sábado, 19 de fevereiro de 2011

A Bíblia

“Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha” (Oséias 8:12)

Esta é a queixa de Deus contra Efraim. Não é uma prova insignificante de Sua bondade, que Ele se incline para repreender Suas criaturas errantes; é uma grandiosa evidência de Sua disposição cheia de graça, que incline Sua cabeça para observar os assuntos da terra. Se Ele quisesse, poderia Se envolver com a noite como se fosse um vestido; poderia colocar as estrelas ao redor de Sua mão como se fossem um bracelete e unir os sóis ao redor de Sua testa como um diadema; poderia morar só, longe, muito acima deste mundo, acima do sétimo céu, e contemplar com calma e silenciosa indiferença todas as atividades das criaturas.
Poderia fazer como Júpiter que, segundo criam os pagãos, se assentava em perpétuo silêncio, fazendo cenas às vezes com sua terrível cabeça, para fazer com que os destinos se movam segundo lhe agrade, porém ignorando as coisas pequenas da terra, e considerando-as indignas de chamar sua atenção; absorto em seu próprio ser, absorto em Si mesmo, vivendo só e separado. E eu, como uma de Suas criaturas, poderia subir ao cume de uma montanha e olhar para as estrelas silenciosas e dizer-lhes: “Vós sois os olhos de Deus, porém não olhais para mim; a vossa luz é um dom de Sua onipotência, porém esses raios não são sorrisos de amor para mim. Deus, o poderoso Criador, me esqueceu; sou uma gota desprezível no oceano da criação, uma folha seca no bosque dos seres viventes, um átomo na montanha da existência. Ele não me conhece, estou só, só, só”.
Porém não é assim, amados. Nosso Deus é de uma ordem diferente. Ele observa a cada um de nós. Não existe nem mesmo um pardal ou um verme que não se encontre em Seus decretos. Não há uma pessoa sobre a qual não estejam os Seus olhos. Nossos atos mais secretos são conhecidos por Ele. Qualquer coisa que façamos, que suportemos ou soframos, o olho de Deus sempre descansa sob nós e Seu sorriso nos cobre, pois somos Seu povo; ou a Sua desaprovação nos envolve, pois temos nos apartado dEle.
Oh! Deus é dez mil vezes misericordioso, pois contemplando a raça do homem, não finda com sua existência. Vemos por nosso texto que se interessa pelo homem, porquanto disse a Efraim: “Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”. Porém, vejam como quando observa o pecado do homem, não o destrói ou despreza a ponta-pés, nem tampouco o sacode pelo pescoço sobre o abismo do inferno até fazer sua mente cambalear pelo terror, para, finalmente, lançá-lo nele para sempre; pelo contrário, Deus desce do céu para argumentar com Suas criaturas, discute com elas, Se rebaixa, por assim dizer, ao mesmo nível do pecador, lhe expõe Suas queixas e alega os Seus direitos. Oh! Efraim, “escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.
Venho esta noite como enviado de Deus, amigos meus, para tratar com vocês como embaixador de Deus, para acusar de pecado a muitos de vocês; para fazer-lhes ver sua condição, com o poder do Espírito; para convencer-lhes do pecado, da justiça e do juízo vindouro. O crime do qual vos acuso é o pecado que lemos neste texto. Deus escreveu as grandezas de Sua lei, e elas foram tidas como coisa estranha. É precisamente sobre este bendito livro, a Bíblia, que pretendo falar no dia de hoje. Aqui está meu texto: esta é a Palavra de Deus. Aqui está o tema de meu sermão, um tema que demanda mais eloqüência do que a que possuo; um assunto sobre o qual poderiam falar milhares de oradores ao mesmo tempo; um tema poderoso, amplo e um assunto inesgotável que, ainda que consumindo toda a eloqüência da eternidade, não permaneceria esgotado.
Esta noite tenho três coisas para dizer acerca da Bíblia, e as três se encontram no meu texto. Primeira, Seu autor: “[Eu] escrevi-lhes”; segunda, seus temas: as grandezas da lei de Deus; e terceira, seu tratamento generalizado: foram tidas pela maioria dos homens como coisa estranha.
I. Primeiro, então, com relação a este livro, quem é O AUTOR? O texto nos diz que é Deus. “Eu escrevi-lhes as grandezas de minha lei”. Aqui está minha Bíblia, quem a escreveu? Abro-a e observo que se compõe de uma série de tratados. Os primeiros cinco livros foram escritos por um homem chamado Moisés. Passo as páginas, e vejo que há outros escritores tais como Davi e Salomão. Aqui leio Miquéias, então Amós, então Oséias. Prossigo adiante e chego às luminosas páginas do Novo Testamento, e vejo Mateus, Marcos, Lucas e João; Paulo, Pedro, Tiago e outros; porém, quando fecho o livro, me pergunto: quem é o seu autor? Podem estes homens, juntamente, reivindicar a autoria deste livro? São eles realmente os autores deste extenso volume? Divide-se entre todos eles a honra? Nossa santa religião responde: Não!
Este volume é a escrita do Deus vivo: cada letra foi escrita por um dedo Todo-poderoso; cada palavra saiu dos lábios eternos, cada frase foi ditada pelo Espírito Santo. Ainda que Moisés tenha sido usado para escrever suas histórias com sua ardente pluma, Deus guiou essa pluma. Pode ser que Davi tenha tocado sua harpa, fazendo que doces e melodiosos salmos brotassem de seus dedos, porém Deus movia Suas mãos sobre as cordas vivas de sua harpa de ouro. Pode ser que Salomão que tenha cantado os Cânticos de amor, ou pronunciado palavras de sabedoria consumada, porém Deus dirigiu seus lábios, e fez eloqüente ao Pregador. Se sigo ao trovejador Naum, quando seus cavalos aram as águas, ou a Habacuque quando vê as tendas de Cusã em aflição; se leio Malaquias, quando a terra está ardendo como um forno; se passo para as serenas páginas de João, que nos falam de amor, ou para os severos e fogosos capítulos de Pedro, que falam do fogo que devora os inimigos de Deus, ou para Judas, que lança anátemas contra os adversários de Deus; em todas partes vejo que é Deus quem fala.
É a voz de Deus, não do homem; as palavras são as palavras de Deus, as palavras do Eterno, do Invisível, do Todo-poderoso, do Jeová desta terra. Esta Bíblia é a Bíblia de Deus; e quando a vejo, parece que ouço uma voz que surge dela, dizendo: “Sou o livro de Deus; homem, leia-me. Sou a escrita de Deus: abra minhas folhas, porque foram escritas por Deus; leia-as, porque Ele é meu autor, e O verá visível e manifesto em todas as partes”. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.
Como sabemos que Deus escreveu este livro? Não tentarei responder a esta pergunta. Poderia fazê-lo se quisesse, porque há razões e argumentos suficientes, porém não penso em roubar o vosso tempo nesta noite, expondo esses argumentos à vossa consideração; sim, não farei isso. Se quisesse, poderia lhes dizer que a grandeza do estilo está acima de qualquer escrita mortal, e que todos os poetas que já existiram no mundo, com todas suas obras juntas, não poderiam nos oferecer uma poesia tão sublime, nem uma linguagem tão poderosa como podemos encontrar nas Escrituras.
Poderia insistir que os temas que se tratam na Bíblia estão muito acima do intelecto humano; que o homem nunca poderia ter inventado as grandes doutrinas da Trindade na Deidade; que o homem nunca poderia ter nos dito nada da criação do universo; nenhum ser humano poderia ter sido o autor da sublime idéia da Providência; que todas as coisas são ordenadas segundo a vontade de um grandioso Ser Supremo, e que todas elas cooperam juntamente para o bem. Poderia falar-lhes acerca de sua honestidade, pois relata as falhas de seus escritores; de sua unidade, pois nunca se contradiz; de sua simplicidade magistral, para que o mais simples a possa ler. E poderia mencionar centenas de coisas mais, que poderiam demonstrar com claridade que o livro é de Deus. Porém, não vim aqui para provar isso.
Sou um ministro cristão, e vocês são cristãos, ou professam sê-lo; e nenhum ministro cristão precisa provar seu ponto de vista, trazendo os argumentos dos pagãos para respondê-los. É a maior insensatez do mundo. Os infiéis, pobres criaturas, não conhecem seus próprios argumentos até que nós lhes contemos, e eles, juntando-os pouco a pouco, voltam a lançar-lhes como lanças sem pontas contra o escudo da verdade. É uma insensatez tirar estes tições do fogo do inferno, ainda que estejamos bem preparados para apagá-los. Deixemos que os homens do mundo aprendam o erro por si mesmos; não sejamos propagadores e suas falsidades. É certo que há pregadores que, não contando com os argumentos suficientes, os tiram de qualquer parte; porém os homens eleitos pelo próprio Deus não necessitam fazer isso; eles são ensinados por Deus, e Deus lhes supre os temas, as palavras e o poder.
Talvez haja alguém aqui nesta noite que tenha vindo sem fé, um homem racionalista, um livre pensador. Com esse homem não irei discutir. Confesso que não estou aqui para participar de controvérsias, mas para pregar o que conheço e sinto. Porém eu também já fui como esse homem. Houve uma hora má em minha vida, quando soltei a âncora da minha fé; eu cortei o cabo das minhas crenças e, já não querendo estar por mais tempo ao abrigo das costas da Revelação, deixei que meu navio andasse a deriva, impulsionado pelo vento. Disse à razão: “Sê minha capitã”; disse ao meu próprio cérebro: “sê meu timão”. E assim comecei minha louca viagem. Graças a Deus tudo isso já terminou. Porem, lhes contarei sua breve história.
Foi uma navegação precipitada pelo tempestuoso oceano do livre pensamento. Conforme avançava, os céus começaram a escurecer; porém, para compensar essa deficiência, as águas eram brilhantes com fulgores esplendorosos. Eu via que subiam centelhas que me agradavam, e pensei: “Se isto é o livre pensamento, é algo maravilhoso”. Meus pensamentos pareciam jóias e eu espalhava estrelas com minhas duas mãos; porém imediatamente, no lugar daqueles fulgores de glória, vi amargos amigos, ferozes e terríveis, surgindo das águas, e conforme prosseguia, eles rangiam seus dentes e zombavam de mim; eles se apegaram à proa do meu navio e me arrastaram. Enquanto eu, em parte, me gloriava da rapidez com que me movia, me estremecia, contudo, pela velocidade terrível com que deixava para trás os velhos pilares da minha fé.
Conforme seguia avançando a uma velocidade espantosa, comecei a duvidar da minha própria existência; duvidava que o mundo existisse; duvidava que houvesse tal coisa como meu próprio eu. Cheguei à própria borda dos domínios sombrios da incredulidade. Fui até ao próprio fundo do mar da infidelidade. Duvidava de tudo. Porém aqui Satanás enganou a si mesmo, porque a própria extravagância das dúvidas me demonstrou o absurdo delas. Justamente quando vi o fundo desse mar, escutei uma voz que dizia: “E pode esta dúvida ser verdade?” Por causa deste pensamento voltei à realidade. Despertei-me desse sono de morte, que, Deus o sabe, poderia ter condenado minha alma e destruído meu corpo, se não tivesse despertado.
Quando me levantei, a fé tomou o timão; a partir desse momento já não duvidei. A fé conduziu meu navio de volta; a fé gritava: “Longe daqui, longe daqui!” Lancei minha âncora no Calvário; alcei meus olhos a Deus, e eis-me aqui vivo e fora do inferno. Portanto, eu digo o que sei. Naveguei nessa viagem perigosa; regressei ao porto são e salvo. Peça-me que seja outra vez um incrédulo! Não, já o provei. Foi doce ao princípio, mas amargo depois. Agora, atado ao Evangelho de Deus mais firmemente do que nunca, parado sobre uma rocha mais dura do que o diamante, desafio os argumentos do inferno a que me movam, “porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” .
Porém, não vou refutar nem argumentar nesta noite. Vocês professam ser homens cristãos, pois do contrário não estariam aqui. Vossa profissão pode ser falsa; o que vocês dizem ser, pode ser exatamente o contrário do que realmente são. Porém, ainda assim, eu suponho que todos vocês admitem que esta é a Palavra de Deus. Portanto, um ou dois pensamentos sobre isto. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”.
Primeiro, meus amigos, examinem este volume e admirem sua autoridade. Este não é um livro comum. Não contém os ditos dos sábios da Grécia, nem os discursos dos filósofos da antiguidade. Se estas palavras tivessem sido escritas pelo homem, poderíamos rejeitá-las; porém, oh!, deixe-me pensar um pensamento solene: que este livro é a letra de Deus, que estas são Suas palavras. Deixe-me investigar sua antiguidade: está datado das colinas do céu. Permita-me que olhe suas letras: relampejam glória em meus olhos. Deixe-me ler seus capítulos: seu significado é grandioso e contêm mistérios escondidos. Nos voltemos para as profecias: estão cheias de maravilhas inefáveis. Oh, livro dos livros! E foste tu escrito por meu Deus? Então, me prostro diante de ti. Tu, livro de vasta autoridade; tu és uma proclamação do Imperador do Céu. Longe esteja de mim exercitar minha razão para contradizer-te. Razão!, tua função é considerar e averiguar o que este volume quer dizer, e não estabelecer o que deveria dizer.
Vamos, vós, minha razão e meu intelecto, sentem-se e escutem, porque estas palavras são as palavras de Deus. Sinto-me incapaz de estender-me neste pensamento. Oh, se tu pudesses recordar sempre que esta Bíblia foi verdadeira e realmente escrita por Deus! Oh! se se lhes houvesse permitido entrar nas câmaras secretas do céu, e tivessem podido contemplar a Deus quando tomava Sua pluma e escrevia estas letras, então com seguranças as respeitariam. Porém, são efetivamente o manuscrito de Deus, tanto como se vocês tivessem visto Deus escrevendo-as. Esta Bíblia é um livro de autoridade, é um livro autorizado, pois Deus o escreveu. Oh, temam, não a desprezem; observem sua autoridade, porque é a palavra de Deus.
Então, posto que Deus a escreveu, notem sua veracidade. Se eu a tivesse escrito, haveria vermes críticos que de imediato a atropelariam, e a cobririam com suas larvas malvadas. Se eu a tivesse escrito, não faltariam homens que a despedaçassem imediatamente, e talvez com muita razão. Porém, esta é a Palavra de Deus. Aproximem-se, investiguem, vós críticos, e encontrem uma falha; examinem-na desde seu Gênesis até seu Apocalipse, e encontrem um erro. Esta é uma veia de puro ouro, sem mescla de quartzo, ou de qualquer outra substância terrena. Esta é uma estrela sem mancha, um sol de perfeição, uma luz sem sombra, uma lua sem sua palidez, uma glória sem penumbra.
Oh, Bíblia, não se pode dizer de nenhum outro livro que seja perfeito e puro; porém, nós podemos declarar de ti que toda a sabedoria se encontra encerrada em ti, e não há nenhuma partícula de insensatez. Este é o juiz que põe fim a toda discussão, ali onde a inteligência e a razão fracassam. Este livro não tem mancha de erro; mas é puro, sem mesclas, a verdade perfeita. Por que? Porque Deus o escreveu. Ah! Acusem Deus de erro, se querem; digam-Lhe que Seu livro não é o que deveria ser.
