugar; embora quem pode definir ou descrever o mundo espiritual?), mas os habitantes daquela região desconhecida! Se eles fazem parte do número dos espíritos que são infelizes, "porque não mantiveram sua primeira classe", ou daqueles santos, que ainda "ministram a seus herdeiros da salvação". Quão estranhas são as ocupações daqueles espíritos com os quais você está cercado! Quão amargo é o gosto daqueles que ainda sonham encima da terra! "Eu não tenho gosto", diz um desses, (de uma sagacidade muito aplaudida, e que, recentemente deixou seu corpo) "para sentar-me numa nuvem, o dia todo, e cantar louvores para Deus". Nós podemos, facilmente, acreditar nele; e não há perigo, da sua existência ser colocada para esta preocupação. Não obstante, isso não é problema para aqueles que não cessam, dia e noite, e, continuamente, cantam: "Santo, santo, Senhor Deus do Sabbath!".
9. Suponha que esse seja o caso com qualquer um de vocês que esteja agora diante de Deus. E pode ser amanhã; talvez, essa noite; talvez, hoje mesmo, sua "alma possa ser requerida de você"; o sonho da vida possa terminar, e você possa acordar na ampla eternidade! Veja, lá se estende a pobre carcaça inanimada, brevemente, semeada na corrupção e desonra! Mas, onde está o espírito imortal, incorruptível? Lá, ele se situa, desnudo, diante dos olhos de Deus! Nesse meio tempo, no que se tornaram todas as ocupações, com as quais você tem estado, zelosamente, comprometido? Que proveito tem você de todo esse trabalho e cuidado? O seu dinheiro o seguiu? Não! Você teve de deixá-lo para trás; — para você, é a mesma coisa, como se ele tivesse desaparecido no ar. Os seus trajes alegres e ricos seguiram você? Seu corpo está coberto com pó e podridão! Sua alma, de fato, é coberta com a imortalidade! Mas, ó, que imortalidade? É a imortalidade da alegria e da glória; ou da vergonha e do eterno desprezo? Onde estão a honra e a pompa, do rico e do poderoso; o aplauso que cercou você? Tudo se foi; tudo desapareceu; "como uma sombra que se dissipou". "O jogo terminou", diz Monsieur Moultray, quando ele viu o projétil perfurar as têmporas de seu mestre morto. [Charles XII, Rei da Suécia, no cerco de Frederickshall]. E que preocupação teve o cortesão com isso? Não mais do que teria na conclusão de uma farsa ou dança. Mas, enquanto o bufão dormiu e descansou, o mesmo não aconteceu com o monarca. Embora ele não estivesse impressionado com coisa alguma na terra, ele deveria estar, nos mesmos portões do inferno. Valores vãos! No momento da morte, ele agarrou o cabo de sua espada! Mas, onde ele estava, no momento seguinte, quando a espada caiu de sua mão, e a alma saiu de seu corpo? Assim, terminou o esplêndido sonho da realeza, — da glória de destruir cidades, e de conquistar reinos!
10. "Como o poderoso está tombado, e as armas de guerra pereceram!" Quais as armas que são assim terríveis, entre nós, para os habitantes da eternidade? Como o sábio, o douto, o poeta e o julgador estão caídos, e a glória deles desaparecida! Como é com a beleza que acaba, assim, também, é com o ídolo recente que a multidão contempla! Em tão completo sentido, sãos as "filhas da música trazidas abaixo", e todos os instrumentos esquecidos disso! Você está agora convencido de que (de acordo com o provérbio Hebraico), "um cão vivo é melhor do que um leão morto?" Para que aqueles que vivem saibam; sim, devam saber, a menos que eles, obstinadamente, rejeitem que "eles devam morrer; mas os mortos não sabem coisa alguma" que poderá aliviar a dor, ou diminuir a miséria deles. Também "que a esperança, o medo e o desejo deles", tudo pereceu; todos eles sumiram; "eles não têm porção alguma, nas coisas que eles tinham feito, debaixo do sol!".
11. Onde, de fato, está a esperança daqueles que, recentemente, estavam deitando profundas conspirações, e dizendo: "Hoje, ou amanhã, nós iremos para tal cidade, e continuaremos por lá um ano, e traficaremos, e obteremos ganho?" Quão totalmente eles se esqueceram daquela sábia advertência: "Você não sabe coisa alguma do que será no amanhã! Porque, o que é a sua vida? Ela é um vapor que surgiu, por um tempo, e agora desapareceu!" Onde estão todas as suas ocupações? Onde estão os seus cuidados, preocupações e compromissos mundanos? Todos esses sumiram, como fumaça; e sua alma permaneceu. E como isso pode ser qualificado para o proveito desse novo mundo? Ele tem prazer por causa dos objetos e das apreciações do mundo invisível? As suas afeições estão desatadas das coisas abaixo, e fixadas nas coisas do alto, — fixadas no lugar, onde Jesus se senta à direita de Deus? Então, quão feliz você é; e, quando Ele que o ama aparecer, "você irá também aparecer com Ele na glória!".
12. Mas como você tem prazer na companhia que o cerca? Suas companhias antigas se foram; grande parte delas, provavelmente, separadas de você, para nunca retornarem. As suas companhias presentes são os anjos da luz? Espíritos ministeriais, que, não deixam de sussurrar: "Nós somos enviados para conduzir-te por sobre os abismos no seio de Abraão". E quem esses são? Algumas das almas dos retos, que tu, anteriormente, socorreste com "o espírito de cobiça da iniqüidade"; e que agora estão encarregadas pelo Senhor comum de receber-te, dando as boas-vindas "na sua habitação eterna". De maneira que os anjos da escuridão, rapidamente, discirnam que eles não têm parte em você. E, assim, têm que pairar, a alguma distância, ou desaparecer, em desespero. Esses felizes espíritos são os mesmos que se familiarizaram consigo; os mesmos que viajaram com você abaixo, e que suportaram uma parte das suas tentações; e que, junto com você, lutaram a boa luta da fé e se agarraram à vida eterna? Já que vocês choraram juntos, podem, então, regozijarem-se, juntos. Talvez, com o propósito de aumentar a sua gratidão por estar "livre da terrível morte". Eles podem dar a você uma visão do império abaixo; daquelas regiões de tristeza, e sombras dolorosas, onde a paz e o descanso não podem habitar. Veja, por outro lado, as mansões, as quais, foram "preparadas para você, desde a criação do mundo!".
