sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Doutrina da Inspiração Afirmada pelas Próprias Escrituras

Reivindica a Bíblia infalibilidade para si mesma? Às vezes tem sido levantado o argumento de que as próprias Escrituras não reivindicam sua própria infalibilidade. Mas a investigação cuidadosa demonstra que quando o assunto é ventilado, assevera-se o fato de sua absoluta autoridade como sendo a infalível Palavra de Deus.

Mateus 5.18: “Porque em Verdade vos digo: At que o céu e a terra passem, nem um i (a letra menor do alfabeto hebraico) ou um til (um traço que faz a distinção entre certas letras hebraicas) jamais passará da lei (isto é, o Antigo Testamento) até que tudo se cumpra” - palavras de Cristo. Isto indica que não somente os pensamentos transmitidos pelas Escrituras, mas as próprias palavras individuais, como veículos válidos destes pensamentos, e conforme sua própria soletração, são dotadas de verdade infalível, e seguramente serão cumpridas e realizadas.

João 10.35: “... e a Escritura não pode falhar”, tem as mesmas implicações do versículo supra citado.

2 Timóteo 3.16: “Toda Escritura é inspirada por Deus (theopneustos) e útil para o ensino”. Do contexto do Novo Testamento pode ser facilmente estabelecido que a palavra “escritura” (graphe) se refere ao Cânon inteiro dos trinta e nove livros do Antigo Testamento, conforme hoje os temos em mãos. 2 Pedro 3.18 dá a entender que as Epístolas neotestamentárias de Paulo também gozam da mesma situação de Escrituras inspiradas (graphai).

Hebreus 1.1, 2: “Havendo Deus... falado... pelos profetas... falou-nos pelo Filho”. Estas palavras reivindicam para os escritos dos profetas do Antigo Testamento a mesma infalibilidade que pertence às mensagens do próprio Cristo, registradas no Novo Testamento.

1 Pedro 1.10, 11: “Foi a respeito desta salvação que os profetas (do Antigo Testamento) indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando atentamente qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias
que os seguiriam”. Está implícito aqui que o Espírito Santo estava nos autores do Antigo Testamento, e que Ele os guiou para que compusessem palavras de verdade infalível cujo cumprimento era garantido, ainda que os autores humanos não entendessem plenamente tudo aquilo que as palavras divinamente orientadas realmente significassem. Por causa de versículos como estes, precisamos, ao interpretar as Escrituras, procurar estabelecer não somente a intenção do autor humano que escreveu as palavras, mas também (e mais importante) a intenção do Autor divino que orientou a composição das mesmas.

2 Pedro 1.21: “Nunca jamais qualquer profecia (as Escrituras proféticas do Antigo Testamento) foi dada por vontade humana, entretanto homens falaram da parte de Deus movidos (literalmente, levadas adiante, como a nau é vela é levada pelos ventos) pelo Espírito Santo”. Naquilo que falavam (conforme está registrado por escrito), estes autores do Antigo Testamento que profetizavam sobre Cristo, foram “levados pela correnteza” à verdade infalível, verdade que não se podia sujeitar a mera interpretação particular (v. 20).

Todas essas passagens vão formando a doutrina da inspiração: que a exatidão é inerente em cada parte do Antigo Testamento e também do Novo Testamento, de maneira que, como um todo, e em todas as suas partes, a Bíblia é infalível quanto à sua verdade, e final quanto à sua autoridade. Esta exatidão se estende até assuntos de história e de ciência, e não só à teologia e à ética. Alguns estudiosos, tais como Henry P. Smith e Charles A. Briggs, procuram fazer uma distinção entre estes dois tipos de verdade, dando vazão a possibilidade de haver falsidade inerente em assuntos de mera história ou ciência. Há duas objeções fatais a esta posição. Em primeiro lugar, o Novo Testamento não admite semelhante distinção: a historicidade de Adão e Eva se implica em 1 Timóteo 2.13, 14, (senão, o comentário de Paulo seria totalmente irrelevante), como também em 1 Coríntios 11.8, 9; a experiência literal de Jonas, que ficou três dias no estômago do peixe grande é absolutamente essencial, se tem que servir como analogia verídica dos três dias que Cristo passou no túmulo, Mt 12.40. É impossível rejeitar a historicidade destes dois episódios cuja veracidade tem sido freqüentemente contestada, sem rejeitar a autoridade do Cristo dos Evangelhos e do Apóstolo Paulo nas Epístolas. Em segundo lugar, nem sempre e passível fazer uma nítida separação entre teologia e ética, e entre história e ciência. Há casos cruciais que envolvem ambos estes tipos de verdade, como é o caso do Adão literal e histórico (pois o argumento teológico inteiro de Rm 5.14-19 depende da doutrina de ser Adão o pai da raça humana inteira). Não se pode conceder a presença de erros em matéria de história e de ciência sem acabar aceitando que há falsidade em matéria de doutrina.