Tenho ouvido de homens cheio de orgulho e falsa modéstia, que gostariam de alterar a Bíblia, e (quase me ruborizo de dizer) tenho ouvido de alguns ministros que alteraram a Bíblia de Deus, porque tinham medo dela. Vocês nunca ouviram um homem dizer: “Aquele que crer e for batizado, será salvo; mas o que não crê” — o que a Bíblia diz? — “Será condenado”. Porém, acontece que isto é algo rude, portanto eles dizem: “será desaprovado”. Cavaleiros!, eliminem o veludo de suas bocas, e preguem a Palavra de Deus; não necessitamos de nenhuma de suas alterações. Tenho escutado algumas pessoas que, orando, ao invés de dizer: “fazer firme vossa vocação e eleição”, dizem: “fazer firme vossa vocação e salvação”. É uma lástima que não tenham nascido quando Deus morava nos tempos remotos, há muito, muito tempo, para que tivessem podido ensinar a Deus como escrever. Oh!, desonestidade além de todo limite! Oh!, orgulho desmedido! Tratar de ditar ao Sábio dos sábios, de ensinar ao Onisciente e de instruir ao Eterno! É estranho que haja homens tão vis que usem o canivete de Jeioaquim para mutilar passagem da Palavra, porque têm mau sabor. Oh, vocês que sentem aversão por certas porções da Santa Escritura, tenham a certeza de que seu gosto é corrompido e que a vontade de Deus não se sujeita à pobre opinião de vocês. Tua desaprovação é precisamente a razão pela qual Deus a escreveu; porque não se deve acomodar a ti, nem tens direito de ser agradado. Deus escreveu o que não te agrada: escreveu a verdade. Oh, prostremo-nos em reverência diante dela, pois Deus a inspirou. É verdade pura. Desta fonte manda aqua vitae — a água da vida — sem nenhuma partícula de terra; deste sol nascem raios de esplendor sem sombra alguma. Bendita Bíblia; tu és toda a verdade.
Antes de deixar este ponto, detenhamo-nos a considerar a natureza misericordiosa de Deus, em ter-nos escrito uma Bíblia. Ah! Ele poderia ter-nos deixado sem ela, que tatearíamos nosso caminho de trevas, como os cegos buscam a parede; Ele poderia ter-nos deixado em nosso extravio, com a estrela da razão como nosso único guia. Recordo uma história do Sr. Hume, que constantemente afirmava que a luz da razão é suficiente em abundância. Estando na casa de um bom ministro de Deus numa noite, havia estado discutindo sobre este assunto, manifestando sua firme convicção na suficiência da luz da natureza. Ao sair, o ministro lhe ofereceu uma vela, para iluminar, enquanto ele descia a escadaria. Ele disse: “não, a luz da natureza será suficiente; a luz me bastará”. Porém, ocorreu que uma nuvem estava ocultando a lua, e ele caiu, escadaria abaixo. “Ah!”, disse o ministro, “apesar de tudo, teria sido melhor haver tido uma pequena luz daqui de cima, Sr. Hume”.
Então, ainda que supondo que a luz natural fosse suficiente, seria melhor que tivéssemos um pouco de luz de cima, e desta maneira estaríamos seguros de estarmos certos. É melhor ter duas luzes do que uma. A luz da criação é muito brilhante. Podemos ver a Deus nas estrelas; Seu nome está escrito com letras de ouro no rosto da noite; podem descobrir Sua glória nas orlas do oceano, sim, e nas árvores do campo. Porém, é melhor ler em dois livros, do que em um. Vocês O encontrarão mais claramente revelado, porque Ele mesmo escreveu este livro e nos deu a chave para entendê-lo, se vocês têm o Espírito Santo. Amados irmãos, demos graças a Deus por esta Bíblia. Amemo-la e consideremo-la mais preciosa do que o ouro mais fino.
Porém, permitam-me dizer uma coisa, antes de passar para o segundo ponto. Se esta é a Palavra de Deus, que será de alguns de vocês que não a tem lido durante todo o último mês? “O senhor disse um mês? Eu não a li durante todo este ano!” Ah, e muitos de vocês não a leram nunca. A maioria das pessoas trata a Bíblia de uma maneira mui cortês. Têm uma edição de bolso belamente encadernada, a envolvem num pano branco, e assim a levam ao lugar do culto. Quando regressam para casa, a guardam numa gaveta até o próximo Domingo pela manhã. Então, lá voltam a tirar para um passeio, e a levam à capela; tudo quanto a pobre Bíblia recebe é este passeio dominical. Esse é seu estilo de tratar este mensageiro celestial. Há pó suficiente sobre algumas de suas Bíblias para escrever “condenação” com seus próprios dedos. Muitos de vocês nem sequer a tem folheado há muito, muito, muito tempo e, que pensam?
Digo-vos palavras duras, porém palavras verdadeiras. Que dirá Deus, finalmente? Quando chegarem a Sua presença, Ele perguntará: “Leste minha Bíblia?” “Não”.“Escrevi-te uma carta de misericórdia, a leste?” “Não”. “Rebelde! Enviei-te uma carta, convidando-te a Mim, a leste alguma vez” “Senhor, nunca rompi o selo: sempre a guardo bem fechada”. “Maldito”, diz Deus, “então, tu mereces o inferno; se te enviei uma epístola de amor, e nem sequer quiseste romper o selo, que farei contigo?” Oh! Não permitam que isso lhes suceda. Sejam leitores da Bíblia, sejam esquadrinhadores da Bíblia.
II. Nosso segundo ponto é: OS TEMAS DOS QUAIS A BÍBLIA TRATA. As palavras do texto são estas: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”. A Bíblia fala de grandes coisas e somente de grandes coisas. Não há nada na Bíblia que não seja importante. Cada versículo contém um solene significado, e se todavia não o temos encontrado, esperamos fazê-lo. Vocês têm visto múmias, cobertas com dobras de pano de linho. Bem, a Bíblia é Deus é algo parecido; há numerosos rolos de linho branco, tecidos no tear da verdade; de maneira que terão que continuar desatando, rolo após rolo, até encontrar o verdadeiro significado do que está escondido; e quando crerem ter encontrado, ainda assim continuarão desatando, desatando, e durante toda a eternidade vocês estarão desatando as palavras deste grandioso volume. Não há nada na Bíblia que não seja grandioso. Permitam-me dividir, para ser mais breve. Primeiro, todas as coisas nesta Bíblia são grandiosas; segundo, algumas coisas as mais grandiosas de todas.
Todas as coisas da Bíblia são grandiosas. Algumas pessoas pensam que não importa a doutrina na qual alguém crê; que algo secundário a que igreja você assiste; que todas as denominações são iguais. Há um ser, a senhora Intolerância, a qual eu detesto mais do que ninguém neste mundo, e a qual jamais fiz algum cumprimento ou elogio; porém, há outra pessoa a qual odeio igualmente; trata-se do senhor Latitudinarismo [1], indivíduo bem conhecido que descobriu que todos somos iguais. Agora, eu creio que uma pessoa pode ser salva em qualquer igreja. Algumas têm sido salvas na igreja de Roma, uns poucos homens benditos cujos nomes poderia citar aqui. Também sei, bendito seja Deus, que grandes multidões são salvas na igreja da Inglaterra; nela há uma hoste de sinceros e piedosos homens de oração. Creio que todos os ramos do protestantismo cristão têm um remanescente segundo a eleição da graça; e que necessitam ter, algumas delas, um pouco de sal, pois do contrário se corromperiam. Porém quando disso isso, vocês imaginam que coloco todas elas no mesmo nível? Estão todas igualmente certas? Uma diz que o batismo de infantes é correto, outras afirmam que não é correto. Alguns dizem que ambas têm razão, porém eu não vejo assim. Uma ensina que somos salvos pela graça soberana, outra diz que não, senão que é nosso livre-arbítrio que nos salva; contudo, outras dizem que as duas coisas estão certas. Eu não entendo assim. Uma diz que Deus ama o Seu povo e que nunca deixará de amá-lo; outra afirma que Ele não amou o Seu povo antes que esse povo O amasse; que umas vezes o ama e outras deixam de amá-lo, e Se afasta deles. Ambas podem ter razão no essencial, porém nunca quando uma diz “Sim” e outra “Não”. Para ver assim necessitaria de um par de óculos, que me capacitassem a olhar para trás e para frente ao mesmo tempo. Não pode ser, senhores, que ambas tenham razão, apesar de que há quem diga que as diferenças não são essenciais.
Este texto diz: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”. Não há nada na Bíblia de Deus que não seja grandioso. Vocês nunca pararam alguma vez para ver qual é a religião mais pura? “Oh”, dizem, “nunca nos molestamos com isso. Nós simplesmente vamos aonde nosso pai e nossa mãe foram”. Ah! Essa é certamente uma razão muito profunda. Vocês vão onde seus pais foram. Eu creia que vocês eram pessoas sensatas, e nunca pensei que se deixaram levar pelos outros, em vez de por sua própria convicção. Eu amo meus pais acima de tudo que respira, e o simples fato de que creram que uma coisa é verdade, me ajuda a pensar que o é; porém, eu não lhes segui. Pertenço a uma denominação diferente, e dou graças a Deus por isso. Posso recebê-los como irmãos e irmãs em Cristo, mas nunca pensei que, porque eles foram uma coisa, eu tinha que ser o mesmo. Nada disso. Deus me deu um cérebro e devo utilizá-lo; e se vocês têm algum intelecto, devem usá-lo também.
Nunca digam que não importa. Claro que importa. Tudo quanto Deus escreveu aqui é de importância eminente; Ele jamais teria escrito uma coisa que fosse indiferente. Tudo quanto há aqui tem um valor; portanto, esquadrinhem todos os temas, provem tudo pela Palavra de Deus. Não tenho nenhuma objeção a que tudo o que eu pregue seja provado por este livro. Dêem-me somente um auditório imparcial e nenhum favor especial, e este livro; e se digo algo contrário a ele, retratar-me-ei no domingo seguinte. Por isto me mantenho firme ou caio. Busquem e olhem, porém nunca digam: “Não importa”. Quando Deus diz algo, sempre deve ser importante.
Porém, ainda que todas as coisas na Palavra de Deus sejam importantes, nem tudo é igualmente importante. Há certas verdades vitais e fundamentais que devem ser cridas, ou do contrário o homem não poderá ser salvo. Se querem saber o que é que devem crer para serem salvos, encontrarão as grandezas da lei de Deus entre estas duas capas; todas estão contidas aqui. Como compêndio ou resumo das grandezas da lei, recordo o que um velho amigo meu disse certa vez: “Ah! Pregue os três R's e Deus sempre te abençoará”. Eu perguntei: “O que são estes três R's?” E ele me respondeu: “Ruína, Redenção e Regeneração”. Estas três coisas contêm a essência e o todo da teologia. “R” de Ruína. Todos fomos arruinados na queda, todos nos perdemos quando Adão pecou e todos estamos arruinados pelas nossas próprias transgressões; todos estamos arruinados pelos nossos corações perversos, por nossos desejos maus, e todos estaremos arruinados, a menos que a graça nos salve. Então, vêm o segundo “R”, de redenção. Somos redimidos pelo sangue de Cristo, um Cordeiro sem mancha, nem contaminação; somos resgatados por Seu poder, somos redimidos por Seus méritos; e resgatados por Sua força. Continuando, temos o “R” de regeneração. Se quisermos ser perdoados, temos também que ser regenerados, porque ninguém pode ser partícipe da redenção sem ser regenerado. Podemos ser tão bons como queiramos, e servir a Deus segundo o imaginemos, segundo queiramos; porém, se não tivermos sido regenerados, se não temos um coração novo, se não nascemos de novo, ainda estamos na primeira “R”, isto é, na ruína.
Este é um pequeno resumo do Evangelho, porém creio que há um outro melhor nos cinco pontos do calvinismo: Eleição segundo a presciência de Deus, a depravação natural e a pecaminosidade do homem, a redenção particular pelo sangue de Cristo, o chamado eficaz pelo poder do Espírito e a perseverança final pelo poder de Deus. Para sermos salvos, devemos crer nestes cinco pontos; porém não gostaria de escrever um credo como o de Atanásio, que começa assim: “Todo aquele que quiser ser salvo, deverá crer em primeiro lugar na fé católica, a qual é esta”; ao chegar a este ponto, teria que me deter porque não saberia como continuar. Sustento a fé católica da Bíblia, toda a Bíblia e nada mais que a Bíblia. Não me diz respeito elaborar credos; senão que suplico que esquadrinhem as Escrituras, porque elas são a palavra de vida.
Deus disse: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”. Duvidam de sua grandeza? Crêem que não são dignas da atenção de vocês? Homem, penses por um momento, onde te encontras agora?
“Eis aqui, num estreito pedaço de terra,
Na metade de mares sem limites;
Uma polegada de tempo, o espaço de um momento,
Pode me alojar naquele lugar celestial,
Ou me encerrar no inferno”.
Recordo que uma vez estava na paria, numa estreita faixa de terra, sem me preocupar que a maré pudesse subir. As ondas lavavam constantemente ambos os lados, e envolto em meus pensamentos, permaneci ali por um longo tempo. Quando quis regressar, encontrei-me ante uma dificuldade: as ondas tinham cortado o caminho. Da mesma maneira, todos nos caminhamos cada dia por uma estreita senda, e há uma onda que sobe cada vez mais; vejam, como está perto de seus pés; e, veja! outra se aproxima a cada tic-tac do relógio: “Nossos corações, como surdos tambores, estão redobrando marchas fúnebres a caminho da sepultura”. Cada momento que vivemos é um avanço para a sepultura. Porém, este Livro me diz que, se sou convertido, quando morrer, receberei um céu de gozo e amor; os anjos me esperarão com seus braços abertos, e eu, levado pelas potentes asas dos querubins, ultrapassarei o relâmpago e me elevarei para além das estrelas, ao trono de Deus, para morar ali para sempre.
“ Longe de um mundo de pecado e dor,
Morarei ali sempre com Deus.
Oh!, isto faz com que meus olhos derramem lágrimas quentes, isto faz com que meu coração se torne grande demais para o meu peito, e meu cérebro gire ante um só pensamento de:
“Jerusalém, meu lugar feliz,
Teu nome é sempre doce para mim”.
Oh! essa doce cena mais acima das nuvens; doces campos revestidos de verde vivo e rios de delícia. Não são estas coisas grandiosas? Porém então, pobre alma não regenerada, a Bíblia diz que, se tu estás perdido, tu estás perdido para sempre; disse-te que se morres sem Cristo, sem Deus, não há esperança para ti; que há um lugar sem nenhum raio de esperança, onde lerás gravadas com letras de fogo: “tu conhecias teu dever, porém não o cumpriste”; elas te diz que serás lançado de Sua presença com um: “Apartai de mim, maldito”. Acaso não é grandioso tudo isto? Sim, senhores, assim como o céu é desejável, assim como o inferno é terrível, assim como o tempo é breve, assim como é eternidade infinita, assim como a alma é preciosa, assim como a dor deve ser evitada, assim como o céu deve ser buscado; assim também Deus é eterno e como Suas palavras são certas, estas coisas são grandiosas; são coisas que vocês devem escutar.