Ó, que diferença, entre o sonho que é passado, e a cena real, que é agora presente consigo! Observe! Veja! Não há necessidade do sol, neste dia, que nunca é seguido pela noite; onde as belezas de Jesus exibem a luz pura e permanente! Olhe para baixo! Que prisão existe lá! "Retorcendo-se no fogo alto, baixo e circundante!" E que habitantes! Que formas repugnantes e temerosas, emblemas da ira contra Deus e homem, da inveja, da fúria, do desespero, fixados neles, — restando a eles ranger os dentes para Aquele, que eles desprezaram, durante tanto tempo! Conforta a eles ver, enquanto isso, através do abismo imenso, os retos, no seio de Abraão? Que lugar é aquele! "Qual a casa de Deus, eterna nos céus!" A Terra é apenas escabelo aos pés Dele. Sim! O firmamento espaçoso ao alto, e todo o céu azul e etéreo. Quando, então, nós podemos dizer para seus habitantes: "Proclamem as glórias de nosso Senhor, dispersas, através de todas as ruas divinas; de cujos tesouros ilimitados, pode dispor de tão rico pavimento para os seus pés". E ainda, quão inconsiderável é a glória daquela casa, comparada com aquela de seu grande Habitante! Devido a quem, todos os primogênitos filhos da luz, anjos, arcanjos e todas as companhias dos céus, cheias de luz, tanto quanto cheias de amor, não ousam se aproximar, mas, com ambas as asas, velam os próprios olhos!
13. Quão maravilhoso, então, agora que o sonho da vida está terminado; agora que vocês estão completamente acordados, façam todas essas cenas aparecerem! Até mesmo tal visão que nunca entrou, ou pôde entrar em seus corações para ser concebida! Como são todos aqueles que "acordaram depois da imagem dele, agora satisfeito com ela!" Eles têm agora uma porção, real, sólida, incorruptível, "que desvaneceram. Entretanto, quão completamente desprezíveis são aqueles que (para acenar para todas as outras considerações) têm escolhido, para suas porções, aquelas sombras transitórias, que agora estão desaparecidas, e os têm deixado no abismo da miséria real, que deverá permanecer, por toda a eternidade!".
14. Agora, considerando que todo filho do homem que ainda esteja sobre a terra, deva, cedo ou tarde, acordar desse sonho, e entrar na vida real; quão, infinitamente, concerne, a cada um de nós, atendermos a isso, diante da nossa grande mudança que chega! Da mesma importância, é estar, continuamente, sensível da condição em que você se situa! Quão recomendável é, por todos os meios possíveis, relacionar as idéias de tempo e eternidade! De modo a associá-las, para que o pensamento de uma, nunca recorra a sua mente, sem o pensamento de outra! É nossa mais alta sabedoria associar as idéias do mundo visível e invisível; de maneira a relacionar a existência temporal e espiritual, mortal e imortal. Realmente, em nossos sonhos comuns nós, usualmente, não sabemos que estamos dormindo, enquanto no meio deles. Nem temos conhecimento dele, enquanto no meio desse sonho a que chamamos vida. Mas você pode estar consciente dele agora. Deus concede que você possa, antes que você acorde em uma mortalha de fogo!
15. Esse alicerce admirável, por associar, assim, as idéias de tempo e eternidade, do mundo visível e invisível, está colocado, na mesma natureza da religião! Porque, o que é religião? —Eu quero dizer, a religião bíblica? Porque todas as outras são os mais inúteis de todos os sonhos! Qual é a mesma raiz dessa religião? É Emanuel, Deus conosco! Deus no homem! Céu associado com a terra! A inexprimível união do mortal com o imortal. Porque "verdadeiramente, nosso companheiro" (possam todos os cristãos dizer) "é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo. Deus tem dado a nós vida eterna; e essa vida está em seu Filho". O que se segue? "Ele, que tem o Filho, tem vida: E ele que não tem o Filho de Deus, não tem vida".
16. Mas como devemos reter um senso constante disso? Eu tenho, freqüentemente, pensado, nas horas em que estou caminhando, "Agora, quando eu dormir, e ver tais e tais coisas, eu irei me lembrar que isso foi apenas um sonho". Ainda que eu não possa, enquanto o sonho durar; e, provavelmente, ninguém possa. Mas, é outra coisa, com o sonho da vida; que nós lembramos de ser tal, mesmo enquanto ele dura. E se nós nos esquecemos (como nós, de fato, estamos aptos a fazer), um amigo pode nos lembrar disso. É muito estar desejoso de que tal amigo esteja sempre por perto; alguém que, possa, freqüentemente, soprar em nossas orelhas: "Acorda, tu que dormes, e levanta-te de entre os mortos!" Logo você irá acordar para a vida real. Você irá se colocar, um espírito desnudo, diante da face do grande Deus! Veja que você agora apreendeu, depressa, que a "vida eterna", a qual ele tem dado a você, está em seu Filho!
17. Quão, admiravelmente, essa vida de Deus diversifica dentro do todo da religião, — eu quero dizer, da religião bíblica! Tão logo Deus revela seu Filho, no coração do pecador, ele está capacitado para dizer, "A vida que eu agora vivo, eu vivo pela fé, no Filho de Deus, que me amou e deu a si mesmo por mim!" Ele, então, "regozija-se na esperança da glória de Deus", sempre, com alegria inexprimível. E, em conseqüência, dessa fé e esperança, o amor de Deus está derramado em todo seu coração; que, enche a alma, com amor por toda a humanidade, "é o executor da lei".
18. E quão, maravilhosamente, a fé, a esperança e o amor, conectam Deus com o homem, e tempo com eternidade! Em consideração disso, nós podemos, corajosamente, dizer:
Desapareça, então, mundo de sombras;
Desapareçam as coisas passadas;
Senhor, apareça! Apareça para nos alegrar,
Com a alvorada do dia infindável!
Ó, conclua essa história mortal,
Jogue esse universo à distância!
Venha, Rei eterno da glória,
Agora desça, e tome a tua igreja!
A Salvação pela Fé
“Pela graça sois salvos, mediante a fé” (Ef 2,8). 
1. Todas as bênçãos que Deus tem dado ao homem provêm da sua mera graça, generosidade ou favor; favor totalmente imerecido: o homem não tem nenhum direito à menor misericórdia divina. Foi a graça livre que formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas suas narinas o fôlego da vida e imprimiu na alma a imagem de Deus e “pôs tudo sob seus pés”. (Gn 2,7; Sl 8,6).
2. A mesma graça livre nos concede hoje vida, respiração e tudo mais, pois não há nada que somos ou temos ou fazemos que não provenha da mão de Deus. “Todas as nossas obras, tu, oh Deus as fazes por nós” (At 17,25). Assim, elas são tantas outras manifestações de livre misericórdia, e toda justiça encontrada no homem, será também uma dádiva de Deus.
3. Então, como o pecador fará expiação pelo menor de seus pecados? Com suas próprias obras? Não ainda que estas sejam muitas ou sejam santas, não provêm dele, mas senão de Deus. Na verdade, todas são ímpias e pecaminosas, por si mesmas; portanto, todos carecem de uma nova expiação. Só frutos maus nascem de uma árvore corrupta. Como o coração do homem é totalmente corrupto e abominável, ele “carece da glória de Deus”, daquela gloriosa justiça primitiva expressa na sua alma, segundo a imagem de seu grande Criador. Assim, nada tendo, nem justiça nem obras para reivindicar, sua boca totalmente se cala perante Deus.