Os Seis Dias da Criação e a Idade do Mundo

Uma leitura superficial de Gênesis cap. 1 deixaria a impressão que o processo inteiro da criação levou seis dias de vinte e quatro horas cada. Se esta tivesse sido a verdadeira intenção do autor hebreu (dedução questionável, conforme será demonstrado a seguir), 0estaria em contradição com a pesquisa científica moderna, que indica que o planeta terra foi criado há vários bilhões de anos. No século dezenove, a evidência principal em favor desta extrema antiguidade (que era, porém, computada como sendo muito menos do que é atualmente) achava-se no ritmo pelo qual a sedimentação de água é depositada em tempos modernos. No Golfo do México, a sedimentação se deposita na média de alguns poucos centímetros ao ano; mas camadas sedimentadas chegando até 9.000 metros foram achadas, indicando uma passagem de bem mais do que 100.000 anos. Isto seria válido como argumento só pela hipótese uniformitariana, ou seja, que as forças naturais de erosão, sedimentarão e ação magmática (ou vulcânica) têm operado nas eras antigas exatamente da mesma maneira que hoje se verifica. Uniformitarianismo tem sido vigorosamente desafiado por algumas autoridades, por causa da evidência dada pelo metamorfismo termodinâmico com violentas inclinações e torções que aparecem em muitas montanhas, e em regiões que são ou eram montanhosas. A aparição de fósseis, muitos deles deixados por espécies de animais que não sobrevivem, nestes extratos sedimentados, servia como um tipo de relógio de tempo, fortalecendo-se assim a impressão de a terra ser bastante antiga. A maioria dos fósseis representava gêneros que tinham desaparecido muito tempo antes da acumulação dos extratos mais recentes, e, portanto, não poderiam ter sido destruídos por uma catástrofe única como era o dilúvio de Noé. (As espécies numerosas de plantas e animais que viviam nos mares, e que foram achadas em forma fossilizada, estas especialmente teriam resistido aos efeitos do Dilúvio, a não ser que a súbita mistura de água salgada com água fresca explicaria sua extinção).

O conhecimento de física nuclear, cuja expansão recente trouxe a lume um novo tipo de evidência, isto é, o processo de decomposição dos minerais radioativos, parece confirmar a grande antiguidade da terra. Segundo os cálculos dos físicos, o urânio 238 passará, no decurso de quatro bilhões e meio de anos, por 18 estágios intermediários de decomposição (tório 234 etc.), até chegar a chumbo 206, que é um mineral estável e não é mais passível de decomposição através da radioatividade. O rubídio 87 demora sessenta bilhões de anos até se transformar pela decomposição em estrôncio 87. Fazendo um cálculo da proporção do produto derivado à proporção do depósito radioativo original, é possível estimar a idade da amostra examinada.

Os geocronologistas mais recentes aperfeiçoaram técnicas que eliminam, em grande parte, os fatores possíveis de erro (tais como a presença do mineral derivado já na época na qual o próprio isótopo radioativo foi depositado, ou também o derrame de porções da amostra por causa da atuação aquática sub-terrestre). Preferem utilizar dois ou três isótopos radioativos diferentes, quando se podem achar no mesmo depósito, para assim averiguar a exatidão dos resultados computados de cada amostra em decomposição. O método Carbono 14 é mais conhecido ao público em geral. Todas as plantas e todos os animais recebem nos seus tecidos uma certa quantidade de carbono 14 (um produto da decomposição do nitrogênio sob o impacto dos raios cósmicos da atmosfera superior). Depois da morte da planta ou do animal, não pode absolver mais deste carbono 14, e aquele tanto que já tem no seu sistema paulatinamente se decompõe pela radioatividade, até formar nitrogênio 14. Este processo se desenvolve mais rapidamente, porém, num período de apenas 5.580 anos, e por este motivo é inútil datar depósitos tendo 30.000 anos; ou mais de idade?