III. Nosso último ponto é: O TRATAMENTO QUE A POBRE BÍBLIA RECEBE NESTE MUNDO. A Bíblia é considerada como uma coisa estranha. O que significa a Bíblia ser considerada como uma coisa estranha? Em primeiro lugar, quer dizer que é completamente alheia a muitas pessoas, porque nunca a lêem. Recordo que, em certa ocasião, eu estava lendo a sagrada história de Davi e Golias, e estava uma pessoa presente, de idade avançada, que me disse: “Meu Deus! Que história interessante; em que livro está?”.
Também me vem à memória outra pessoa que, falando comigo em privado, lhe falei acerca de sua alma, e ela me disse quão profundo era seu sentimento, já que tinha enormes desejos de servir ao Senhor, porém encontrava outra lei em seus membros. Eu abri em Romanos e li: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico”. Ela disse: “Isto está na Bíblia? Eu não sabia disso”. Não a culpei por sua falta de interesse na Bíblia até então; porém eu não poderia deixar de me maravilhar em encontrar pessoas que não soubessem nada sobre tal passagem. Ah! Vocês sabem mais acerca dos livros de contabilidade de seus negócios do que sobre a Bíblia; mais acerca dos diários de suas vidas do que sobre o que Deus escreveu. Muitos de vocês podem ler um romance do princípio ao fim, e que proveito tiram disso? Um bocado de pura espuma ao ter terminado.
Porém, não podem ler a Bíblia; este manjar sólido, perdurável, substancioso e que satisfaz, permanece sem ser provado, guardado no armário da negligência; enquanto tudo quando o homem escreve, capturado diariamente, é devorado com avidez. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”. Vocês nunca a leram. Tenho essa dura acusação contra vocês. Talvez vocês respondam que não devo culpar-lhes por uma coisa assim; porém, sempre penso que mais vale ter uma opinião pior de vocês, do que uma demasiadamente boa. Culpo-lhes disto: vocês nunca lêem sua Bíblia. Alguns de vocês nunca a leram completamente, e seu coração lhe diz que o que estou dizendo é verdade. Não sois leitores da Bíblia. Vocês afirmam que têm uma Bíblia em casa: acaso penso que são tão pagãos que não tenham uma Bíblia em casa? Porém, quando foi a última vez que a leram? Como sabem que os óculos que perderam há três anos atrás, não estão na mesma gaveta da Bíblia? Muitos de vocês não têm lido nem uma só página desde há muito tempo, e Deus poderia dizer-lhes: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.
Há outros que lêem a Bíblia, porém quando a lêem, dizem que é terrivelmente árida. Aquele jovem que está lá diz que ela é muito “enfadonha”; essa é a palavra que ele usa. Ele diz: “Minha mão me disse: quando for à cidade, leia um capítulo todo dia. E eu prometi para agradá-la. Oxalá não houvesse feito. Não li nenhum capítulo, nem ontem nem antes de ontem. Estive muito ocupado. Não pode evitá-lo”. Tu não amas a Bíblia, não é verdade? “Não, não encontro nela nada interessante”. Ah! isso é o que eu pensava também. Mas, há pouco tempo atrás, eu não podia ver nada nela. Sabes por que? Porque os cegos não podem ver, podem? Porém, quando o Espírito toca as escamas dos olhos, estas caem, e quando Ele põem colírio nos olhos, a Bíblia se torna preciosa.
Recordo de um ministro que foi um dia visitar uma senhora, já anciã, e se propôs de levar-lhe o consolo de algumas das preciosas promessas da Palavra de Deus. Buscando, encontrou na Bíblia da senhora, escrito na margem, um “P”, e perguntou: “Que significa isto?” “Isto quer dizer preciosa, senhor”. Pouco mais adiante descobriu um “P” e um “E”, escritos juntos, e voltou a perguntar seu significado, e ela lhe respondeu: isto quer dizer 'provada e experimentada', porque eu já a provei e já a experimentei”. Se vocês já provaram e experimentaram a palavra de Deus, se é preciosa para suas almas, então vocês são cristãos; porém, essas pessoas que desprezam a Bíblia, “não têm parte nem sorte neste assunto”. Se lhes parece árida, vocês estarão áridos no final, no inferno. Se não a estimam como algo melhor que seu alimento diário necessário, não há nenhuma esperança para vocês, porque carecem da maior evidência de seu Cristianismo.
Porém, ah!, ah!, o pior está por vir. Há pessoas que odeiam a Bíblia, e também a desprezam. Acaso temos algumas dessas pessoas aqui? Alguns de vocês disseram: “Vamos ouvir o que o jovem pregador tem a dizer”. Pois bem, isto é o ele tem para vos dizer: “Vede, ó desprezadores, admirai-vos e desaparecei” (Atos 13:41). Isto é o ele tem para vos dizer: “Os ímpios serão lançados no Inferno, e todas as que se esquecem de Deus” (Salmos 9:17). E também tem que vos dizer isto: “Nos últimos dias virão escarnecedores com zombaria andando segundo as suas próprias concupiscências” (2 Pedro 3:3). Porém mais ainda, lhes diz hoje que se querem ser salvos, devem encontrar a salvação aqui.
Portanto, não menosprezem a Bíblia: esquadrinhe-la, leiam-na, venham até ela. Repouse com certeza, oh zombador, que tuas gargalhadas não podem alterar a verdade, nem tuas zombarias podem te livrar da condenação inevitável. Ainda que em tua dureza fizesses um pacto com a morte e firmasses um trata com o inferno, ainda assim, a veloz justiça te alcançaria, e a poderosa vingança te fulminaria. Em vão zombas e ridicularizas, pois as verdades eternas são mais poderosas que todos teus sofismas; teus engenhosos ditos não podem alterar a verdade divina de uma só palavra deste volume de Revelação. Oh! Por que contende com teu melhor amigo e maltrata teu único refúgio? Ainda há esperança para o zombador. Esperança nas veias do Salvador. Esperança na misericórdia do Pai. Esperança na obra onipotente do Espírito Santo.
Terminarei quando tiver dito mais uma palavra. Meu amigo, o filósofo, diz que é muito bom que eu exorte as pessoas a lerem a Bíblia; porém, ele pensa que há outras muitas ciências grandiosas, mais interessantes e úteis que a teologia. Muito agradecido senhor, por sua opinião. A que ciência você se refere? À ciência de dissecar escaravelhos e colecionar mariposas? “Não, certamente não é a essa”. À ciência de analisar as rochas e de tomar mostras da terra e falar-nos de seus diferentes extratos? “Não, tampouco a essa precisamente”. À que ciência, pois? Ele me responde: “Todas as ciências em geral são mais importantes que a Bíblia”. Ah! senhor, essa é sua opinião, e fala dessa maneira porque estás longe de Deus. Pois a ciência de Jesus Cristo é a mais excelente das ciências. Que ninguém deixe a Bíblia porque não é um livro culto e de sabedoria. Ela o é. Querem saber de astronomia? Aqui está: Ela fala do Sol da Justiça e da Estrela de Belém. Querem saber de botânica? Aqui está: Ela fala de algumas de renome: o Lírio dos Vales e a Rosa de Saron. Querem saber de geologia e mineralogia? Podem aprender isso na Bíblia: podem ler acerca da Rocha dos Séculos e da Pedrinha Branca com um novo nome gravado, o qual ninguém conhece, senão aquele que o recebe. Querem estudar história? Aqui estão os anais mais antigos do gênero humano. Qualquer que seja a ciência de que se trate, venham e busquem-na neste livro. Essa ciência está aqui. Venham e bebam desta formosa fonte de conhecimento e sabedoria, e descobrirão que serão feitos sábios para salvação. Sábios e ignorantes, crianças e homens, cavalheiros de cabelos brancos, jovens e moças — a vocês falo, lhes peço e lhes suplico: respeitem suas Bíblias e esquadrinhem-nas, porque nelas vós pensais ter a vida eterna, e são elas que dão testemunho de Cristo.
Terminei. Voltemos para casa e ponhamos em prática tudo quanto ouvimos. Conheço uma senhora que, quando lhe foi perguntado sobre o que recordava do sermão do pastor, disse: “Não recordo nada do mesmo. Era sobre pesos falsos e medidas fraudulentas, e eu não recordo nada, exceto de que quando cheguei em casa, tive que queimar minhas medidas de grão”. Assim, se vocês recordarem, quando chegarem em suas casas, de queimar suas medidas de grão; se recordarem, quando chegarem em suas casas, de lerem a Bíblia, eu terei dito o suficiente. Queira Deus, em Sua infinita misericórdia, quando lerem a Bíblia, por em suas almas os raios iluminadores do Sol da Justiça, pela obra do sempre adorável Espírito; deste modo, tudo quanto lerem será de proveito e para salvação.
Podemos dizer da BÍBLIA:
“És o gabinete do conselho revelado de Deus!
Onde venturas e angústias estão de tal maneira ordenadas
Que todo homem sabe o que lhe corresponderá
Exceto por seu próprio erro ou falsa aplicação
És o índice da eternidade.
Não poderá deixar de receber a eterna felicidade.
Quem se guie por este mapa,
Nem pode se equivocar quem fale por ele.
É o livro de Deus. Quero dizer
É o Deus dos livros, e peço que aquele que olhe
Com ira para essa expressão, como muito ousada,
Abafe seus pensamentos em silêncio, até encontrar outra”.