4. Se “os pecadores acharem graça diante de Deus, é graça sobre...” (Jô 1,16). Se Deus se digna ainda a derramar novas bênçãos sobre nós, sim, a maior de todas elas, a salvação; que podemos dizer a essas coisas senão “graças a Deus pelo seu Dom inefável”. E assim é. Nisto “Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido para nos salvar, sendo nós ainda pecadores”. “Pela graça, então, sois salvos, mediante a fé”. A graça é a fonte e a fé a condição da salvação.
Agora, pois para não estarmos privados da graça de Deus, convém inquirir cuidadosamente:
I— Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
II— Qual é a salvação que é mediante a fé?
III— Como podemos responder a algumas objeções?
Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
Primeiramente, não é a mera fé de um pagão. Deus exige que um pagão creia “que Deus existe e que se torna doador dos que diligentemente o buscam” e que ele deve ser buscado, glorificando e louvando a Deus por tudo e por uma consciente prática da virtude moral da justiça, misericórdia e verdade para com seus semelhantes.
1. O grego ou romano, sim, um cita ou indiano não tinha desculpa se não acreditasse pelo menos nisto: a existência e os atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição, e a natureza obrigatória da verdade moral, pois essas coisas se constituem na crença de um pagão.
2. Nem é, em segundo lugar, a fé de um diabo, embora ela vá muito além da do pagão, Deus. Até aí vai a fé de um diabo.
3. Em terceiro lugar, a fé por meio de que somos salvos, no sentido que será explicado mais adiante, não é apenas aquela que os apóstolos tinham quando Cristo estava ainda no mundo. Embora crer a ponto de “deixar tudo e segui-lo” e quanto tivessem o poder de operar milagres, “a curar toda a espécie de doenças e enfermidades”, tinham “poder e autoridade sobre todos os demônios” e o que mais foram enviados pelo seu Mestre para “pregar o Reino de Deus”. No entanto, depois de realizadas todas essas proezas, o próprio Senhor deles os chama de “geração incrédula”. Ele lhes diz que “não podiam expelir um demônio por causa da sua incredulidade”. Mais tarde, supondo já terem uma medida da fé, eles lhe pediram: “aumenta a nossa fé”. No entanto, ele lhe diz claramente que não possuíam nada dessa fé, nem fé como a de um grão de mostarda. “Respondeu-lhes o Senhor: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: arranca-te e transplanta-te no amor e ela vós obedecerá”.
4. Qual é, então, a fé mediante a qual somos salvos? Podemos responder, primeiro, de modo geral, é a fé em Cristo; Cristo e Deus. Através de Cristo, são os seus próprios objetos. Nisso se distingue suficiente e absolutamente da fé de pagãos, quer antigos, quer modernos. Ela se distingue plenamente da fé de um diabo por não ser meramente especulativa e racional, um frio e morto assentimento, um elenco de idéias na cabeça; é, antes, uma disposição do coração, pois a Escritura declara: “Com o coração se crê para a justiça” e “se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos será salvo”.
5. Difere daquela fé que os próprios apóstolos tinham quando nosso Senhor estava no mundo e reconhece a necessidade e o mérito de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte como suficiente meio de redimir o ser humano da morte eterna, e sua ressurreição como a restauração de todos nós a vida e mortalidade e isto porque ele “foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”.
A fé cristã não é, então, um assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas antes uma plena confiança no sangue de Cristo, uma confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição, um descansar nele como nossa propiciação e nossa vida, como dado por nós e vivendo em nós. É uma segura confiança que alguém tem em Deus e que, através dos méritos de Cristo, seus pecados estão perdoados, e ele está reconciliado ao favor de Deus e, como conseqüência, uma aproximação dele e um apego a ele, como nossa “sabedoria, justiça, santificação redenção” ou, numa palavra, nossa salvação.
O segundo ponto a ser considerado é: qual é a salvação que é mediante a fé?
Primeiramente, qualquer coisa mais que lhe esteja implícito, trata-se de uma salvação presente. É algo atingível, sim, na terra por aqueles que participam dessa fé. Assim, o apóstolo fala aos crentes de Éfeso, e por eles aos crentes de todos os tempos: “sereis (embora isso também seja verdadeiro), mas ele diz, “sois salvos mediante a fé”.
Sois salvos (para abarcar tudo numa só palavra) do pecado. Esta é a salvação mediante a fé: e aquela grande salvação predita pelo anjo, antes de Deus trazer ao mundo seu primogênito: “Tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Nem aqui, nem em outra parte do Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo o seu povo, ou como se diz em outros lugares, “todos o que nele crêem”, ele salvará de todos os seus pecados, do pecado original e atual, do pecado passado e presente, da carne e do espírito. Mediante a fé nele, são salvos tanto da culpa quanto do poder do pecado.
Primeiro da culpa de todo o pecado passado. Consideramos que “todo o mundo está culpado perante Deus”, ao ponto que, se ele fosse “observar todos as iniqüidades, ninguém subsistiria”. Consideramos que “pela lei vem somente o conhecimento do pecado”, nenhuma libertação advém dela, de forma que “ninguém será justificado diante dele por cumprir as obras da lei, mas agora, se manifestou a justiça de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo”. Agora, “são justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus Cristo, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação para manifestar a sua justiça pela remissão dos pecados anteriormente cometidos”. Agora, Cristo tirou “a maldição da lei, fazendo-se ele próprio, maldição em nosso lugar”. Ele tem “cancelado o escrito de dívidas que era contra nós, removendo-o inteiramente, encravando-o na cruz”. Agora, pois já nenhuma condenação há para os que crêem em Cristo Jesus.
E, salvos da culpa, são salvos do medo. Na verdade, não do temor filial de ofender (a Deus), mas de todo o medo servil, daquele “medo que produz tormento”, do medo da punição, do medo da ira de Deus, que eles não mais encaram como um Senhor severo, mas como Pai benigno. “Não receberam o espírito da escravidão, mas o espírito da adoção, baseado no qual clamam: Aba Pai. O próprio espírito testifica com o seu espírito, que são filhos de Deus”. São salvos do medo, embora não da possibilidade de caírem da graça de Deus e de não alcançarem as grandes e preciosas promessas; são “selados com o Santo Espírito da promessa, o qual é o penhor da sua herança”. Assim, “têm paz com Deus por meio de nosso senhor Jesus Cristo. Regozijam-se na esperança da glória de Deus. E o amor de Deus é derramado no seu coração pelo Espírito Santo que lhes foi outorgado”. Por isso, são “persuadidos” (embora talvez não sempre, nem com a mesma plenitude de persuasão) de que “nem morte, nem vida, nem coisas do presente, nem do porvir, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura os poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso senhor”.