Será que um intervalo de tempo tão enorme (cinco bilhões de anos ou mais, de acordo com certas estimativas - feitas, é claro, dentro da hipótese uniformista) pode ser reconciliado com os seis dias da criação, segundo Gênesis 1? Isto depende inteiramente da interpretação da palavra hebraica yõm (“dia”). Há três teorias alternativas atualmente defendidas pelos estudiosos bíblicos, quanto a estes “dias”.

1) A palavra “yõm” representa um dia literal de vinte e quatro horas, e Gn 1.3-2.3 nos dá um relatório duma semana literal na qual Deus completamente restaurou do caos uma criação (registrada em Gn 1.1) que tinha sofrido uma catástrofe (possivelmente na época na qual Satanás e seus anjos foram expulsos da presença de Deus). Apoio para esta interpretação tem sido alegadamente descoberto em Is 45.18 quando se 1ê que Deus não criou a terra “em vão” ou “para ser um caos” (o heb. Bõhu é a mesma palavra “vazia” de Gn 1.2). Daí, Gn 1.1 deve indicar uma criação completa e perfeita anterior ao estado caótico mencionado em Gn 1.2, pois esta é a única conclusão que se pode tirar de Is 45.18 quando se interpreta assim. (Mas esta interpretação encontra a dificuldade que bõhu em 45.19 significa claramente “em vão”). Pode ser notado quanto a este assunto, que o verbo “era” em Gn 1.2 pode razoavelmente ser traduzido “veio a ser”, a frase sendo interpretada: “E a terra veio a ser sem forma e vazia”. Só uma catástrofe cósmica poderia explicar a introdução da confusão caótica na perfeição original da criação de Deus. Esta interpretação é sustentável pelas leis da exegese, mas se confronta com duas dificuldades principais.

(a) Esta interpretação significaria que a plena grandiosidade da criação original recebe apenas uma descrição que se reduz a estas palavras: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Em seguida, toda a atenção se dedica a uma reconstrução da ordem do mundo recentemente perturbada, e acontecimentos de há cinco ou seis mil anos;

(b) Significaria também que o inspirado Livro das Origens não teria nada para dizer acerca da ordem do processo criativo, nem sequer sobre coisa alguma que pertence à geologia. Não haveria mais necessidade de harmonizar a geologia com o Gênesis, pois tratam - segundo esta interpretação - de assuntos inteiramente diferentes.


Talvez seja conveniente mencionar aqui que certos defensores desta teoria muitas vezes a enfeitaram com especulações altamente questionáveis quanto à posição original de Satanás, presidindo o culto a Yahweh num Éden pré-catastrófico, embelezado com árvores carregadas com jóias (comparando o “príncipe de Tiro” de Ez cap. 28 com o próprio Satanás). Jeremias 4.23-26 também tem sido enquadrado nesta teoria da catástrofe, por conter a expressão tõhu wabhõhu (“sem forma e vazia”) achada também em Gn 1.2. Explicando as coisas assim, indica que antes da catástrofe existiam cidades e homens, que foram destruídos algum tempo entre Gn 1.1 e 1.2 (embora Jr 4.23-26 aparentemente descreva uma cena profética duma catástrofe vindoura). Estes “enfeites” são incluídos no livro de G.H. Pember Earth’s Earliest Ages – “As Épocas mais Antigas da Terra” (primeira edição 1876), embora não façam parte essencial da teoria da catástrofe, naturalmente.

2) Yõm representa um dia na revelação. Isto é, em seis dias literais, ou possivelmente numa visão que representava a Moisés o drama inteiro da criação em seis dias visionários, Deus descreveu ao seu profeta o mistério de como fizera a criação, e as etapas pelas quais cumpriu a obra. Estes estágios não representam necessariamente uma seqüência estritamente cronológica (sendo que a narrativa da criação dos corpos celestes é adiada até o quarto dia, depois da criação da vegetação que precisa da luz do sol para sua subsistência). Em parte, são cronológicos, e em parte, tópicos. Isto quer dizer, as várias etapas ou fases de criação são apresentadas segundo uma ordem lógica, em relação ao observador humano na terra. É, portanto, mais 1ógico descrever em primeiro lugar a superfície da terra na qual o observador ficaria em pé, antes de apresentar o sol e a lua que brilham sobre a terra e regulam as estações.