A Aparência Enganosa do Coração Humano

'Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?' (Jeremias 17:9)

I. 'O coração do homem é desesperadamente mau'. Em considerando isto, nós não temos necessidade de nos referirmos a algum pecado em particular;

II. Nós podemos, em Segundo Lugar, considerar isto – a aparência enganosa do coração humano; 'ele é enganoso, acima de todas as coisas';

III. 'Aquele que confia em seu próprio coração é um tolo', porque quem que fosse sábio iria confiar em alguém que ele sabe ser 'desesperadamente mau?'.

1. A maioria dos mais eminentes dos antigos pagãos nos deixou muitos testemunhos disto. Foi, decerto, a opinião comum deles, a de que houve um tempo, em que os homens, em geral, eram virtuosos e felizes; o que eles denominaram de 'idade do ouro'. E o relato disto foi espalhado através de quase todas as nações. Mas igualmente se acreditou que essa época feliz tinha se expirado, muitos anos atrás: e que os homens estão agora, no meio da 'idade do ferro'. Do início desta, diz o poeta -

Imediatamente, entraram à força,
Em abundância, toda a maldade e pecado:
Vergonha, verdade, fidelidade, desapareceram rapidamente;
E a abominável sede do ouro suportou domínio, sem resistência.

2. Mas quantos mais sabem que os antigos pagãos são a presente geração de cristãos! Quantos panegíricos nós agora lemos e ouvimos sobre a Dignidade da Natureza Humana. Um eminente pregador, em um dos seus sermões, pregado e publicado, alguns poucos anos atrás, não teve escrúpulos de afirmar, Primeiro, que os homens em geral (se não todos os indivíduos) são muito sábios; Em Segundo Lugar, que os homens, em geral, são muito virtuosos; e, em Terceiro, que eles são muito felizes. E eu não conheço, ainda, alguém que tenha sido tão ousado, para contestar a afirmação.

3. Proximamente relatado a eles foram os sentimentos de um cavalheiro engenhoso que, sendo perguntado, 'Meu senhor, o que você pensa da Bíblia?', respondeu, 'Eu penso que é o livro mais excelente que eu li na minha vida. Apenas aquela parte que indica uma forma mediadora, eu não entendo; já que eu não aceito que exista alguma necessidade de um Mediador entre Deus e o homem. De fato', continuou ele, 'se eu fosse um pecador, então, eu necessitaria de um Mediador; mas eu não imagino que eu seja. É verdade que eu freqüentemente ajo de maneira errada, por falta de mais entendimento: E eu freqüentemente sinto temperamentos errados; particularmente, ira; mas eu não posso permitir que isto seja um pecado; porque ela depende do movimento do meu sangue e força vital, que eu não posso ajudar. Entretanto, ela não pode ser um pecado; ou, se for, a culpa deve cair, não em mim, mas naquele que me fez'. Os próprios sentimentos do devoto Lorde Kames, e do modesto Sr. Hume!

4. Algum tempo atrás, uma senhora caridosa descobriu que havia nenhum pecador no mundo, a não ser o diabo. 'Porque', ela disse, 'ele força os homens a agirem como eles agem; portanto, eles não são os responsáveis: A culpa é de satanás'. Mas, algumas mais dessas senhoras cultas descobriram que 'não existe pecador no mundo, a não ser Deus! Porque Ele força os homens a pensarem, falarem, e agirem como eles fazem; portanto, a culpa é de Deus apenas'. Satanás, fora! Pode-se duvidar, se mesmo ele, alguma vez, afirmou uma blasfêmia tão imbecil, quanto esta!

5. Mas, o que quer que os infiéis não batizados ou batizados possam dizer, com respeito à inocência da humanidade, Ele que fez o homem, e que melhor conhece o que Ele fez, dá uma consideração muito diferente dele. Ele nos informa que 'o coração do homem', de toda humanidade, de todo o homem nascido no mundo, 'é desesperadamente mau'; e que é 'enganoso acima de todas as coisas'. De modo que podemos bem perguntar, 'Como nós podemos saber isto?'.

I

1. Para começar com isto: 'O coração do homem é desesperadamente mau'. Em considerando isto, nós não precisamos nos referir a algum pecado, em particular; (esses não são mais do que folhas, ou, quando muito, os frutos, que brotam daquela árvore má); mas, antes, à raiz geral de tudo. Veja como isto foi primeiro plantado no próprio céu, por Lúcifer, o filho da manhã'; -- até, então, sem dúvida, 'um dos principais, se não, o principal arcanjo': 'Tu dizes, Eu ficarei no lado norte'. Veja a vontade própria, a Primogênita de Satanás! 'Eu serei como o Altíssimo!'. Veja o orgulho, o irmão gêmeo da vontade própria. Aqui estava a origem verdadeira do mal. Daqui veio a inundação inesgotável de maldades sobre a terra. Quando Satanás, uma vez, infiltrou sua própria obstinação e orgulho nos pais da humanidade, junto com uma nova espécie de pecado, -- amor ao mundo; o amar a criatura, acima do Criador, -- toda forma de maldade logo entrou de roldão; toda descrença e iniqüidade; disparando em crimes de toda sorte; logo cobriram toda a face da terra, com toda maneira de abominações. Seria uma tarefa infinita enumerar todas as monstruosidades que se irromperam. Agora, todos os reservatórios do grande abismo foram abertos, e a terra logo se tornou um campo de sangue: Vingança, crueldade, ambição, com todas as sortes de injustiça; todas as espécies de ofensas, públicas ou privadas, propagaram-se, por toda a terra. Injustiça, em suas mil formas; ódio; inveja; malícia; sede de sangue, com todo o tipo de falsidade, cavalgaram triunfantes; até que o Criador, olhando dos céus para a terra, não mais poderia suplicar, por uma raça incorrigível, mas a varreria da face da terra. Mas quão poucos das gerações seguintes foram melhorados, através desse julgamento severo! Eles que viveram, depois do dilúvio, não pareceram ter sido uma partícula melhor do que aqueles que viveram antes deles; provavelmente, antes que Noé fosse removido da terra, toda iniqüidade prevaleceu como antes.

2. Mas não existe um Deus no mundo? Sem dúvida, que existe: E é 'Ele que nos fez; não nós mesmos'. Ele nos fez gratuitamente, de sua própria misericórdia; já que não merecíamos coisa alguma dele, antes que tivéssemos existido. Foi de sua misericórdia que Ele nos fez, afinal; que Ele nos fez criaturas conscientes, racionais, e, acima de tudo, suscetíveis de Deus. E é isto, e tão somente isto, que estabelece a diferença essencial entre os homens e os animais. Mas, se Ele nos fez, e nos deu tudo o que temos; se nós devemos tudo que somos e temos a Ele; então, certamente, Ele tem direto sobre tudo que somos e temos, -- ao nosso amor e obediência. Em todas as épocas e nações, os muitos que acreditaram em si mesmos, têm reconhecido serem suas criaturas. Mas, alguns poucos anos atrás, eu soube que um homem confessou francamente: 'Eu nunca pude entender que, porque Deus nos criou, isto deu a Ele alguma propriedade de governo sobre nós; ou que, por que Ele nos criou, isto nos colocou, debaixo da obrigação de submetermos a Ele a nossa obediência'. Eu penso que o Dr. Hutcheson foi o primeiro homem que nunca teve qualquer dúvida disto; que nunca duvidou, muito menos negou, que a criatura fosse obrigada a obedecer a seu Criador. Se Satanás, alguma vez, cogitou esse pensamento (não que ele provavelmente tenha feito), não seria de se admirar que ele pudesse rebelar-se contra Deus, e fazer surgir uma guerra no céu. E conseqüentemente, os inimigos poderiam se erguer contra Deus, no coração dos homens também; juntamente com todas as ramificações da descrença, que aflui disto até hoje. Por esta razão, surgiria naturalmente a negligência de toda obrigação que devemos a Ele como nosso Criador, e todas as paixões e esperanças, que são diretamente opostas a toda tal obrigação.

3. Do diabo, o espírito da independência, da vontade própria, e orgulho, produtivos de toda descrença e iniqüidade, rapidamente se infiltraram nos corações de nossos primeiros pais no paraíso. Depois de eles terem comido da árvore do conhecimento, a maldade e miséria de todo tipo invadiram, como uma maré cheia, sobre a terra, alienando-nos de Deus, dando passagem para tudo o mais. Ateísmo (agora modernamente chamado de dissipação) e idolatria; amor ao mundo; buscando felicidade nesta ou naquela criatura, cobriram a terra toda.

4. Seria um trabalho infinito enumerar todas as espécies de maldades, se no pensamento, palavra ou ação, que agora cobrem a terra, em cada nação, cidade e família. Todas centram nisto, -- ateísmo, ou idolatria; orgulho, tanto pensando sobre si mesmos mais do que deveriam pensar; ou se gloriando por alguma coisa que tenham recebido, mesmo embora não a tenham recebido; independência e vontade própria, -- fazendo a sua própria, não a vontade Dele que os fez. Acrescente a isto, buscar felicidade fora de Deus, gratificando o desejo da carne, o desejo dos olhos, e o orgulho da vida. A verdade melancólica disto, é que, (exceto, quando o Espírito de Deus faz a diferença) toda humanidade agora, assim como quatrocentos anos atrás, 'corrompeu seus caminhos, diante do Senhor; e toda imaginação do coração do homem é má, unicamente má, e isto continuamente'. Como quer que os homens possam diferir, em seus caminhos externos, (nos quais, indubitavelmente, existem milhares de diferenças), ainda assim, em sua raiz interna, no que se refere aos inimigos contra Deus - ateísmo, orgulho, vontade própria e idolatria, 'o coração do homem', de todo homem natural, é, na verdade, 'desesperadamente mau'.

5. Mas se este for o caso, como é que todos não estão conscientes disto? Por que, quem poderia 'saber das coisas de um homem, como o espírito de um homem que está nele?'. Como é, então, que tão poucos conhecem a si mesmos? Por esta razão simples: porque o coração não é apenas 'desesperadamente mau', mas 'enganoso acima de todas as coisas'. Tão enganoso, que nós podemos bem perguntar, Quem pode conhecê-lo?'. Quem, de fato, a não ser Deus que o fez? Pela Sua assistência, nós podemos, em Segundo Lugar, considerar isto, -- a aparência enganosa do coração humano.

II

1. 'É enganoso, acima de todas as coisas'; ou seja, no mais alto grau, acima de tudo que podemos conceber. Tão enganoso, que a generalidade de homens estão continuamente enganando, tanto a si mesmos, quanto os outros. Quão estranhamente eles enganam a si mesmo, não conhecendo seus próprios temperamentos, assim como, caracteres; imaginando-se abundantemente melhores e mais sábios do que são! O poeta antigo supõe que não exista exceção à esta regra, -- que nenhum homem está disposto a conhecer seu próprio coração'. Nenhum, a não ser aqueles que foram ensinados por Deus!