Ainda mais: mediante essa fé, são salvos do poder do pecado, bem como da culpa dele. Assim, o apóstolo declara: “Sabeis que ele se manifestou para tirar os pecados e nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não peca”. Também, “filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém. Aquele que pratica o pecado procede do diabo”. “Todo aquele que crê é nascido de Deus” e “todo aquele que é nascido de Deus não peca, pois o que permanece nele é a divina semente; ora esse não pode pecar, porque é nascido de Deus”. Também: “nós sabemos que todo o que nasceu de Deus não peca; o que foi gerado por Deus o guarda e o maligno não o pode atingir”.
Aquele que, pela fé, nasce de Deus, não peca, (1) por qualquer pecado habitual, pois todo o pecado habitual é pecado dominante, mas o pecado não pode dominar a qualquer um que creia; nem (2) por pecado intencional, pois sua vontade, enquanto ele permanece na fé, está absolutamente contrária a todo pecado e o odeia como veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo pecaminoso, porque ele deseja continuamente a santa e perfeita vontade de Deus; portanto, qualquer tendência a um desejo impuro a ele sufoca pela graça de Deus; também (4) ele não peca por fraquezas, quer em ato, palavra ou pensamento, pois suas fraquezas não são apoiadas pela sua vontade; e, sem isso, não são, propriamente, pecados. Assim, “todo aquele que nasceu de Deus não peca” e, embora não possa dizer que não tenha pecado, “ele não peca”.
Essa é, então, a salvação pela fé, mesmo no mundo presente: salvação do pecado e das suas conseqüências, ambas comumente implícitas na palavra justificação. Isto, tomado no seu sentido mais largo, implica em libertação da culpa e da punição, pela expiação, de Cristo, efetivamente aplicada à alma do pecador que agora crê nele, e em uma libertação de todo o corpo do pecado, por meio de Cristo formado em seu coração. De sorte que aquele assim justificado, ou salvo pela fé, realmente é nascido de novo. Nasceu novamente do Espírito para uma vida nova que “Ele é a nova criatura: as coisas velhas já passaram; eis que fizeram novas”. Como um recém nascido, alegremente recebe, o genuíno leite racional da palavra, cresce por meio dele e prossegue no poder do Senhor, seu Deus, de fé em fé, de graça em graça, até chegar, afinal, “à perfeita varonilidade, à moda da estatura da plenitude de Cristo”.
A primeira objeção dada a isso é:
Pregar salvação ou justificação só pela fé é pregar contra a santidade e as boas obras. Podemos dar uma breve resposta: seria certo se nós falássemos, como fazem alguns, de fé separada. Nós, porém, não falamos de uma fé, mas de uma fé que necessariamente produz todas as obras e toda a santidade.
Pode ser útil, porém, examinar essa objeção mais a fundo, especialmente, por não ser nova, mas antes, tão velha como a época de São Paulo, pois, então, perguntou-se: “Anulamos a lei pela fé?”. Respondemos, primeiramente, que todos os que não pregam fé anulam a lei. Fazem-no direta e grosseiramente, por limitações e comentários que corroem todo o espírito do texto, ou indiretamente, por não apontar o único meio pelo qual é possível cumprir a lei. Em segundo lugar, confirmamos a lei, tanto por mostrar a sua plena extensão e sentido espiritual, quanto por chamar a todos para aquele caminho da vida, “a fim de que a justiça da lei seja cumprida neles”. Estes, enquanto confiam somente no sangue de Cristo, usam todas as ordenanças que se estabeleceu; praticam todas as ”boas obras que ele de antemão preparou para que andássemos nelas” e gozam e manifestam todos os sentimentos santos e celestiais, ou seja, o “sentimento que houve em Cristo Jesus”.
Contudo, a pregação da fé não conduz as pessoas ao orgulho? Respondemos que, acidentalmente, isso pode acontecer. Todo o crente deve ser seriamente advertido pelas palavras do grande apóstolo Paulo: “por causa da sua incredulidade, os primeiros ramos foram quebrados, tu, mas mediante a fé, estás firme. Não te ensoberbas, mas teme. Porque se Deus não poupou os ramos naturais, também não te pouparás. Considerai a bondade e a severidade de Deus! Para os que caíram, a severidade, mas para contigo, a bondade de Deus se nele permaneceres; de outra sorte também tu serás cortado”. Enquanto ela permanece na fé, lembrará as palavras de São Paulo, provendo a resposta a essa própria objeção: “Onde, pois, a jactância? Foi de toda excluída. Por que lei? Das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé”. Se o homem fosse justificado pelas suas obras, ele teria algo de se gloriar, mas não há glória para aquele “que não trabalha”, porém crê naquele que justifica ao ímpio. As palavras que procedem e seguem ao texto tendem na mesma direção: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, mesmo estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos) para mostrar a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é Dom de Deus”. De vocês mesmos não vêm nem a sua fé e nem sua salvação: “É Dom de Deus", é livre e imerecida dádiva, a fé mediante a qual são salvos, bem como a salvação, que ele, da sua própria vontade, por mero favor, acrescenta a ela. O fato de vocês crerem é um exemplo de sua graça; que tendo crido são salvos, é outro. “Não de obras para que ninguém se glorie”, porque todas as nossas obras, toda a nossa justiça, que existiam antes de crermos, não mereciam nada de Deus senão a condenação; tão longe estavam de merecer a fé, que, portanto, quando dada, não procede “das obras”. A salvação não vem das obras que fazemos quando cremos, pois é “Deus quem opera em nós”. E, portanto, o fato de ele nos dar galardão pelo que ele próprio opera só exalta a riqueza da sua misericórdia e não deixa a nós coisa alguma de que possamos gloriar.
No entanto, o falar assim da misericórdia de Deus, salvando ou justificando livremente só pela fé, não encoraja pessoas a pecarem? Sem dúvida, pode fazer isso e o fará: muitos “permanecerão no pecado para que abunde a graça”, mas seu sangue estará sobre sua própria cabeça. A bondade de Deus deveria conduzi-lo ao arrependimento e assim o conduzirá os sinceros de coração. Sabendo que ainda existe com ele perdão, clamarão para que ele apague também seus pecados e pela fé em Jesus. E, se sinceramente clamam e nunca esmorecem; se o procurarem em todos os meios que ele apontou, se recusarem a serem confortados até que ele venha, “ele virá e não tardará”. E ele poderá fazer muito trabalho em curto espaço de tempo.
Muitos são os exemplos no livro de Atos dos Apóstolos em que Deus produz essa fé nos corações humanos tão rapidamente como um relâmpago que cai do céu. Assim, na mesma hora que Paulo e Silas começaram a pregar, o carcereiro se arrependeu, creu e foi batizado. Como também os foram os três mil, por São Pedro, no dia de Pentecostes. Todos os quais tendo se arrependido e crido à sua pregação. Graças a Deus, hoje ainda existem muitas provas vivas que Deus ainda é “poderoso para salvar”.
A mesma verdade sobre uma outra ótica, uma objeção contrária é levantada: “Se alguém não pode ser salvo por todos os seus atos, isso o levará ao desespero”. É verdade, isso o levará ao desespero de ser salvo pelas próprias obras, méritos ou justiça. E deve fazê-lo, pois ninguém poderá confiar nos méritos de Cristo, sem que totalmente renuncie os seus próprios. Aquele que “procura estabelecer a sua própria justiça” não pode receber a justiça de Deus. A justiça que é pela fé não lhe pode ser dada enquanto confiar na justiça que vem da lei.