Esta interpretação é talvez sustentável sem abrir mão da infalibilidade da narrativa bíblica. Mas se confronta com uma dificuldade séria (entre outras), que não há a mínima sugestão no texto de Gênesis 1 que seja uma visão que está sendo descrita. Lê-se como uma narrativa singela e direta: No princípio Deus criou os céus e a terra; no primeiro “dia” criou a lua; no segundo dia, separou as águas em superiores e inferiores, e assim por diante. Sendo que a criação inicial mencionada em Gn 1:1 parece que não é incluída no primeiro “dia” da revelação, pergunta-se se esta parte foi incluída na suposta visão concebida a Moisés, ou se isto foi concedido de maneira não-visional. De qualquer maneira, se Gênesis cap. 1 foi apenas uma visão (representando, naturalmente, os verdadeiros fatos da história original) então quase qualquer outra narrativa nas Escrituras pode ser interpretada como sendo uma visão - especialmente se refere a algo que não seria naturalmente passível de observação a um investigador humano ou historiador humano.

3) Yõm representa uma era geológica eu estágio no processo criativo. Esta foi a explicação à qual recorreram os geólogos do século dezenove que respeitavam a autoridade da Bíblia, notavelmente J.W. Dawson (e.g., The Origin of the World According to Revelation and Science, - “A Origem do Mundo Segundo a Revelação e a Ciência” - 1877) e James Dana (Manual of Geology, 1875). Segundo este ponto de vista o termo yõm não significa um dia literal de vinte e quatro horas, mas é o equivalente de “estágio”. Tem sido freqüentemente asseverado que yõm não pode sustentar esta interpretação, e que significa um dia literal para a mentalidade hebréia e segundo o uso da língua. Mesmo assim, na base da evidência interna, é convicção do presente escritor que yõm em Gênesis 1 não foi empregado pelo autor hebreu com a intenção de descrever um dia literal de vinte e quatro horas.

Em primeiro lugar, yõm aparentemente é empregado em Gn 2.4 para se referir ao processo criativo inteiro que, no capitulo anterior, foi descrito em “seis dias”: “Esta é
gênese dos céus e da terra quando foram criados, quando o SENHOR Deus os criou” (o segundo “quando” traduz a expressão hebraica “no dia que”). Sendo que os estágios da criação acabam de ser descritos, é legítimo inferir que aqui “dia” quer dizer o processo inteiro desde o primeiro “dia” até ao sexto. Em segundo lugar, Gn 1.27 declara que, depois de criar todos os animais terrestres no sexto dia, Deus criou o homem, tanto o macho como a fêmea. Então, na descrição mais detalhada em Gn cap. 2, informa-se que Deus criou Adão primeiro, e lhe deu a responsabilidade de cuidar do jardim do Éden por um certo período de tempo, até que se tornou aparente a solidão do homem. Então Deus deu a Adão a companhia dos animais da terra, com a oportunidade de dar nomes a todos eles. Adão ainda se sentia só, e criou-lhe uma esposa humana tirando dele uma costela, durante um “sono profundo”. Finalmente, trouxe Eva perante Adão e apresentou-a a ele como companheira para sua vida. Quem poderia imaginar que todas estas transações pudessem ter sido efetuadas num período de 120 minutos do sexto dia (ou até dentro das vinte e quatro horas)? Mesmo assim, Gn 1.27 declara que tanto Adão como Eva foram criados no último dia da criação. É óbvio que os “dias” do primeiro capítulo representam estágios de duração indeterminada, e não dias literais de vinte e quatro horas.