2. E se os homens enganam, assim, a si mesmos, não é de se admirar que eles enganem outros também, e que nós raramente encontremos 'um israelita, de fato, em quem não existe culpa?'. Ao inspecionar meus livros, alguns anos atrás, eu encontrei o seguinte memorando: 'Eu tenho hoje trinta anos de idade; até este dia, eu não me lembro de ter encontrado alguma pessoa desta idade, exceto na casa de meu pai, que não tenha usado de fraude, mais ou menos'.

3. Esta é uma das formas da maldade muito perigosa que se adere à natureza de cada homem, seguida dessas raízes férteis, -- vontade própria, orgulho, e independência de Deus. Disto, brota toda espécie de vícios e perversidades; disto, todo pecado contra Deus, nosso próximo e nós mesmos. Contra Deus, -- negligência e desprezo para com Ele, ao Seu nome, Seu dia, Sua palavra, Suas ordenanças; ateísmo de um lado, e idolatria do outro; em particular, o amor ao mundo, o desejo da carne, o desejo dos olhos, o orgulho da vida, o amor ao dinheiro, o amor ao poder, o amor ao ócio, o amor 'à honra que vem dos homens', o amar a criatura, mais que o Criador, o amar o prazer, mais do que amar a Deus: -- Contra nosso próximo, -- ingratidão, vingança, ódio, inveja, malícia, falta de caridade.

4. Conseqüentemente, existe no coração de cada filho do homem, uma reserva inesgotável de descrença e iniqüidade, tão profunda e fortemente enraizada na alma, que nada menos do que a graça do Todo-poderoso pode curar. Disto, naturalmente, surge uma colheita farta de todas as palavras e obras pecaminosas; e para completar o todo, aquele complexo de todas as maldades, -- aquele monstro sórdido, a guerra, que nós encontramos, penetrando profundamente nas mais nobres obras da criação; que usa em vão a gloriosa imagem de seu Criador, desprivilegiados de ti!

Na seqüência desses monstros caídos, estão assassinato, adultério, roubo, violência, e crueldade de todo tipo. E todas essas abominações não são apenas encontradas nas regiões maometanas, ou pagãs, onde a prática horrenda deles pode parecer um resultado natural dos igualmente horrendos princípios; mas, em todas essas que são chamadas de regiões cristãs; sim, na maioria dos estados e reinos conhecidos e civilizados. E permita que não seja dito, 'Este é apenas o caso das regiões católicas romanas'. Não! Nós que somos chamados Reformados estamos absolutamente nada atrás deles, em todas as maneiras de maldade. De fato, nenhum crime prevaleceu, alguma vez, entre os turcos ou tártaros, que nós aqui não pudéssemos traçar um paralelo, em cada parte da Cristandade. Mais ainda, nenhum pecado, alguma vez, apareceu na Roma pagã, ou católica, que não fosse encontrado hoje, na Alemanha, França, Holanda, Inglaterra, e todas as outras regiões protestantes, assim como papistas. De modo que poderia ser dito agora, com muita verdade, e poucas exceções, de cada corte na Europa, assim como foi antigamente, na corte de Saul que: 'Não existe alguém que compreenda, e busque, segundo Deus'.

5. Mas não existe exceção, quanto à maldade do coração humano? Existe, nestes que são nascidos de Deus. (I João 3:9) 'Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus'. Deus tem 'purificado seu coração, pela fé', de modo que sua maldade é afastada dele. 'As velhas coisas se passaram, e todas as coisas' nele 'se tornaram novas'. De maneira que seu coração não mais é desesperadamente mau, mas 'renovado na retidão e verdadeira santidade'. Apenas que seja lembrado que o coração, mesmo de um crente, não é totalmente purificado, quando ele é justificado. Pecado é, então, subjugado, mas sua raiz não é arrancada; ele e dominado, mas não destruído. A experiência mostra a ele, primeiro, que as raízes do pecado, obstinação, orgulho, e idolatria, permanecem ainda no seu coração. Mas, por quanto tempo ele continua a vigiar e orar, nenhuma deles poderá prevalecer contra ele. A experiência o ensina, em segundo lugar, que o pecado (geralmente orgulho e vontade própria) aderem-se às suas melhores ações: assim, mesmo com respeito a esses, ele encontra absoluta necessidade pelo sangue da reconciliação.

6. Mas quão engenhosamente este dissimula a si mesmo, não apenas de outros, mas até mesmo de nós mesmos! Quem poderá descobrir isto, em todos os disfarces que ele assume, ou reconhecê-lo, através de todos os seus labirintos latentes? E, se é tão difícil conhecer o coração de um bom homem, quem poderá conhecer o coração de um homem perverso, que é muito mais enganoso? Nenhum homem pecaminoso, por mais consciente, por mais experiente, por mais sábio em sua geração. E, ainda assim, esses são os que se vangloriam de 'conhecerem o mundo', e imaginam que eles vejam através de todos os homens. Alguém pode evidentemente dizer que eles 'mesmo assim, sabem nada do que deveriam saber'. Nem mesmo aquele político, no recente reinado, conhecia o seu próprio coração, ou de outros homens, cujas palavras favoritas foram: 'Não me fale de sua virtude, ou religião: Eu lhe digo que todo homem tem seu preço'. Sim, Sir Robert; todo homem como você; todo aquele que vende a si mesmo ao diabo!

7. Aquele pobre honorável, comparado a quem, o Sr. Robert foi um santo, conhecia o coração do homem, -- ele que tão honestamente avisou seu próprio filho, para 'nunca falar a verdade; mas para mentir ou dissimular, tão freqüentemente, quanto ele fala, e usar de máscara continuamente?'; que sinceramente aconselhou a ele 'não debochar de mulheres solteiras', (porque algumas inconveniências poderiam se seguir), 'mas sempre de mulheres casadas?'. Alguém poderia imaginar que esse animal rastejante tivesse alguma vez uma esposa ou uma sua filha casada? O extraordinário Lorde Chesterfield! Algum homem mereceu, tanto assim, embora ele fosse um fidalgo do reino, morrer ao lado de Newgate? Ou algum livro mereceu ser assim queimado pelo carrasco público, como suas Cartas? O Sr. David Hume, o mais baixo, se possível, do que qualquer um dos precedentes, conhecia o coração do homem? Não mais do que um verme ou um besouro. Depois de 'brincar, tão indolentemente, com os dados da morte', você o considera agora um assunto engraçado? O que você pensa agora de Caronte [barqueiro da mitologia]? Ele atravessou você por sobre o Estige [rio ou lago do inferno da mitologia grega]? Finalmente, Ele o ensina a conhecer um pouco de seu próprio coração! Por fim, você sabe que é uma coisa temerosa cair nas mãos do Deus vivo!

8. Um dos mais competentes campeões da infidelidade (talvez, o mais elegante, e o mais decente escritor que uma vez produziu um sistema de religião, sem de maneira alguma, ser obrigado recorrer à Bíblia para isto) desabafou, de todo o seu coração: 'Quem não desejaria que houvesse uma prova completa da revelação cristã, desde que ela é indubitavelmente o sistema mais benevolente que um dia apareceu no mundo!'. Ele não poderia acrescentar uma razão de alguma espécie -- Porque sem isto, esse homem deve ser um mistério completo para si mesmo? Até mesmo com a ajuda da Revelação, ele conhece excessivamente pouco; mas sem ela, ele saberia abundantemente menos, e nada com alguma certeza. Sem a luz, que nos é dada, através dos oráculos de Deus, como podemos reconciliar sua grandeza com sua vileza? Enquanto nós reconhecemos com Sir John Davies –

Eu sei que minha alma tem poder para saber todas as coisas, ainda assim, ela é cega e ignorante de tudo: Eu sei que sou um dos pequenos reis da natureza; ainda assim, a menor e mais vil de todas as coisas como servo.


9. Quem, por conseguinte, conhece os corações de todos os homens? Certamente, ninguém, a não ser Ele que os fez. Quem conhece seu próprio coração? Quem poderá dizer a profundidade de suas inimizades contra Deus? Quem conhece quão profundamente é mergulhar na natureza de Satanás?

III

1. Das considerações precedentes, podemos entender, Primeiro, que 'Ele que confia em seu próprio coração é um tolo?'. Porque, quem, que seja sábio, confiaria em alguém que soubesse ser 'desesperadamente mau?' -- especialmente, alguém que ele soubesse, por milhares de experimentos, ser 'enganoso, acima de todas as coisas?'. O que podemos esperar, se nós ainda confiamos em um mentiroso e enganador conhecido, a não ser, para ser enganado e trapaceado no final?

2. Em Segundo Lugar, nós podemos inferir, disto, a verdade daquela outra reflexão de Salomão: 'Vê tu um homem que seja sábio aos seus próprios olhos? Existe mais esperança em um tolo do que nele'. Porque, a que distância da sabedoria deve estar aquele homem, daquele que nunca suspeitou da falta dela? E seu pensamento, sobre si mesmo, não irá impedi-lo de receber instrução de outros? Ele não estará apto a estar descontente na admoestação, e construir reprovação da censura? Ele não irá, portanto, estar menos pronto a receber instrução do que, até mesmo, aquele que tem um pequeno entendimento natural? Certamente, nenhum tolo é tão incapaz de correção, quanto alguém que se imagina sábio. Ele que supõe que não precisa de medico, dificilmente terá proveito em seu conselho.

3. Conseqüentemente, nós não podemos aprender, em Terceiro Lugar, a sabedoria daquela precaução, 'Que ele que pensa que assim se mantém, dê atenção, a fim de que não caia?'. Ou, para reproduzir o texto mais corretamente, 'Que ele que seguramente se mantém tome cuidado, a fim de que não caia?'. Por mais firmemente que ele possa se manter, de qualquer modo, ele ainda é um coração enganoso. Em quantas instâncias ele tem sido enganado, ainda! Suponha que ele não seja enganoso agora, isto quer dizer que ele nunca será? Ele não está sobre chão escorregadio? E ele não está cercado de armadilhas? Dentro das quais pode cair e não mais se erguer?

4. Não é sabedoria para ele que agora se mantém, continuamente clamar a Deus, 'Examine-me, Ó Senhor, e me prove; teste meus afetos e meu coração! Veja bem, se existe algum caminho de maldade em mim, e me conduza ao caminho da vida eterna? Tu somente, Ó Deus 'conheces os corações dos filhos dos homens': Ó, mostra-me de qual espírito sou feito, e não me deixe enganar minha própria alma! Não permita que eu 'pense sobre mim mesmo, mais altamente do que eu deveria pensar'. Mas me permita sempre 'pensar sobriamente, de acordo com o que tu tens me dado na medida da fé!'.


Teologia da prosperidade é demoníaca, Ronaldo Didini em entrevista

teologia da prosperidade – Depois de reaparecer na televisão, agora ligado à Igreja Mundial do Poder de Deus, Ronaldo Didini repudia parte do que acreditou no passado.
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Nos últimos meses, a notícia de que uma igreja assumiria o controle de mais um canal da TV brasileira causou burburinho. Trata-se da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), comandada pelo seu apóstolo Valdemiro Santiago, egresso da Igreja Universal do Reino de Deus. A denominação assumiu o controle da Rede 21. Um dos grupos neopentecostais com crescimento mais rápido no país, a IMPD iniciou as transmissões disposta a se expandir ainda mais. O slogan da nova emissora – “Vem pra cá, Brasil” – já sugere o caráter do empreendimento. O carro-chefe da programação são os cultos, cheios de imagens de exorcismo e curas, promovidos por Valdemiro. Na telinha, ele chama as pessoas à plataforma, abraça-as e chora com elas, num ambiente que mistura comoção e alguma histeria. O investimento da IMPD em mídia é mantido em sigilo absoluto, mas comenta-se no mercado que chegaria a 4 milhões de reais mensais.

Tamanho investimento vale a pena? Para o pastor Ronaldo Didini, sim. Quando a Igreja Universal comprou a Record, há quase 20 anos, foi ele, na época pastor da denominação de Edir Macedo, quem esteve à frente das negociações. Naquela emissora, comandou o 25ª hora, programa que marcou época na radiodifusão evangélica. Dali, ligou-se à Igreja Internacional da Graça de Deus, comandada pelo missionário R. R. Soares, onde colaborou na implantação da Nossa TV e da Rede Internacional de Televisão (RIT). Agora, depois de servir de interlocutor e sacramentar o negócio entre o Grupo Bandeirantes e a Mundial, ele é o gestor da Rede 21. Inteligente e bem articulado, Didini apresenta o programa Hora Brasil, exibido diariamente entre meia-noite e 1h30. “É uma continuação do que fazia no 25ª Hora”, define.