Essa, dizem, é uma doutrina desoladora. O diabo falou consigo mesmo, isto é, sem verdade nem vergonha, quando ousou sugerir aos homens que assim é. Essa é a única doutrina que conforta, são “cheias de conforto” para todos os pecadores autodestruídos e autocondenados. “Aquele que nele crê não será confundido” e “o mesmo Senhor de todos é rico para com todos os que o invocam”. Eis aí o conforto alto como os céus, mais forte que a morte! Como? Misericórdia para com todos? Para Zaqueu, um ladrão notório? Para Maria Madalena, uma meretriz? Parece-me que ouço alguém dizendo: “Nesse caso, eu, mesmo eu, posso esperar misericórdia!” E você pode mesmo, aflito, a quem ninguém confortou. Deus não rejeitará sua oração. Pelo contrário, já na próxima hora, pode ser que ele diga: “Tenha bom ânimo. Estão perdoados os teus pecados”. Perdoados de tal forma que nunca mais o dominarão. E “o Espírito Santo testificará com o seu espírito que você é filho de Deus”. Boa nova! Boa nova de grande alegria enviada a todo o povo! “Todos vós que tendes sede, vinde às águas, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço”. Não importa de que natureza seja seus pecados, “embora vermelhos como carmesim”, ainda que sejam “mais que os seus cabelos”, “volte-se para o Senhor que se compadecerá de ti e ao nosso Deus porque é rico em perdoar”.
Quando nenhuma objeção ocorre, então, simplesmente nos dizem que a salvação pela fé não deveria ser pregada como primeira doutrina, ou, pelo menos, não deve ser pregada a todo o mundo. Mas o que diz o Espírito Santo? “Ninguém poderá lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo”. Portanto, o fato que “todo aquele que nele crê será salvo” é, e deve ser, o fundamento de toda nossa pregação. Deverá que ser pregado primeiro. “Está bem, mas não a todos”. A quem, então, não devemos pregar essa doutrina? Aos pobres? Não, pois eles têm um peculiar direito de ter o evangelho pregado a eles. Aos iletrados? Não. Deus revelou essas coisas aos iletrados e ignorantes desde o começo. Aos jovens? De forma alguma. Deixem que estes, de qualquer modo, venham a Cristo e não os impeçam. Aos pecadores? Aos pecadores muito menos. Ele não veio chamar justos e, sim, pecadores ao arrependimento. Então, se vamos excluir alguns, os ricos, os letrados, os de boa fama e os homens de integridade moral. É verdade que estes, freqüentemente demais, excluem a si de ouvir. Ainda assim, devemos falar as palavras de nosso Senhor, porque assim é o propósito da nossa comissão: “ide e pregai o evangelho a toda a criatura”. Se qualquer um torcer o evangelho ou qualquer parte dela para sua própria destruição, terá de “levar o seu próprio fardo”. “Tão certo como vive o Senhor. O que o Senhor nos disser, disso falaremos”.
Agora, especialmente, falaremos que “pela graça sois salvos, mediante a fé”, porque a afirmação dessa doutrina nunca foi mais oportuna que no presente. Nada pode efetivamente evitar o aumento do engano romanista entre nós. Atacar, um a um, todos os erros daquela Igreja não terá fim. Mas a salvação pela fé corta pela raiz, e todos eles caem de uma vez onde ela é estabelecida. Foi essa doutrina que nossa Igreja corretamente chamou de rocha forte e fundamento da religião cristã que primeiro expulsou o papismo desses reinos e só ela pode mantê-lo fora. Só isso pode controlar aquela imoralidade que inundou a terra como uma enchente. Você pode esvaziar o grande mar, gota a gota? Você pode, então, reformar por advertência contra vícios particulares. Venha, porém, “a justiça de Deus mediante a fé” e assim suas ondas orgulhosas serão detidas. Só isso pode silenciar aqueles “que se gloriam na sua infâmia” e “renegam abertamente o Senhor que os resgatou”. Podem falar tão sublimemente da lei, como aquele que a tem escrita por Deus no coração. Ouvir-lhes falar desse assunto poderia inclinar alguém a pensar que não estão longe do Reino de Deus. Contudo, tire-os da lei para o evangelho; comece com a justiça da fé, com Cristo “o fim da lei de todo o que crê”, e aqueles que momentos antes pareciam ser quase, se não inteiramente cristãos, são revelados como filhos da perdição, tão distantes da vida e da salvação (que Deus tenha misericórdia deles) como o abismo do inferno das alturas do céu.
Por esta razão, o adversário se enfurece quando a “salvação pela fé” é declarada ao mundo: ele agitou a terra e o inferno para destruir aqueles que primeiro a pregaram. E pela mesma razão, sabendo que só a fé poderia derrubar os fundamentos do seu reino, ele chamou todas as suas forças e empregou todas as suas artes de mentira e calúnia para afugentar aquele campeão do Senhor dos Exércitos, Martinho Lutero, de reavivá-la. Nem devemos nos maravilhar disso, porque, como observa aquele homem de Deus, “como haveria de irar um homem orgulhoso, forte e bem armado a ser parado e anulado por uma pequena criança que o enfrenta com um caniço na mão?” Sabe-se que aquela criancinha certamente iria derrubá-lo e calcá-lo aos pés. Assim, mesmo, Senhor Jesus! Assim o seu poder sempre “se aperfeiçoa na fraqueza!” Prossiga, então, criancinha que crê nele, e “sua destra te ensinará proezas”. Embora seja dependente e fraco como um recém nascido, o homem forte não lhe poderá resistir. Você vai prevalecer sobre ele, subjugá-lo e derrubá-lo e calcá-lo aos pés. Marcharás, sob o grande capitão da sua salvação, “vencendo e para vencer”, até que sejam destruídos todos seus inimigos e “a morte seja tragada pela vitória”.
Agora, graças a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo a quem o Pai e o Espírito Santo, seja benção, a glória, a sabedoria, as ações de graça, a honra, o poder e a força para sempre. Amém.
1. Todas as bênçãos que Deus tem dado ao homem provêm da sua mera graça, generosidade ou favor; favor totalmente imerecido: o homem não tem nenhum direito à menor misericórdia divina. Foi a graça livre que formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas suas narinas o fôlego da vida e imprimiu na alma a imagem de Deus e “pôs tudo sob seus pés”. (Gn 2,7; Sl 8,6).
2. A mesma graça livre nos concede hoje vida, respiração e tudo mais, pois não há nada que somos ou temos ou fazemos que não provenha da mão de Deus. “Todas as nossas obras, tu, oh Deus as fazes por nós” (At 17,25). Assim, elas são tantas outras manifestações de livre misericórdia, e toda justiça encontrada no homem, será também uma dádiva de Deus.