Quanto à objeção de que os “dias” de Gênesis cap. 1 se representam como tendo uma “manhã” e uma “tarde”, e portanto, precisam ser interpretados como sendo literais, pode se responder que a fórmula “tarde e manhã” indica somente que o termo “dia”, apesar de ser símbolo dum estágio geológico, é usado no sentido do ciclo de vinte e quatro horas mais do que no sentido de “dia” em contraste com “noite” (como, por exemplo, “dia” em 1:5a). Ao se tratar deste assunto, deve ser mencionado que as referências em o Novo Testamento que Cristo permaneceu no túmulo “três dias e três noites”, se explicam como sendo o equivalente de “durante um período de três dias, dos de vinte e quatro horas”, e não três dias (de luz do dia) mais três noites. Em outras palavras, Jesus morreu cerca de 15 horas na sexta-feira (uma parte do primeiro, dia dos de vinte e quatro horas), permaneceu no túmulo no sábado, e ressuscitou no domingo (no decurso dum terceiro dia dos de vinte e quatro horas). Já que esta expressão em Gênesis 1, “tarde e manhã, aparece como sendo a maneira hebraica de indicar dias de vinte e quatro horas, era um procedimento lógico chamar três dias deste tipo “três dias e três noites”. (Assim evitamos as dificuldades encontradas pelas pessoas que querem sustentar uma teoria duma crucificação na quarta-feira, contraindo toda a evidência insuperável de que o fato ocorreu numa sexta-feira).

A teoria “época = dia”, pois, explica os seis dias da criação como sendo uma indicação do esboço geral da obra criadora de Deus, na formação da terra e dos seus habitantes, até o surgimento de Adão e Eva. Geólogos modernos concordam com Gênesis 1 nos seguintes detalhes:

(a) A terra começou sua história numa forma confusa e caótica, que subseqüentemente cedeu lugar a um estado mate ordeiro.
(b) Surgiram as condições apropriadas à manutenção da vida: a separação do vapor espesso que cercava a terra em nuvens em cima e rios e mares em baixo, com o ciclo de evaporação e precipitação, e também com a penetração da 1uz do sol, que ia aumentando (sendo que a anterior criação é sugerida pelo primeiro dos mandamentos verbais: “Haja luz!”) na superfície da terra, para onde ia chegando.
(c) A separação da terra do mar (ou a emergência da terra por cima do nível das águas, que ia se abaixando) precedia a aparição da vida sobre o solo.
(d) A vida vegetal já tinha surgido antes da primeira emergência da vida animal no período cambriano. Quanto a isto, a verdade é que todos os filos invertebrados aparecem ao mesmo tempo de maneira marcadamente súbita nos estratos cambrianos, sem a mínima indicação nos depósitos pré-cambrianos de como estes vários filos, classes e ordens (representados por nada menos do que 5.000 espécies) possam ter-se desenvolvido.
(e) Tanto o Livro de Gênesis como a geologia concordam que as formas mais singelas apareceram em primeiro lugar, e só posteriormente as mais complexas.
(f) Ambos concordam em dizer que a raça humana tenha surgido como último e mais alto produto do processo da criação.

Sendo assim, a seqüência apresentada nas narrativas harmoniza suas linhas gerais com aquela indicada pelos dados geológicos. É verdade que o registro da criação do sol, da lua e das estrelas no quarto dia não corresponde à evidência de todo conclusiva que o planeta Terra tenha surgido depois da criação do sol. Mas desde que a criação da luz no primeiro “dia” indica a anterior existência do sol mesmo na narrativa mosaica, devemos entender, baseados na exegese, que a ênfase do quarto dia era dada, não à criação original dos corpos celestes como tais, mas sim, à sua disponibilidade para a regulamentação do tempo e dos ciclos da rotação e revolução da terra e da lua. O verbo específico que representa “criar ex nihilo” (bãrã), não se emprega em Gênesis, 1.16, onde aparece o termo mais geral: (ãsâ), “fazer”. A inferência razoável é que antes do quarto dia, o denso vapor que cercava a terra tenha impedido esta possibilidade, apesar de ter havido uma suficiência de luz indireta, penetrando até à superfície da terra, para permitir o crescimento de vida vegetal. (Note-se que o Hebraico de Gn 1.14 pode ser traduzido, “Que os luzeiros no firmamento dos céus sejam para separar entre o dia e a noite, a fim de que sejam por sinais, etc.”).

Defensores da teoria do dia literal freqüentemente têm mencionado Êxodo 20.11, como confirmação de serem literais os dias. Ao confirmar a santidade do Sábado, o SENHOR declara: “Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra... e ao sétimo dia descansou”, Mas isto não pressupõe necessariamente dias literais de vinte e quatro horas, pois o sétimo dia é explicitamente santificado em termos da completação da obra da criação. Para este propósito de observância memorial, a única maneira pela qual a sétima época (a época da completação, segundo a teoria pela qual o “dia” representa uma época) poderia ser santificada, seria com um sétimo dia literal duma semana de sete dias. Certamente seria impraticável dedicar uma época geológica inteira à comemoração duma época geológica!