Aos 51 anos, casado e pai de duas filhas, Didini considera a televisão um poderoso instrumento para a evangelização. Sua trajetória chama a atenção não apenas por sua especialidade em TV evangélica, mas também por sua migração denominacional. Tendo peregrinado por igrejas como Universal, Graça e agora a Mundial do Poder de Deus – fora o período em que esteve em Portugal, onde montou a dirigiu a Igreja do Caminho –, ele conhece como poucos o mundo do neopentecostalismo. “Não nego meu passado, mas amadureci”, diz o religioso. Hoje, Didini é um detrator da teologia da prosperidade, que, segundo ele, é um câncer que está consumindo a Igreja brasileira. “E muitos pastores a defendem abertamente em rede nacional. É o que existe de pior na televisão do país”, critica. O religioso recebeu a equipe de reportagem da revista cristianismo hoje em sua nova casa no bairro do Morumbi, em São Paulo:

O senhor tornou-se uma referência para a mídia evangélica por ter comandado o 25ª Hora, exibido pela Rede Record nos anos 1990. Como foi aquela experiência?
RONALDO DIDINI – Foi uma experiência riquíssima, tanto do ponto de vista religioso como sociológico. Aquela foi a primeira vez que pastores evangélicos discutiram abertamente com a sociedade todos os problemas do nosso tempo. Quebramos barreiras, pois deixamos claro que o evangélico é um cidadão como qualquer outro. Ali, falávamos abertamente sobre qualquer assunto, como sexo e política, coisas então consideradas tabu em nosso meio, sem perder o compromisso com os valores da Palavra.

Como o senhor avalia a programação evangélica feita hoje no Brasil?
O que existe de melhor, a meu ver, é a combinação que a Igreja Mundial do Poder de Deus faz entre proclamação da Palavra e demonstração do poder de Deus. Também gosto de alguns programas que estudam a Bíblia nas madrugadas. Um exemplo são os programas de Silas Malafaia naquele horário, onde ele recebe pastores e gente interessante. Os peixes mais graúdos são os que estão ligados na madrugada. Quando alguém prega com mansidão e de maneira equilibrada nesse horário, em que a pessoa liga a TV porque precisa ouvir a Palavra, não há quem não se quebrante.

Com a entrada maciça dos evangélicos na televisão, não há uma “guerra santa” pela audiência?
Não creio. Por mais que o homem fale, quem está no controle da Igreja é o Espírito Santo. Mas podemos fazer uma leitura diferente do que acontece no Brasil. Em 1985, acabou o regime militar. As pessoas esperavam por algo novo, desejavam mudanças, inclusive na esfera espiritual, já que a presença católica era hegemônica. A abertura também trouxe esse novo momento, em que as igrejas passaram a ter liberdade para usar os meios de comunicação. Houve imaturidade, inconsistência? Sim. A sociedade e a Igreja não souberam medir isso. Por outro lado, a liberdade foi também exacerbada. Há dez anos, as crianças estavam dançando na boquinha da garrafa por causa da TV. Hoje, amadurecemos e não se vê mais isso. Acho que o mesmo aconteceu com a Igreja Evangélica em seu crescimento; agora, é preciso colocar os pés no chão.

Comenta-se à boca miúda que R.R.Soares paga R$ 5 milhões mensais à Bandeirantes e que Malafaia desembolsa outro tanto. Há informações de que sua igreja teria um investimento em TV estimado em 4 milhões por mês. Essas cifras são reais?
Não acredito que sejam reais, até porque, nesse caso, o mercado seria super-inflacionado e não haveria condições de se pagar tanto. O próprio mercado publicitário não teria condições de concorrer com esses valores. Vivo no meio e posso dizer que falam de números muito mais altos que os reais.

O Hora Brasil tem a mesma proposta do 25ª Hora?
O Hora Brasil funciona como se fosse um termômetro. Obviamente, do 25ª Hora para cá, a sociedade evoluiu muito. Hoje, cerca de 30% da população é evangélica. Eu chamo a sociedade para dialogar sobre assuntos religiosos, médicos, problemas sociais. Estou fazendo jornalismo e já pude observar algo interessante: uma preocupação generalizada com a preservação da família. Pessoas com as mais diferentes linhas de pensamento estão preocupados com o destino das famílias, com seus valores – ao contrário do que a mídia em geral incentiva, que é a falta de compromisso, a infidelidade conjugal, o individualismo e a libertinagem, que tanto marcam nosso tempo. Mas o Brasil não é uma Sodoma ou Gomorra. Isso é resultado do esforço feito ao longo dos anos por homens e mulheres de Deus para pregar o Evangelho, e que levou ao boom dos crentes na mídia. Os especialistas criticam esse avanço, mas ele é uma âncora de valores há muito esquecidos e desprestigiados. Infelizmente, esse avanço tem dois lados: o positivo, do qual já falei, e o negativo, que são os escândalos. Mas Jesus já disse que escândalos viriam. Temos que nos preocupar com os “ais” que os sucederão, para que não sejamos seus causadores. É preciso haver limites.

Quais são esses limites?
Fiquei assustado com o que fez o pastor Marcos Feliciano em seu programa. Ao mesmo tempo em que pregava o Evangelho, ele anunciava terrenos para as pessoas comprarem em prestações, dizendo que Deus abençoaria aquela compra. Isso ultrapassa o limite. Ao mesmo tempo em que se anuncia a salvação, vincula-se isso à venda de produtos para receber a bênção de Deus. Lógico que aquele comercial está sendo pago. Feliciano ultrapassou a barreira ética. Para mim, isso é o que existe de mais vulgar na teologia da prosperidade. A igreja precisa de fundos? Sim. Mas de onde vêm? Dos dízimos e ofertas. Apenas eles têm fundamento bíblico. Sem esse pastor perceber, creio que o próprio Deus o fez tropeçar para expor a nudez desses cruéis ensinos. A teologia da prosperidade é um câncer no segmento evangélico.

Por que o senhor critica tanto a teologia da prosperidade?
Porque ela é demoníaca. Penso que os líderes evangélicos deveriam se unir e dar um basta nesses ensinos. A teologia da prosperidade bateu no fundo do poço e já deveria haver uma conscientização de muitos líderes acerca disso. Todos que optam por esse caminho ficam satisfeitos apenas em ir bem financeiramente, não ter sofrimento de nenhum tipo. Querem ficar independentes, achando que não precisam de mais nada. Os pregadores da prosperidade não têm contato com o povo e não enxergam isso, porque são pobres, cegos, miseráveis e estão nus. O homem não tem que ditar regras a Deus e dizer a ele como e a que horas fazer o milagre. Minha crítica a essa teologia é que ela proclama aquilo que é terreno e não o que é sagrado, sobrenatural. Com o tempo, tal mensagem se desgasta e o resultado está aí. Eu fui missionário em nações muito pobres da África. Por que a teologia da prosperidade não funciona lá? Para responder essa questão, o teólogo da prosperidade não está preparado. Se não funciona lá, ela é antibíblica. Jesus falou que é mais fácil um camelo passar pelo fundo da agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. Ora, se a teologia da prosperidade fosse bíblica, todos seriam ricos e quase ninguém acabaria salvo. Pregar e acreditar na teologia da prosperidade é como construir um castelo na areia ou fazer um gigante com pés de barro – mais cedo ou mais tarde, tudo cairá.

Mas durante muito tempo o senhor militou em igrejas propagadoras da teologia da prosperidade… Quem mudou, suas ex-igrejas ou o senhor?
Não mudei o meu pensamento. Foi a obra do Espírito Santo que me amadureceu. Sou muito grato por tudo que recebi na Igreja Universal e na Igreja da Graça. Não tenho nada contra essas instituições e nem contra seus líderes. Minha diferença é doutrinária. Uma coisa é enxergar, e outra é mudar, se for preciso, sair do sistema, quando ele se torna mais poderoso do que a Bíblia. O catolicismo está cheio de exemplos assim. Todos os padres sabem que não é uma bula papal que pode dizer que o líder é infalível ou que Maria subiu ao céu com seu corpo. Mas o sistema Católico Apostólico Romano requer que essa doutrina seja aceita, e muitos a defendem em nome desse sistema.

O senhor não teme ser considerado ingrato por seus ex-líderes?
Como eu disse, nada tenho contra Macedo ou Soares. Tanto, que quando eu saí da Universal, foi como que se perdesse meu chão. A Iurd para mim era mais importante que qualquer outra coisa na vida; eu amava aquele ministério, dava minha vida por ele. Depois, conheci a Igreja da Graça. O missionário Soares me ajudou muito naquela época, pastoreando minha vida por dois anos. Foi um verdadeiro pai, preocupando-se com minha alma, porque eu não estava bem espiritualmente. A teologia da prosperidade me fez um mal tremendo. Continuei caindo e bati no fundo do poço quando abri a igreja lá em Portugal [a Igreja do Caminho, inaugurada por Didini em Lisboa em 2003]. Estava sozinho com minha mulher e duas malas de roupas começando uma igreja na periferia. Então, aprendi que ou dependia de Deus ou o meu ministério ia acabar. Deus me ensinou muito naqueles cinco anos, até me colocar ao lado do apóstolo Valdemiro.

O bispo Renato Suhett, que saiu atirando na Universal e até abriu uma igreja onde criticava abertamente o que chamava de “sistema religioso” montado por Edir Macedo, acaba de voltar à Iurd. O senhor já foi chamado para retornar á Universal?
Nunca fui chamado para retornar à Igreja Universal, até porque já disse publicamente que não tenho interesse em regressar. Aqui, na Mundial, é como que se eu tivesse voltado para a Iurd em que comecei nos anos 80, uma igreja viva. Creio que, se o Suhett voltou, sabe o que está fazendo. Mas eu estou em casa agora.

Rupturas no seio neopentecostal são comuns. Macedo e Soares começaram juntos na Cruzada do Caminho Eterno, saíram e fundaram a Universal, de onde o último desligou-se para fundar a Igreja da Graça. Valdemiro também é oriundo da Universal; o próprio Macedo começou na Nova Vida, de onde também saiu Miguel Ângelo, que dali fundou a Cristo Vive. As justificativas para a dança de cadeiras são sempre semelhantes, como a de divergências teológicas ou mudanças de visão – contudo, as novas igrejas que surgem acabam trazendo muito das denominações de origem, inclusive os aspectos que criticavam. O que acarreta tantas rupturas?
Uma árvore pode ter muitos ramos, muitos galhos. O importante é observar o que Jesus fala em João 15, e estar alicerçado nos ensinos de Cristo e na prática da verdade. Quando a igreja nasce pela vontade humana, para ser uma maneira de levar a vida, é complicado. Paulo também defende sua autoridade apostólica em Cristo. Por isso, não interessa quem pregou, se foi Paulo, Pedro ou Apolo – o importante é estar firmado em Jesus. No fim das contas, vejo que muitas ramificações poderiam ser evitadas se houvesse menos vaidade humana e mais compromisso com a videira verdadeira que é Jesus.

Então, as divisões acontecem porque cada um quer ter seu próprio espaço?
Nem sempre. O que o dedo faz, os olhos não podem fazer. Não importa a função de cada um; importa que Cristo seja o cabeça do corpo. A Igreja Mundial, por exemplo, tem uma função que as outras igrejas mais tradicionais ou adeptas de ensinos não ortodoxos não podem cumprir. Mas no momento em que algum órgão do corpo adoece, todo o organismo passa a sofrer. A Igreja de Cristo hoje precisa se voltar para a mensagem original e entender o recado: o agricultor é o Pai e a videira aqui é Jesus. Então, vamos parar de vaidade! Eu, por exemplo, quando assumi a Igreja Internacional da Graça de Deus em Portugal, tornei-me vice-presidente vitalício da denominação. Poderia hoje reivindicar isso, já que nunca renunciei. Mas jamais chegaria lá e tentaria tomar a igreja. O verdadeiro pastor é Jesus. Acredito que se existir essa consciência, haverá menos ramificações.

Pode explicar como foi sua adesão à Igreja Mundial?
Sou amicíssimo do apóstolo Valdemiro. Talvez seja uma das pessoas mais chegadas a ele, fora sua família. Mas não vim para cá só pela amizade. Nunca daria certo. Primeiro, reconheci que a Mundial era um movimento de fé muito forte, e depois comecei a observá-la. Fiz quatro viagens para o Brasil e observei claramente o reavivamento bíblico no século 21. Depois veio a fase mais difícil, a de submeter-me à autoridade espiritual dele, sendo seu amigo. Então, peguei a chave da minha igreja e dei na mão dele, dizendo: “Seu trabalho é maior que o meu. Você é mais importante que eu em Portugal”. E vim para ajudá-lo com os dons que Deus me deu. Acredito que estou em uma fase na qual Deus não quer me ensinar mais. É hora de dar frutos, pois ele já investiu muito em mim.