3. Então, como o pecador fará expiação pelo menor de seus pecados? Com suas próprias obras? Não ainda que estas sejam muitas ou sejam santas, não provêm dele, mas senão de Deus. Na verdade, todas são ímpias e pecaminosas, por si mesmas; portanto, todos carecem de uma nova expiação. Só frutos maus nascem de uma árvore corrupta. Como o coração do homem é totalmente corrupto e abominável, ele “carece da glória de Deus”, daquela gloriosa justiça primitiva expressa na sua alma, segundo a imagem de seu grande Criador. Assim, nada tendo, nem justiça nem obras para reivindicar, sua boca totalmente se cala perante Deus.
4. Se “os pecadores acharem graça diante de Deus, é graça sobre...” (Jô 1,16). Se Deus se digna ainda a derramar novas bênçãos sobre nós, sim, a maior de todas elas, a salvação; que podemos dizer a essas coisas senão “graças a Deus pelo seu Dom inefável”. E assim é. Nisto “Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido para nos salvar, sendo nós ainda pecadores”. “Pela graça, então, sois salvos, mediante a fé”. A graça é a fonte e a fé a condição da salvação.
Agora, pois para não estarmos privados da graça de Deus, convém inquirir cuidadosamente:
I— Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
II— Qual é a salvação que é mediante a fé?
III— Como podemos responder a algumas objeções?
Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
Primeiramente, não é a mera fé de um pagão. Deus exige que um pagão creia “que Deus existe e que se torna doador dos que diligentemente o buscam” e que ele deve ser buscado, glorificando e louvando a Deus por tudo e por uma consciente prática da virtude moral da justiça, misericórdia e verdade para com seus semelhantes.
1. O grego ou romano, sim, um cita ou indiano não tinha desculpa se não acreditasse pelo menos nisto: a existência e os atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição, e a natureza obrigatória da verdade moral, pois essas coisas se constituem na crença de um pagão.
2. Nem é, em segundo lugar, a fé de um diabo, embora ela vá muito além da do pagão, Deus. Até aí vai a fé de um diabo.
3. Em terceiro lugar, a fé por meio de que somos salvos, no sentido que será explicado mais adiante, não é apenas aquela que os apóstolos tinham quando Cristo estava ainda no mundo. Embora crer a ponto de “deixar tudo e segui-lo” e quanto tivessem o poder de operar milagres, “a curar toda a espécie de doenças e enfermidades”, tinham “poder e autoridade sobre todos os demônios” e o que mais foram enviados pelo seu Mestre para “pregar o Reino de Deus”. No entanto, depois de realizadas todas essas proezas, o próprio Senhor deles os chama de “geração incrédula”. Ele lhes diz que “não podiam expelir um demônio por causa da sua incredulidade”. Mais tarde, supondo já terem uma medida da fé, eles lhe pediram: “aumenta a nossa fé”. No entanto, ele lhe diz claramente que não possuíam nada dessa fé, nem fé como a de um grão de mostarda. “Respondeu-lhes o Senhor: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: arranca-te e transplanta-te no amor e ela vós obedecerá”.
4. Qual é, então, a fé mediante a qual somos salvos? Podemos responder, primeiro, de modo geral, é a fé em Cristo; Cristo e Deus. Através de Cristo, são os seus próprios objetos. Nisso se distingue suficiente e absolutamente da fé de pagãos, quer antigos, quer modernos. Ela se distingue plenamente da fé de um diabo por não ser meramente especulativa e racional, um frio e morto assentimento, um elenco de idéias na cabeça; é, antes, uma disposição do coração, pois a Escritura declara: “Com o coração se crê para a justiça” e “se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos será salvo”.
5. Difere daquela fé que os próprios apóstolos tinham quando nosso Senhor estava no mundo e reconhece a necessidade e o mérito de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte como suficiente meio de redimir o ser humano da morte eterna, e sua ressurreição como a restauração de todos nós a vida e mortalidade e isto porque ele “foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”.
A fé cristã não é, então, um assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas antes uma plena confiança no sangue de Cristo, uma confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição, um descansar nele como nossa propiciação e nossa vida, como dado por nós e vivendo em nós. É uma segura confiança que alguém tem em Deus e que, através dos méritos de Cristo, seus pecados estão perdoados, e ele está reconciliado ao favor de Deus e, como conseqüência, uma aproximação dele e um apego a ele, como nossa “sabedoria, justiça, santificação redenção” ou, numa palavra, nossa salvação.
O segundo ponto a ser considerado é: qual é a salvação que é mediante a fé?
Primeiramente, qualquer coisa mais que lhe esteja implícito, trata-se de uma salvação presente. É algo atingível, sim, na terra por aqueles que participam dessa fé. Assim, o apóstolo fala aos crentes de Éfeso, e por eles aos crentes de todos os tempos: “sereis (embora isso também seja verdadeiro), mas ele diz, “sois salvos mediante a fé”.
Sois salvos (para abarcar tudo numa só palavra) do pecado. Esta é a salvação mediante a fé: e aquela grande salvação predita pelo anjo, antes de Deus trazer ao mundo seu primogênito: “Tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Nem aqui, nem em outra parte do Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo o seu povo, ou como se diz em outros lugares, “todos o que nele crêem”, ele salvará de todos os seus pecados, do pecado original e atual, do pecado passado e presente, da carne e do espírito. Mediante a fé nele, são salvos tanto da culpa quanto do poder do pecado.
Primeiro da culpa de todo o pecado passado. Consideramos que “todo o mundo está culpado perante Deus”, ao ponto que, se ele fosse “observar todos as iniqüidades, ninguém subsistiria”. Consideramos que “pela lei vem somente o conhecimento do pecado”, nenhuma libertação advém dela, de forma que “ninguém será justificado diante dele por cumprir as obras da lei, mas agora, se manifestou a justiça de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo”. Agora, “são justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus Cristo, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação para manifestar a sua justiça pela remissão dos pecados anteriormente cometidos”. Agora, Cristo tirou “a maldição da lei, fazendo-se ele próprio, maldição em nosso lugar”. Ele tem “cancelado o escrito de dívidas que era contra nós, removendo-o inteiramente, encravando-o na cruz”. Agora, pois já nenhuma condenação há para os que crêem em Cristo Jesus.
E, salvos da culpa, são salvos do medo. Na verdade, não do temor filial de ofender (a Deus), mas de todo o medo servil, daquele “medo que produz tormento”, do medo da punição, do medo da ira de Deus, que eles não mais encaram como um Senhor severo, mas como Pai benigno. “Não receberam o espírito da escravidão, mas o espírito da adoção, baseado no qual clamam: Aba Pai. O próprio espírito testifica com o seu espírito, que são filhos de Deus”. São salvos do medo, embora não da possibilidade de caírem da graça de Deus e de não alcançarem as grandes e preciosas promessas; são “selados com o Santo Espírito da promessa, o qual é o penhor da sua herança”. Assim, “têm paz com Deus por meio de nosso senhor Jesus Cristo. Regozijam-se na esperança da glória de Deus. E o amor de Deus é derramado no seu coração pelo Espírito Santo que lhes foi outorgado”. Por isso, são “persuadidos” (embora talvez não sempre, nem com a mesma plenitude de persuasão) de que “nem morte, nem vida, nem coisas do presente, nem do porvir, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura os poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso senhor”.