Sumário da História do Cânon do Antigo Testamento

Ao examinarmos as evidências a respeito da inclusão de um livro entre os considerados sagrados pelos judeus, devemos observar as três divisões em que se agrupa a Bíblia Hebraica, como já notamos acima. A Lei, por sua própria natureza e antiguidade, deveria ocupar o primeiro lugar. Quando ela foi considerada como divina instituição, não sabemos. Sabemos, sim, que Moisés recebeu de Deus a maior parte do material nela contido, e que este material foi desde logo considerado autorizado. Alguns profetas, especialmente Oséias e Amós, pertencentes no oitavo século, revelam-se familiares com os ensinos do Pentateuco, e quando o Deuteronômio foi encontrado no templo, por ocasião da reforma de Josias, foi também considerado divinamente inspirado, pelo povo e pelo rei, isto em 621 a.C.

Ao tempo de Esdras e Neemias (cerca de 400 a.C.), a Lei tinha aceitação universal como livro inspirado entre os judeus. Certamente, deve ter sido assim considerado por muitos anos ou Séculos antes, mas não temos informações diretas a respeito disso, pelas seguintes razões:

1) O Pentateuco Samaritano data do cisma realizado por ocasião da reconstrução da cidade de Jerusalém, quando, ao que se acredita, foi levado para lá pelo renegado Sambalate. Logo, devia ser considerado como Escritura, muito tempo antes. Os samaritanos sustentam datar de 722 a.C.; os críticos, porém, negam-lhe esta idade, por considerações da natureza do manuscrito. Todavia, mesmo que o manuscrito do Pentateuco Samaritano seja de data posterior, nada impede que o texto seja muito mais antigo.

2) A Lei foi lida por Esdras, desde a alva ate. ao meio-dia; isto não deve ser entendido no sentido de apenas um dia de sol (Neem. 8:3). Esta leitura não importou na sua canonização, como querem fazer entender alguns críticos, mas apenas levou o povo a reafirmar a sua fidelidade a Lei dos seus pais. Por causa de sua infidelidade a esta mesma Lei e que eles tinham sido levados em cativeiro. E, agora que se preparavam para recomeçar a sua história, convinha que se dessem conta da sua importância na vida nacional.

3) Os escritos pós-exílicos, durante e depois de Esdras, todos se referem à Lei, com especial reverência (Ml 4.4). Concluímos que a Lei era há muitos anos considerada canônica, e a sua inobservância tinha dado causa aos sofrimentos do povo.

Os Profetas deviam ter sido o segundo grupo de livros a ser aceito como divinamente inspirado. No prólogo ao Eclesiástico, Jesus Ben Siraque (cerca de 132 a.C.) escreve que os judeus tinham já três divisões na sua Bíblia Hebraica: a Lei, os Profetas e os outros livros. No mesmo livro de Eclesiástico, Jesus Ben Siraque, o avô (cerca de 180 a.C.), menciona Jeremias, Isaías, Ezequiel e os doze Profetas Menores, e dá evidências de que o Cânon já estava fechado naquela época. Muito naturalmente os profetas individualmente, desde há muito, tinham sido considerados inspirados, o mesmo se podendo dizer dos demais livros que receberam a sua aceitação pelo povo, como inspirados, em virtude da função dos seus autores. Assim temos provas de que, como Cânon, a Bíblia Hebraica estava completa no ano 180 a.C. Quantos anos ou séculos antes teria ela sido assim considerada, não sabemos.

Os Escritos ou Hagiógrafos foram o último grupo de livros a ser aprovado como um todo. A referência definida de Jesus Ben Siraque (avô) a “outros livros” indica isso perfeitamente. A inclusão de qualquer livro nesta seção, nesta época ou mesmo posteriormente, não significa que ele fosse escrito depois, porque bem poderia até estar escrito há muito.


Quando foi concluída a terceira parte da Bíblia hebraica?

As referências que temos em Macabeus, Josefo e em o Novo Testamento indicam que Jesus e os apóstolos possuíam o Antigo Testamento substancialmente, como nós o temos hoje. A data da versão dos LXX pode esclarecer este assunto; todavia acreditam alguns que ela não foi terminada antes do ano 100 antes de Cristo ou mesmo mais tarde.