O senhor tem salário na igreja?
Não. Tenho funções executivas na Igreja Mundial, mas não sou funcionário, não recebo qualquer benefício financeiro.

Então, de onde vem seu sustento?
Sou contratado como jornalista pela Rede Bandeirantes. Pela misericórdia de Deus, eu moro numa boa casa, tenho um bom carro, visto boas roupas; mas nada disso me pertence, tudo é dado pelo Senhor. Por isso, posso exercer com liberdade minha vocação. Aliás, esse foi o motivo por que saí da Graça. Comecei a me sentir um funcionário da igreja, sem aquele algo mais, sem um desafio. Eu tinha o mais alto salário, carro à disposição, liberdade para pregar em qualquer lugar; todos os pastores da Graça me tratavam muito bem, eu era sempre recebido com festa. Mas não me sentia bem como executivo, com tarefas meramente burocráticas dentro de uma organização. Resolvi sair. Hoje, aprendi a lição.

Quando estava em Portugal, o senhor se queixava de que os evangélicos brasileiros enfrentavam muitas restrições lá. Essa situação ainda persiste?
Persiste e piora. Digo isso por causa dessa lei xenófoba da imigração. Quase não são liberados vistos para brasileiros. O segundo problema gravíssimo que presenciei lá, quando participei de um congresso da Assembléia de Deus portuguesa, é que não há comunhão entre a Assembléia de Deus brasileira e a de lá. O pastor Joel, filho do José Wellington [presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus do Brasil], esteve presente também. As lideranças portuguesas não aceitam os pastores brasileiros que são enviados para lá. Como o Brasil se tornou um exportador de missionários, maior é a rejeição. No mundo inteiro, especialmente na Europa, igrejas com lideranças brasileiras atraem apenas público brasileiro. As únicas exceções são trabalhos com negros, que são imigrantes também, vindos de lugares como Cabo Verde, Quênia, Jamaica, Nigéria.


O antiintelectualismo mata, mas o Espírito vivifica

“Meu negócio não é como teologia, mas com joelhologia”. Essa frase, que tem aparência de espiritualidade, foi criada por um pregador piauense; e expressa um forte antiintelectualismo. O antiintelectualismo se manifesta na oposição do estudo sistemático da Sagrada Escritura, por meio da teologia. Os anti-intelectuais são contra o estudo acadêmico, pois segundo eles, o crente precisa somente orar e o Espírito Santo revela a sua vontade. A curso teológico, mesmo o ortodoxo, é criticado com unhas e dentes.

01) A origem do antiintelectualismo protestante.

O início do antiintelectualismo no protestantismo começou nos exageros do pregadores avivalistas do século 19, onde se dá o início do evangelicalismo. O problemas dos reavivamento nos Estados Unidos é que eles exageraram no aspecto emocional do cristianismo. Reagindo contra a apatia devocional de suas congregações, que eram secas emocionalmente, muitos crentes do século 19 caíram em outro estremo, o desprezo pela intelectualidade. “O pastor não eram mais um professor que ensinava uma determinada congregação, mas era uma celebridade que inspirava o público em massa”, observa Nancy Pearcey, que lembra os avivalistas que souberam manter o equilíbrio entre devoção e racionalismo, citando o exemplo de Jonathan Edwards¹.
O anti-intelectualismo já foi muito forte entre os pentecostais, fato esse que não pode ser negado. O teólogo Stanley M. Horton, o maior expoente hodierno do pentecostalismo clássico, escreveu:

O Dr. Burton Goddard, que me ensinou hebraico no Gordon (Seminário Teológico Gordon-Conwell), incentivou-me a ir para Harvard fazer doutorado em Antigo Testamento. Ele também me ajudou a conseguir uma excelente bolsa de estudos. Quando contei ao irmão Smuland, meu superintendente distrital, que eu estava agradecido a Deus pela bolsa de estudos, ele retrucou: - A Deus ou ao diabo?²

A missionária norte-americana Ruth Dorris Lemos junto como o seu esposo, o Rev. João Kolenda Lemos, implantaram o primeiro seminário assembleiano no Brasil, O Instituto Bíblico das Assembléias de Deus(IBAD) em outubro de 1958. Ela conta que “eles (os pastores brasileiros) não tinham uma visão desse trabalho aqui no Brasil. E também missionários de outros países não tiveram esse sentimento”.³
O antiintelectualismo dos assembleianos brasileiros não partiu dos missionários suecos. Eles sempre valorizaram o estudo bíblico, mas não tinham uma visão de seminários nos moldes americanos. O missionário Gunnar Vingren foi um dedicado seminarista por quatro anos em Chicago(EUA). O que prevaleceu foi as Escolas Bíblicas de Obreiros (EBO), que já fazem parte da tradição assembleiana. As EBO´s eram realizadas em pequenos períodos no ano. Apesar das EBO´s, muitos pastores pentecostais no Brasil eram anti-intelectuais e acusavam os seminários de “fábricas de pastores”.
Esse tempo passou, hoje o número de eruditos pentecostais só está crescendo, os seminários e faculdades assembleianas proliferam por todo o Brasil. Hoje, o perigo está em vários jovens que buscam seminários, e caem em covis de cobras do liberalismo teológico de Rudolf Bultmann ou da neo-ortodoxia de Karl Barth. Há até pentecostal que é considerado maior defensor do teísmo aberto, modismo teológico de origem liberal.

02) o antiintelectualismo e o neopentecostalismo.
O antiintelectualismo se manifesta de maneira violenta, hoje, no neopentecostalismo. O maior líder neopentecostal do Brasil escreveu:

Todas as formas e ramos da teologia são fúteis, não passam de emaranhados de idéias que nada dizem ao inculto, confundem os simples e iludem o sábio. Nada acrescentam à fé e nada fazem pelos homens, a não ser aumentar sua capacidade de discutir e discordar entre si. 4

Será que esse líder não lembra dos benefícios, para o cristianismo, por parte dos teólogos ortodoxos que amavam a palavra de Deus? Certamente, se as ovelhas de muitos mercadores na fé, tivessem o mínimo de conhecimento bíblico, não entregariam os seus bens para sugadores e aproveitados, que usam a Bíblia de maneira indevida.
A cada dia nasce uma nova denominação neopentecostal no Brasil, mas a maioria esmagadora dessas novas denominações, já nascem sem Escola Dominical. Será um interesse na ignorância do povo? Infelizmente, muitas congregações de denominações tradicionais abandonaram a Escola Dominical.

03) a falácia do antiintelectualismo.

Um dos textos bíblicos mas usados pelos defensores do antiintelectualismo, se encontra em 2Co 3.6b(A letra mata, e o espírito vivifica). Quanto Paulo diz que a letra mata, ele não está se referindo ao estudo, mas a letra da lei de Moíses, que a ninguém salva, mas mostra o estado pecaminoso do homem e a severidade em relação ao pecado.
A Bíblia, pelo contrário, incetiva a busca pelo conhecimento:

a) Não se aparte de sua boca o livro dessa Lei; antes medita nele dia e noite (Js 1.8a)

b) A exposição de tuas palavras dá luz e dá entendimento aos símplices (Sl 119.130).

c) No ano primeiro de seu reinado, eu Daniel, entendi pelos livros que o número de anos, de que falou o Senhor ao profeta Jeremias, em que haviam de acabar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos (Dn 9.2).

d) Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor (Os 6.3a).

e) Errais não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus (Mt 22.29).

f) Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam (Jo 5.39).

g) Persiste em ler, exortar e ensinar (1Tm 4.13).

h) Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos (2Tm 4.13).

i) Antes, crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2 Pe 3.18).

04) as causas do antiintelectualismo.

Os principais fatores que contribuem para um forte antiintelectualismo no meio evangélico é o pragmatismo religioso e o empirismo desenfreado.
O pragmatismo baseia a verdade em sua utilidade e satisfação. O pragmático nunca pergunta se algo é verdadeiro, mas a sua pergunta é se algo funciona. A partir do momento que a funcionalidade de algo é a busca primaz do agente pesquisador, a sua tendência será o antiintelectualismo. A verdade, e sua busca, está em segundo plano. O pragmático descobre, por exemplo, que um homem cura enfermos com “o cuspe de Cristo”, em vez de buscar a base escriturística e fundamentar esse fato na verdade bíblica, o sujeito prefere a “cura do cuspe”, pois funciona.
O empirismo evangélico é pai do antiintelectualismo, pois baseia as suas “verdades” em experiência. As experiência são levadas as extremos, estabelecendo até doutrinas. Os “empiristas gospel” são anti-intelectuais de carteirinha. Um famoso pregador empirista, chamou o seu doutorado de porcaria, se vê o valor da teologia para esse pregador. É bom observar que há vários sites oferecendo doutorado de teologia por correspondência, puro engano e fraude.

05) o equilíbrio entre intelectualidade e devoção.

Há uma idéia muita errada, que associa estudo a apatia espiritual. O estudo não produz crentes nominais ou pessoas frias na fé com Cristo. Grandes eruditos, como muitos analfabetos estão mortos espiritualmente. O que determina comunhão com Deus não é o exterior (bens materiais, graduações etc), mas uma busca sincera por Deus. O mais importante é o equilíbrio de uma devoção emocional ao estudo intelectualizado. John Stott, em seu livro Cristianismo Equilibrado5, fez uma importante observação:

Alguns crentes são tão friamente intelectuais que se questiona serem eles mamíferos de sangue quente, para não dizer seres humanos, ao passo que outros são tão emocionais que se deseja saber se são possuidores de uma porção mínima de massa cinzenta. Eu me sinto constrangido a dizer que o mais perigoso dos dois extremos é o anteintelectualismo de depois a entrega ao emocionalismo...
Sinto-me na obrigação de acrescentar, contudo, que se o antiintelectualismo é perigoso, a polarização oposta é quase igualmente perigosa. Um hiperintelectualismo árido e sem vida, uma preocupação exclusiva com ortodoxia não é cristianismo do Novo Testamento. Não há dúvida de que os crentes primitivos eram profundamente motivados pela experiência de Jesus Cristo.

Nada de antiintelectualismo, mas não se deve cair no extremo do hiperintelectualismo, como lembra Stott. Ambos são prejudiciais, pois os extremos são perigosos. O estudo não pode deixar ninguém sem emoções, as emoções não podem deixar alguém sem racionalidade.

Conclusão:

O cristão deve regeitar a teologia, filosofia, biologia, psicologia e outros ramos de estudo que trazem conceitos baseados em mentiras, que contrariam as verdades bíblicas. Mas tudo aquilo que a teologia, filosofia, biologia, psicologia e outros ramos de estudo que trazem como verdades, que se baseam na revelação bíblica, deve ser abraçada pelo cristão. A frase do Clemente de Alexandria, um dos pais da igreja, deve ser lembrada, ele disse: “Toda verdade é a verdade de Deus”.

Referências bibliográficas:

1- PERCEY, Nancy. Verdade Absoluta. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 297 e 300.

2- HORTON, Stanley M. O Avivamento Pentecostal. 4. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. 32,33.

3- frase de: LEMOS, Ruth Dorris. Atividade Feminina: Vida totalmente dedicada ao Mestre. Mensageiro da Paz. Rio de Janeiro, maio de 2006, ano 76, n. 1452. p. 19.

4- MACEDO, Edir. A Libertação da Teologia, p. 17. citado por: SOARES, Esequias. Heresias e Modismos. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 332.

5- Publicado pela CPAD.