Ainda mais: mediante essa fé, são salvos do poder do pecado, bem como da culpa dele. Assim, o apóstolo declara: “Sabeis que ele se manifestou para tirar os pecados e nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não peca”. Também, “filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém. Aquele que pratica o pecado procede do diabo”. “Todo aquele que crê é nascido de Deus” e “todo aquele que é nascido de Deus não peca, pois o que permanece nele é a divina semente; ora esse não pode pecar, porque é nascido de Deus”. Também: “nós sabemos que todo o que nasceu de Deus não peca; o que foi gerado por Deus o guarda e o maligno não o pode atingir”.
Aquele que, pela fé, nasce de Deus, não peca, (1) por qualquer pecado habitual, pois todo o pecado habitual é pecado dominante, mas o pecado não pode dominar a qualquer um que creia; nem (2) por pecado intencional, pois sua vontade, enquanto ele permanece na fé, está absolutamente contrária a todo pecado e o odeia como veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo pecaminoso, porque ele deseja continuamente a santa e perfeita vontade de Deus; portanto, qualquer tendência a um desejo impuro a ele sufoca pela graça de Deus; também (4) ele não peca por fraquezas, quer em ato, palavra ou pensamento, pois suas fraquezas não são apoiadas pela sua vontade; e, sem isso, não são, propriamente, pecados. Assim, “todo aquele que nasceu de Deus não peca” e, embora não possa dizer que não tenha pecado, “ele não peca”.
Essa é, então, a salvação pela fé, mesmo no mundo presente: salvação do pecado e das suas conseqüências, ambas comumente implícitas na palavra justificação. Isto, tomado no seu sentido mais largo, implica em libertação da culpa e da punição, pela expiação, de Cristo, efetivamente aplicada à alma do pecador que agora crê nele, e em uma libertação de todo o corpo do pecado, por meio de Cristo formado em seu coração. De sorte que aquele assim justificado, ou salvo pela fé, realmente é nascido de novo. Nasceu novamente do Espírito para uma vida nova que “Ele é a nova criatura: as coisas velhas já passaram; eis que fizeram novas”. Como um recém nascido, alegremente recebe, o genuíno leite racional da palavra, cresce por meio dele e prossegue no poder do Senhor, seu Deus, de fé em fé, de graça em graça, até chegar, afinal, “à perfeita varonilidade, à moda da estatura da plenitude de Cristo”.
A primeira objeção dada a isso é:
Pregar salvação ou justificação só pela fé é pregar contra a santidade e as boas obras. Podemos dar uma breve resposta: seria certo se nós falássemos, como fazem alguns, de fé separada. Nós, porém, não falamos de uma fé, mas de uma fé que necessariamente produz todas as obras e toda a santidade.
Pode ser útil, porém, examinar essa objeção mais a fundo, especialmente, por não ser nova, mas antes, tão velha como a época de São Paulo, pois, então, perguntou-se: “Anulamos a lei pela fé?”. Respondemos, primeiramente, que todos os que não pregam fé anulam a lei. Fazem-no direta e grosseiramente, por limitações e comentários que corroem todo o espírito do texto, ou indiretamente, por não apontar o único meio pelo qual é possível cumprir a lei. Em segundo lugar, confirmamos a lei, tanto por mostrar a sua plena extensão e sentido espiritual, quanto por chamar a todos para aquele caminho da vida, “a fim de que a justiça da lei seja cumprida neles”. Estes, enquanto confiam somente no sangue de Cristo, usam todas as ordenanças que se estabeleceu; praticam todas as ”boas obras que ele de antemão preparou para que andássemos nelas” e gozam e manifestam todos os sentimentos santos e celestiais, ou seja, o “sentimento que houve em Cristo Jesus”.
Contudo, a pregação da fé não conduz as pessoas ao orgulho? Respondemos que, acidentalmente, isso pode acontecer. Todo o crente deve ser seriamente advertido pelas palavras do grande apóstolo Paulo: “por causa da sua incredulidade, os primeiros ramos foram quebrados, tu, mas mediante a fé, estás firme. Não te ensoberbas, mas teme. Porque se Deus não poupou os ramos naturais, também não te pouparás. Considerai a bondade e a severidade de Deus! Para os que caíram, a severidade, mas para contigo, a bondade de Deus se nele permaneceres; de outra sorte também tu serás cortado”. Enquanto ela permanece na fé, lembrará as palavras de São Paulo, provendo a resposta a essa própria objeção: “Onde, pois, a jactância? Foi de toda excluída. Por que lei? Das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé”. Se o homem fosse justificado pelas suas obras, ele teria algo de se gloriar, mas não há glória para aquele “que não trabalha”, porém crê naquele que justifica ao ímpio. As palavras que procedem e seguem ao texto tendem na mesma direção: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, mesmo estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos) para mostrar a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é Dom de Deus”. De vocês mesmos não vêm nem a sua fé e nem sua salvação: “É Dom de Deus", é livre e imerecida dádiva, a fé mediante a qual são salvos, bem como a salvação, que ele, da sua própria vontade, por mero favor, acrescenta a ela. O fato de vocês crerem é um exemplo de sua graça; que tendo crido são salvos, é outro. “Não de obras para que ninguém se glorie”, porque todas as nossas obras, toda a nossa justiça, que existiam antes de crermos, não mereciam nada de Deus senão a condenação; tão longe estavam de merecer a fé, que, portanto, quando dada, não procede “das obras”. A salvação não vem das obras que fazemos quando cremos, pois é “Deus quem opera em nós”. E, portanto, o fato de ele nos dar galardão pelo que ele próprio opera só exalta a riqueza da sua misericórdia e não deixa a nós coisa alguma de que possamos gloriar.
No entanto, o falar assim da misericórdia de Deus, salvando ou justificando livremente só pela fé, não encoraja pessoas a pecarem? Sem dúvida, pode fazer isso e o fará: muitos “permanecerão no pecado para que abunde a graça”, mas seu sangue estará sobre sua própria cabeça. A bondade de Deus deveria conduzi-lo ao arrependimento e assim o conduzirá os sinceros de coração. Sabendo que ainda existe com ele perdão, clamarão para que ele apague também seus pecados e pela fé em Jesus. E, se sinceramente clamam e nunca esmorecem; se o procurarem em todos os meios que ele apontou, se recusarem a serem confortados até que ele venha, “ele virá e não tardará”. E ele poderá fazer muito trabalho em curto espaço de tempo.