Não há qualquer evidência de que os livros Apócrifos, que aparecem na Vulgata Latina, tivessem sido incluídos na coleção sagrada dos judeus. Jerônimo mesmo, que fez a versão, nega esta validade.

O estudante deve notar que, até ao primeiro século da era cristã, não havia qualquer corpo organizado com o encargo de determinar quais os livros que deviam ou não deviam ser sagrados. Não há qualquer evidência de que já alguma vez existisse tal grupo de homens. O Concílio de Jânia (A.D. 90, 118), composto de eruditos judeus, não determinou a extensão do Cânon hebraico, como pretendem certos críticos. O que eles discutiram foi a respeito de certos livros que já se encontravam lá, e esta discussão não versou sobre a autoria de alguns livros que se achavam no Cânon. Discutir a autoria de um livro e a canonicidade do mesmo livro são assuntos fundamentalmente diferentes. O mundo inteiro deu a sua aprovação ao Cânon hebraico muitos séculos antes de os críticos começarem a discutir tais assuntos. Livros após livro foram aceitos pelo povo como inspirados, dentre dezenas de outros que assim não foram considerados, e a base para esta aceitação (de uns) e rejeição (de outros) teria dependido do caráter dos mesmos livros e seus autores, relacionados com a passada revelação divina. Deus mesmo deve ter tido a sua parte nesta seleção, como a teve em tantos outros assuntos, de modo que a formação do Cânon hebraico e neotestamentário não foi um processo histórico propriamente dito, mas um ato divino, quer na chamada dos seus autores quer na seleção dentre muitos outros livros existentes.


A Infalibilidade dos Autógrafos Originais

Precisamos, como próximo passo, levantar a pergunta: que tipo de registro este há de ser? Um contendo erros de vários tipos, ou um registro livre de qualquer erro? Se esta revelação escrita contém erros, então dificilmente poderá cumprir seu próprio propósito, o de transmitir aos homens de maneira digna de confiança, a vontade de Deus para a sua salvação. Por que é assim? Porque um erro comprovado numa parte faz surgir à possibilidade de haver erros em outras partes da Bíblia, sob exame, acaba sendo uma mistura de verdade e erro, então fica sendo um livro como qualquer outro.

Sem dúvida, há verdades em todos os demais documentos religiosos conhecidos aos homens: o Alcorão, os Vedas, os Upanichades, os Analetas, a Ilíada e a Odisséia, muito embora que esta verdade possa coexistir com uma abundância de erros. O que se deve fazer com livros deste tipo, que contêm verdades e erros? A única coisa que se pode fazer é sujeitá-lo à faculdade crítica do raciocínio humano. Dentro dos seus limites apropriados, bem entendido, o poder de raciocínio do ser humano tem uma função legítima e necessária em aquilatar as evidências apresentadas nestes documentos, para descobrir se são consistentes com a alegada origem divina. Neste caso, é uma questão de reconhecer a identidade daquilo que se apresenta como sendo uma revelação, averiguando se é a palavra de Deus ou não. O raciocínio humano é competente, aplicando-se as regras de contradições internas e os demais cânones da lógica, para julgar as evidências, para determinar se os próprios textos e os dados ali registrados se condizem com as reivindicações da sua origem divina.

Mas é coisa bem diferente quando o raciocínio humano quer emitir seu julgamento sobre a revelação divina como tal, para determinar sua veracidade ou falsidade. Tais julgamentos só poderiam ser válidos se quem julga possui um conhecimento de verdade metafísica que é superior aquele da própria revelação. Noutras palavras, o homem precisaria saber mais sobre Deus e a alma e valores espirituais se quisesse emitir um Juízo válido quanto às verdades da Bíblia. Mas isto obviamente não é o caso, conforme foi indicado previamente, e por isto mesmo, o homem depende totalmente da revelação divina para receber este conhecimento tão importante. Por este motivo, a única maneira pela qual esta revelação pode chegar ao homem numa forma que possa ser empregada e merecedora de confiança, sem ter que depender da exatidão do julgamento humano tão falível, seria como revelação infalível. Senão, não poderia cumprir seu propósito de ser s manifestação, digna de confiança, da verdade divina.


Princípios de Interpretação Antigo Testamento

A discussão precedente deu ênfase a certos métodos que o estudante deve seguir na interpretação do Antigo Testamento, quer seja uma passagem quer seja o seu todo. O estudo deve ser feito com todo o cuidado. Ao tentar interpretar uma passagem ou descobrir a significação de um trecho das Escrituras hebraicas, devem determinar-se os seguintes pontos, expostos na ordem de sua importância.