Pentecostalismo, Koinonia e Individualismo

A décima segunda divisão, da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, é conhecido como o texto dos dons espirituais. Realmente, os capítulos 12, 13 e 14 da missiva corintiana, é um tratado paulino sobre os pneumatikos carismata, ou seja, os dons do Espírito são o tema central. Mas medite nos versículos de 12 ao 31, do referido trecho epistolar, e você verá que a proposição, além de pneumatológica, é eclesiológica: a igreja como o corpo místico de Cristo em comunhão.
É comum, na igreja hodierna, a promoção de uma espiritualidade cada vez mais individualista, onde as excêntricas experiências pessoais são excessivamente incentivadas. Todavia, o Espírito Santo trabalha no meio da comunhão e nunca na divisão, como bem escreveu o historiógrafo Lucas, relatando as características da igreja dos primeiros dias: “E perseveravam... na comunhão, e no partir do pão, e não orações... E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”(At 2.42, 47).
Nesses dias tenebrosos, que antecedem a parousia de Cristo, os templos cristãos se tornaram casas de prazeres. São crentes que vêem a oração como um meio de barganha com o Altíssimo, e não um canal de comunhão divina. Os filhos de Deus se tornaram crianças extremamente mimadas, pois contemplam um pai obrigado a atender os seus desejos mercantilistas, mas não conseguem colocar a sua confiança no Deus Soberano. O que é melhor para a igreja individualista pós- moderna, um culto de intercessão pelas nações, ou a reunião de oração “forte” para os empresários crescerem materialmente? A resposta é óbvia, e sendo assim, a advertência do irmão de Jesus é cada vez mais necessária: “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites”(Tg 4.3).
O evangelicalismo vive em um período que o cristianismo segue as regras de mercado. Nesses dias há denominações para todos os gostos: igrejas para roqueiros, igrejas para surfistas, igrejas para a classe-média, igrejas para madames da elite paulistana... há igrejas como opções de parto na praça de alimentação de um shopping-center. Não seria essa eclética manifestação denominacional, a mais trágica expressão do individualismo gospel? Charles Colson, pensador cristão, faz uma observação com muita propriedade:


A cultura é radicalmente individualista. Pessoas fazem de tudo o que querem. São nas suas igrejas. O resultado é que escolhem e optam pelas igrejas que irão membrar-se, acreditando no que querem. Falta sempre o entendimento da responsabilidade de ser parte da comunidade dos crentes. A maioria das pessoas que se sentam nos bancos de igreja perdeu totalmente esse ponto.¹


Como no começo do texto foi lembrado, Paulo escreveu sobre dons espirituais e comunhão da igreja no mesmo papiro, certamente com a mesma tinta. Pois carisma só combina na koiononia. Os dons do Espírito tem o objetivo de promover edificação na comunidade. O exercício dos dons espirituais deve estar inserido em um contexto de valor à edificação coletiva e não ao individuo. O doutor dos gentios orientou:


O que fala língua estranha edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja. Eu quero que todos vós faleis línguas estranhas; mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas estranhas, a não ser que também interprete, para que a igreja receba edificação. ( 1Co 14. 4-5)


A maior preocupação do menor dos apóstolos, era com a edificação da igreja nas manifestações carismáticas. Paulo então fala sobre o amor (capítulo 13), que é um assunto totalmente ligado aos capítulos 12 e 14; então ele lembra que o amor “não busca seus interesses”, e da mesma forma o portador de um dom não deve se auto-promover, mas lutar pelo crescimento de cada membro na comunidade. A variedade de dons espirituais é para que todos participem dessa graça e possa assim, colaborar com o amadurecimento mútuo. Como lembra o teólogo pentecostal Stanley M. Horton:

O propósito da variedade (dos dons espirituais) é possibilitar o corpo a funcionar como unidade. A variedade, portanto, não visa a vantagem do indivíduo, ao dar mais coisas para desfrutarmos. Visa, pelo contrário, a vantagem da Igreja... Deus, deliberadamente, concedeu dons e ministérios a pessoas diferentes. Ele quer que reconheçamos ser necessário precisarmos uns dos outros.²


Só mesmo a comunhão no Espírito pode promover essa verdadeira espiritualidade. Infelizmente muitos pentecostais valorizam experiências que não edificam a sua comunidade e nem promove um unidade no Espírito em torno da Palavra. O individualismo leva a buscar os prazeres místicos do “cair no espírito” ou da “risada santa”, que em nada edificam a igreja, mais trazem uma satisfação egoísta. É muito forte o testemunho do pastor Paul Gowdy, sobre os efeitos da “bênção de Toronto”(cair, danças, rolar, pular, rugir no espírito) sobre a igreja canadense, do qual ele era membro: “Desde que a bênção de Toronto chegou, ficamos esfacelados”³. Gowdy, que abandonou o movimento neopentecostal da Igreja de Vineyard, relata que a igreja que caia no espírito, caiu no mais baixo nível espiritual enquanto passava por esse “avivamento”. O modismos não promovem comunhão, mas divisão, assim como aconteceu na igreja do ex-lider neopentecostal Paul Gowdy.
Nenhum pentecostal pode esquecer que os dons espirituais estão no contexto da comunhão eclesiástica. O Espírito Santo opera em indivíduos, isso por meio da regeneração, santificação, batismo pelo Espírito Santo e batismo no Espírito Santo. Mas todas as operações no indivíduo o leva para o corpo, pois o trabalho a Terceira Pessoa da Trindade é no corporativo. O Rev. Augustus Nicodemus, teólogo reformado, fez uma ponderação interessante sobre o referido assunto:


Creio que essa verdade bíblica tem faltado em muito do que se tem dito hoje sobre a plenitude do Espírito. A ênfase quase sempre está em aspectos individualistas, reações físicas individuais, experiências pessoais, e coisas do gênero. O aspecto corporativo da plenitude do Espírito, a compreensão do plano redentor de Deus que ele produz e Cristo como sendo a expressão objetiva e subjetiva da experiência são aspectos esquecidos ou pouco enfatizados, aspectos que, para Paulo, são essencialmente ligados à operação do Espírito na Igreja de Cristo.4


Portanto, a conclusão que se tira deste assunto é que a operação do Espírito Santo é no contexto da edificação de sua igreja. Manifestações pragmáticas e experimentalistas, onde a doutrina é relativizada, onde a comunhão é desprezada e o Fruto do Espírito é esquecido, trata-se de um falso pentecostalismo. Nesses movimentos e modismos, o ego humano é super-valorizado, a auto-ajuda é tema de pregação, o deus papai-noel satisfaz os gostos de seus “bons meninos de fé” e o triunfalismo é a grande onda. O avivamento é tratado com um meio de obter e ganhar e não entregar. O pentecostalismo bíblico não condiz com esse “cristianismo” individualista, centrado e sentado no trono do ego humano.


Referências Bibliográficas:


1- COLSON, Charles. In Entrevista. Resposta Fiel, Rio de Janeiro, Ano 3, n. 09, p. 12, Set-Out-Nov/2003.


2- HORTON, Stanley M. A doutrina do Espírito Santo. 6 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002. p. 231, 232 e 236.


3- DANIEL, Silas (ed.). Ex-líder da Igreja de Toronto denuncia arrependido farsas heréticas: Paul Gowdy confessou recentemente, em artigo, o que está por trás de modismos famosos que sua igreja disseminou no meio evangélico mundial. Mensageiro da Paz, Rio de Janeiro, CPAD, Setembro de 2007. N. 1468. p. 14-15.


A mania angélica no meio evangélico

“Quando cheguei neste culto, vi anjos nesse templo com brasas de fogo nas mãos”, disse o pregador. A congregação exaltada gritava: “Glórias a Deus, Aleluia” e outros começavam a “marchar ou dançar no espírito”. Esse culto foi, para a maioria dos que ali estavam, uma maravilhosa reunião. O grande problema é que o “pregador”, na verdade, era um bandido que chegou a se relacionar com jovens na igreja de maneira devassa e pervertida. A igreja que amou o pregador angélico, entrou em crise mediante esse fato. Lembrando que essa história é verídica!
O que faz um falso pregador, “derramar fogo em uma igreja”, sendo ele um ímpio pervertido? A questão é que esse falso profeta sabia que muitos evangélicos ficam animados diante de um culto onde os anjos são o centro. Muitos “animadores de auditório”, que não chegam a ser maus caráter com o caso citado acima, estão comprometidos com um evangelho estranho as Escrituras. São pessoas que enfatizam anjos, tirando a primazia de Cristo no culto.
Hoje, a angelomania é muito presente na comunidade evangélica. São cadeiras reservadas para anjos, são constantes visitas do arcanjo Miguel, e há recados transmitidos pelo anjos com várias revelações. Há músicas que as letras dizem seres os anjos, os agentes do Batismo no Espírito Santo e ainda aqueles que promovem a cura divina; haveria aberração maior do que essa? Seria essas práticas bíblicas? O apóstolo Paulo já alertava: “Ninguém vos domine a seu bel-prazer, com pretexto de humildade e culto dos anjos, metendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão”(Cl 2.18). O culto deve ser cristocêntrico, mas nunca angelocêntrico ou antropocêntrico. Seria o homem ou os anjos o objeto de louvor no culto cristão? Não é preciso nem responder!
O escritor aos Hebreus lembra que os anjos “são espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação”(1.14). Isso quer dizer que os anjos são criaturas que servem os salvos quando enviados por Deus, isso mediante as várias situações que o Senhor livra os seus servos. Essa é a missão dos anjos na atualidade. Os anjos não foram convocados para “derramar brasas de fogo em reunião pentecostal”, muito menos promover revelações ou batizarem alguém no Espírito Santo. Quem derrama do Seu poder na igreja é o Espírito Santo e que batiza é Jesus Cristo. As revelações são frutos do “dons da palavra do conhecimento”, que nunca contradizem ou acrescentam algo as Escrituras.
Nesse artigo, há o destaque de duas práticas presentes no meio evangélico, que tornam o culto angelocêntrico (anjos no centro) e antropocêntricos (os homens no centro).

a) invocar a presença de anjos no ambiente de culto.

É comum pessoas orarem pedindo que Deus coloque um anjo na porta da igreja, um arcanjo no púlpito e outro anjo na casa do crente. Essa prática enfatiza papéis que não são angélicos, como ser segurança pessoal de um super-pregador. Essa idéia remete a doutrina pagã de anjo-guia ou anjo-da-guarda. Quem guia o cristão é o Espírito Santo e é Deus quem guarda o crente, usando para isso anjos ou não! Invocar a presença de anjos é desnecessário e torna o culto angélico. O pastor e teólogo assembleiano Elinaldo Renovato lembra:

Não existe base bíblica para se afirmar que eles (os anjos) estão por aí, a dirigir culto e revelar “segredos” de Deus. Toda a revelação necessária e suficiente para que o homem e a Igreja saibam como relacionarem-se com Deus já nos foi transmitida através das Sagradas Escrituras.¹

E ainda Renovato alerta:

Há igrejas evangélicas, inclusive, com o nome de Assembléia de Deus, em que se pratica um verdadeiro “culto a anjos”. Em tais ambientes, as pessoas estão mais voltadas para os anjos do que para Jesus. Há pregadores que só iniciam a pregação depois de pedir que os anjos se postem a seu lado. Isso á apostasia dos tempos pós-modernos. E há muitos cristãos que estão se afastando dos verdadeiros princípios da ortodoxia bíblica, encantados com esses movimentos.²

Esse desejo de ter anjos ao redor do púlpito, quando o grande pregador está ministrando, traz uma idéia de um ser acima dos demais, um “ungido do Senhor”, realçando o pregador com o centro das atenções. Um fato interessante é que os angelomaníacos se apresentam como grandes ungidos de Deus, servos “humildes” do Deus Altíssimo, quando isso não passa de falsa modéstia. O jornalista e teólogo pentecostal Silas Daniel leciona:

Ainda hoje, os angelólatras se apresentam como pessoas avivadas, espirituais, santas, humildes, mas na verdade estão, como afirmou o apóstolo, embriagados por uma compreensão carnal.³

Haveria sentimento mais mundano do que tirar a centralidade de Cristo, para se tornar um espetáculo vivo? Haveria carnalidade maior do que mentir nos púlpitos, dizendo que estão recebendo recados de anjos? Nada de espirituais, mas os angelomaníacos não passam de crentes carnais.

b) anjos promotores de “avivamentos”.

Ouriel de Jesus, um pastor brasileiro que pregando nossa revelações diretas do céu, diz que a sua igreja promoverá ou está promovendo o último avivamento da história. Mais modesto impossível! O seu livro, fruto de vários contatos nos céus é o Triunfo Eterno da Igreja. Esse livro é um grande divulgador da doutrina de centralidade angélica. São anjos promotores de “avivamentos”. Sua igreja, que foi excluída da CGADB(Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil) tem até corografias dirigidas por anjos. Como escreveu o pastor Waldomiro Francisco: “Como seu Consolador, é o Espírito Santo quem a vivifica (a igreja); não existe avivamento por seres angelicais, o que não passa de uma heresia”4.
Todo cuidado é pouco, diante de tantos modismos angélicos no seio da igreja evangélica, o cristão não deve correr atrás de movimentos, mas sim se solidificar na Palavra de Deus.

Referências Bibliográficas:

01- RENOVATO, Elinaldo. Colossenses. Lições Bíblicas, Rio de Janeiro, p. 52, 3. trimestre de 2004.

02-________. Perigos da Pós-Modernidade. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p. 17 e 18.

03- DANIEL, Silas. A moda do culto aos anjos: conheça a gênese da angelolatria e a verdadeira função dos anjos. Resposta Fiel, Rio de Janeiro, Ano 2, n. 06, p. 25 , Dez-Jan-Fev/2003.

04- FRANCISCO, Waldomiro. A Doutrina dos Anjos e Demônios. 2 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005, p. 33.


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