Muitos são os exemplos no livro de Atos dos Apóstolos em que Deus produz essa fé nos corações humanos tão rapidamente como um relâmpago que cai do céu. Assim, na mesma hora que Paulo e Silas começaram a pregar, o carcereiro se arrependeu, creu e foi batizado. Como também os foram os três mil, por São Pedro, no dia de Pentecostes. Todos os quais tendo se arrependido e crido à sua pregação. Graças a Deus, hoje ainda existem muitas provas vivas que Deus ainda é “poderoso para salvar”.
A mesma verdade sobre uma outra ótica, uma objeção contrária é levantada: “Se alguém não pode ser salvo por todos os seus atos, isso o levará ao desespero”. É verdade, isso o levará ao desespero de ser salvo pelas próprias obras, méritos ou justiça. E deve fazê-lo, pois ninguém poderá confiar nos méritos de Cristo, sem que totalmente renuncie os seus próprios. Aquele que “procura estabelecer a sua própria justiça” não pode receber a justiça de Deus. A justiça que é pela fé não lhe pode ser dada enquanto confiar na justiça que vem da lei.
Essa, dizem, é uma doutrina desoladora. O diabo falou consigo mesmo, isto é, sem verdade nem vergonha, quando ousou sugerir aos homens que assim é. Essa é a única doutrina que conforta, são “cheias de conforto” para todos os pecadores autodestruídos e autocondenados. “Aquele que nele crê não será confundido” e “o mesmo Senhor de todos é rico para com todos os que o invocam”. Eis aí o conforto alto como os céus, mais forte que a morte! Como? Misericórdia para com todos? Para Zaqueu, um ladrão notório? Para Maria Madalena, uma meretriz? Parece-me que ouço alguém dizendo: “Nesse caso, eu, mesmo eu, posso esperar misericórdia!” E você pode mesmo, aflito, a quem ninguém confortou. Deus não rejeitará sua oração. Pelo contrário, já na próxima hora, pode ser que ele diga: “Tenha bom ânimo. Estão perdoados os teus pecados”. Perdoados de tal forma que nunca mais o dominarão. E “o Espírito Santo testificará com o seu espírito que você é filho de Deus”. Boa nova! Boa nova de grande alegria enviada a todo o povo! “Todos vós que tendes sede, vinde às águas, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço”. Não importa de que natureza seja seus pecados, “embora vermelhos como carmesim”, ainda que sejam “mais que os seus cabelos”, “volte-se para o Senhor que se compadecerá de ti e ao nosso Deus porque é rico em perdoar”.
Quando nenhuma objeção ocorre, então, simplesmente nos dizem que a salvação pela fé não deveria ser pregada como primeira doutrina, ou, pelo menos, não deve ser pregada a todo o mundo. Mas o que diz o Espírito Santo? “Ninguém poderá lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo”. Portanto, o fato que “todo aquele que nele crê será salvo” é, e deve ser, o fundamento de toda nossa pregação. Deverá que ser pregado primeiro. “Está bem, mas não a todos”. A quem, então, não devemos pregar essa doutrina? Aos pobres? Não, pois eles têm um peculiar direito de ter o evangelho pregado a eles. Aos iletrados? Não. Deus revelou essas coisas aos iletrados e ignorantes desde o começo. Aos jovens? De forma alguma. Deixem que estes, de qualquer modo, venham a Cristo e não os impeçam. Aos pecadores? Aos pecadores muito menos. Ele não veio chamar justos e, sim, pecadores ao arrependimento. Então, se vamos excluir alguns, os ricos, os letrados, os de boa fama e os homens de integridade moral. É verdade que estes, freqüentemente demais, excluem a si de ouvir. Ainda assim, devemos falar as palavras de nosso Senhor, porque assim é o propósito da nossa comissão: “ide e pregai o evangelho a toda a criatura”. Se qualquer um torcer o evangelho ou qualquer parte dela para sua própria destruição, terá de “levar o seu próprio fardo”. “Tão certo como vive o Senhor. O que o Senhor nos disser, disso falaremos”.
Agora, especialmente, falaremos que “pela graça sois salvos, mediante a fé”, porque a afirmação dessa doutrina nunca foi mais oportuna que no presente. Nada pode efetivamente evitar o aumento do engano romanista entre nós. Atacar, um a um, todos os erros daquela Igreja não terá fim. Mas a salvação pela fé corta pela raiz, e todos eles caem de uma vez onde ela é estabelecida. Foi essa doutrina que nossa Igreja corretamente chamou de rocha forte e fundamento da religião cristã que primeiro expulsou o papismo desses reinos e só ela pode mantê-lo fora. Só isso pode controlar aquela imoralidade que inundou a terra como uma enchente. Você pode esvaziar o grande mar, gota a gota? Você pode, então, reformar por advertência contra vícios particulares. Venha, porém, “a justiça de Deus mediante a fé” e assim suas ondas orgulhosas serão detidas. Só isso pode silenciar aqueles “que se gloriam na sua infâmia” e “renegam abertamente o Senhor que os resgatou”. Podem falar tão sublimemente da lei, como aquele que a tem escrita por Deus no coração. Ouvir-lhes falar desse assunto poderia inclinar alguém a pensar que não estão longe do Reino de Deus. Contudo, tire-os da lei para o evangelho; comece com a justiça da fé, com Cristo “o fim da lei de todo o que crê”, e aqueles que momentos antes pareciam ser quase, se não inteiramente cristãos, são revelados como filhos da perdição, tão distantes da vida e da salvação (que Deus tenha misericórdia deles) como o abismo do inferno das alturas do céu.
Por esta razão, o adversário se enfurece quando a “salvação pela fé” é declarada ao mundo: ele agitou a terra e o inferno para destruir aqueles que primeiro a pregaram. E pela mesma razão, sabendo que só a fé poderia derrubar os fundamentos do seu reino, ele chamou todas as suas forças e empregou todas as suas artes de mentira e calúnia para afugentar aquele campeão do Senhor dos Exércitos, Martinho Lutero, de reavivá-la. Nem devemos nos maravilhar disso, porque, como observa aquele homem de Deus, “como haveria de irar um homem orgulhoso, forte e bem armado a ser parado e anulado por uma pequena criança que o enfrenta com um caniço na mão?” Sabe-se que aquela criancinha certamente iria derrubá-lo e calcá-lo aos pés. Assim, mesmo, Senhor Jesus! Assim o seu poder sempre “se aperfeiçoa na fraqueza!” Prossiga, então, criancinha que crê nele, e “sua destra te ensinará proezas”. Embora seja dependente e fraco como um recém nascido, o homem forte não lhe poderá resistir. Você vai prevalecer sobre ele, subjugá-lo e derrubá-lo e calcá-lo aos pés. Marcharás, sob o grande capitão da sua salvação, “vencendo e para vencer”, até que sejam destruídos todos seus inimigos e “a morte seja tragada pela vitória”.
Agora, graças a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo a quem o Pai e o Espírito Santo, seja benção, a glória, a sabedoria, as ações de graça, a honra, o poder e a força para sempre. Amém.
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