1) A posição histórica do escritor. Isto inclui a história da época e as condições sociais e religiosas prevalecentes. Tanto quanto possível, deve-se conhecer a vida particular do autor e, se possível, os seus antecedentes.

2) A língua original em que o autor se expressou. É impossível traduzir uma língua noutra, porque toda tradução implica numa interpretação. O conhecimento do hebraico é essencial a quem quiser uma exposição sadia do Antigo Testamento. No caso de não se poder obter tal conhecimento, o estudante deve munir-se dos melhores comentários possíveis sobre o texto hebraico.

3) O contexto da passagem. Os escritores sagrados não escreveram cada versículo no vácuo, mas certamente seguiram a lógica e a razão, passando de um verso a outro. Cada versículo deve relacionar-se com os outros, de que faz parte. Cada passagem deve ser estudada à luz que o livro mesmo oferece; e cada livro deve ser examinado com todos os demais, em sua relação com a revelação progressiva do Antigo Testamento.

4) A natureza da literatura. Como foi sugerido na seção anterior, o tipo de literatura em estudo é da maior importância para a boa compreensão de uma determinada passagem do Antigo Testamento.

5) As relações existentes com o seu futuro cumprimento. O estudo crítico do Antigo Testamento, com a sua ênfase sobre a história apenas, tem levado muitos a contentarem-se com esta conclusão. Nem Jesus nem os escritores do Novo Testamento procederam dessa forma. Assim como a vida de um homem torna explícita as suas tendências da infância, o Novo Testamento revela as verdades escondidas no Antigo. Muitas verdades, que nem os próprios autores nem os expositores judaicos descobriram em muitas declarações do Antigo Testamento, só se tornaram claras em Jesus Cristo. Deve-se ter todo o cuidado para não ler numa passagem do V.T. os ensinos que só o Novo contem; não obstante, deve ficar claro que Jesus é a chave do bom entendimento dos sonhos dos profetas. Portanto, deve-se determinar primeiro o que a passagem teria significado para o escritor e para a sua geração. Depois, procurar saber que relação terá com o plano eterno de Deus, que o próprio escritor talvez não compreendesse mas que agora, para os que vivem na plenitude da luz da revelação, é claro.


Divisões do Antigo Testamento

A divisão que os judeus fazem do Antigo Testamento compreende três partes:

1) A Lei: os cinco livros de Moisés. Esta parte sempre foi a mais altamente distinguida pelos judeus e considerada como o fundamento da Bíblia.

2) Os Profetas: (1) Os primeiros profetas - Josué, Juizes, Samuel e Reis; e (2) os últimos profetas - Jeremias, Ezequiel, Isaías e os doze profetas menores.

3) Os Escritos (Hagiógrafos), compreendendo:

(1) Os Livros Poéticos: Salmos, Provérbios, Jó; e
(2) os Cinco Rolos: Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes e Ester.
(3) Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas.

A maneira de contar os livros, por parte dos judeus, também nos oferece algumas diferenças. Contando Esdras e Neemias como um livro, e os doze profetas como um também, faziam eles o seu Cânon de 24 livros. Reunindo Juízes e Rute, Lamentações e Jeremias, faziam 22 livros, justamente o número das letras do seu alfabeto. O livro de Daniel, que se encontra na terceira parte, e, portanto, entre os chamados Escritos, não foi considerado profético. Pensam uns que o livro é mais história que profecia e o seu autor foi mais político que profeta. Outros acham que, sendo um livro apocalíptico e histórico, ficaria melhor entre os Hagiógrafos. É certo que os críticos têm outra opinião, para explicar a colocação deste profeta entre os livros da terceira coleção. Dizem eles que o Daniel que escreveu este livro não foi o Daniel caldeu e sim outro Daniel, talvez do tempo dos Macabeus, e como o Cânon já estaria fechado a este tempo, foi o livro apenas adicionado a terceira parte. Esta maneira de interpretar a posição do livro de Daniel não parece correta, pois os judeus sempre consideraram este livro como produto do Daniel da Caldéia, e a opinião dos judeus deve valer mais que o dos críticos modernos, que pouco sabem das coisas daqueles dias.


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